GRAU 26- PRÍNCIPE DAS MERCÊS
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Origem do grau 26
 
O Príncipe das Mercês ou Escocês Trinitário, como é chamado o maçom do grau 26, tem origem em tradições cavalheirescas, com visíveis enxertos de tradições egípcias.
Consta-se que seu fundador teria sido o rei da Prússia, Frederico II. Para Jean Palou, no entanto, a origem histórica do grau pode ter sido inspirada em duas Ordens de Cavalaria, a Ordem dos Trinitários, fundada em 1198 e a Ordem dos Pais da Misericórdia, fundada em 1228. Ambas são derivações dos Templários, sendo que a primeira, a Ordem das Mercês, se dedicava a intermediação de resgates de prisioneiros de guerra entre os cristãos e os muçulmanos. Também conhecidos como Trinitários, esses Templários concorreram para fazer a fama de financistas internacionais que sempre acompanhou a saga dos “Pobres Cavaleiros de Cristo”.[1]
A filosofia do grau é desenvolvida a partir de motivos hebraicos, particularmente as alianças que Deus fez com o povo de Israel, com enfoque em três delas, consideradas as principais: a primeira, feita com Abraão, a segunda, que foi feita com Moisés e por último, aquela que foi feita através de Jesus Cristo, envolvendo não somente os israelitas, mas toda a raça humana.
O simbolismo principal do grau repousa na ideia da Trindade, símbolo de toda criação e do equilíbrio perfeito do universo. Por isso, o maçom do grau 26 é não só o “Escocês Trinitário”, aquele que defende a verdade, como também o Príncipe das Mercês, aquele que se dedica a misericórdia (mercê).[2]
Essa dupla virtude, exercidas em conjunto, representa o equilíbrio perfeito do caráter do maçom. Além desses significados, há que se ressaltar que os ensinamentos do grau comportam também inúmeras influências alquímicas, embora na ritualística atual essas evocações sejam pouco visíveis.
 
Shcibboleth - A Deusa Minerva
 

     A câmara onde os trabalhos se processam tem a cor verde. Nove colunas em cores alternadas entre o branco e o vermelho adornam o ambiente. Nove candelabros, com nove luzes, a iluminam. No trono do Presidente, nas cores branca, verde e vermelha, vê-se uma flecha no lugar do malhete. Um pedestal oco, com um livro dentro, em cima do qual repousa uma estátua da deusa Minerva (Palas Atenas ou Ísis), insinua que ali se cultua a Justiça. A escada de três lances representa os três degraus da iniciação: simbolismo, perfeição e filosofismo, ou ainda, aprendiz, companheiro e mestre.
Na verdade, a Deusa Minerva, Ísis, Eva, a Virgem Maria, a Sofia dos gnósticos, a Palas Atena dos gregos, representam o mesmo arquétipo, existente em todas as tradições religiosas dos povos antigos. Ela é a “mãe” da humanidade, a deusa da maternidade. Sua função é sempre “parir” o princípio salvador do mundo. Na iconografia gnóstica ela aparece sempre segurando junto ao seio um feixe de trigo que simboliza o renascimento da vida. Essa simbologia está conectada com a palavra de passe Schibboleth, que é a palavra sagrada utilizada em um dos graus da Loja simbólica.
Shcibboleth, literalmente, significa espiga. A Bíblia, no Livro dos Juízes, conta á história da Jefté, líder dos israelitas, durante as guerras de conquista das terras palestinas. Numa luta contra a tribo de Efrain, os israelitas criaram uma palavra de passe para distinguir entre os efrainitas e os demais membros das tribos de Israel. Era uma palavra de difícil pronúncia, que os habitantes de Efraim não conseguiam falar corretamente. Por isso, toda vez que eles tentavam se infiltrar no território israelita eles eram descobertos porque não conseguiam pronunciá-la de maneira correta. Os israelitas perguntavam a eles: “Por acaso és tú Efrateu? Se não és, diz então Schibboleth”. E eles sempre diziam Sibolet, não conseguindo nunca pronunciá-la de maneira correta. Imediatamente presos, eram degolados na passagem do Jordão.”[3]      

A Câmara do grau
 
As cores branca, verde e vermelha, são também as cores da Maçonaria. Na Câmara do Grau são representados quinze signos que denotam as influências recebidas da Cavalaria, da Gnose, da tradição hebraica e da Alquimia, respectivamente, no desenvolvimento do ritual.
No norte identificamos uma fogueira, um lingote de ouro (símbolos alquímicos), uma coroa de espinhos, uma cruz (símbolos cristãos) e um globo, que é um símbolo universal. No meio dia temos a figura do Deus Mercúrio (ou Hermes), um braseiro aceso, uma tocha, um anjo sobre uma nuvem, a Arca da Aliança, ícones cuja influência não nos parece necessário apontar.
No Oriente uma lança e um braço armado com um punhal, um incensário com as Tábuas da Lei, um triângulo equilátero dourado são símbolos que por si sós já denotam sua origem e significado. A Câmara recebe o sugestivo título de terceiro céu, denotando claramente a influência das tradições gnósticas.
Talvez o grau 26 seja o que mais resume o cipoal de influências que constituem a prática maçônica moderna. Nesse grau estão integradas praticamente todas as fontes nas quais a filosofia da Fraternidade se alimenta. A Arca da Aliança e as Tábuas da Lei ― símbolos bíblicos ― evocam a necessidade de o homem ser fiel a Deus e que nada pode ser feito sem o seu concurso. O homem e a divindade estão indissoluvelmente ligados. A pedra filosofal dos alquimistas representa, ao mesmo tempo, a realização material do homem sobre a terra e a sua ascensão espiritual. Materialmente ela significa a descoberta dos segredos dos segredos, ou seja, a forma pela qual a natureza trabalha na produção de seus fenômenos; espiritualmente, essa descoberta o coloca num estado superior de consciência, no qual ele se comunica diretamente com a divindade.
Essa formulação também pode muito bem ser aplicada aos cultores da Gnose antiga e moderna, já que, para os adeptos dessa escola de pensamento, não há revelação divina, mas sim, descoberta intelectual, conhecimento adquirido, iluminação.
 
A Filosofia do grau
 
O Ritual diz que a finalidade do grau é o “o estudo da redenção social pela destruição do orgulho dos favorecidos pela fortuna, instruindo o povo nos princípios que o elevam, fazendo-se conhecer seus deveres, antes que seus direitos.”[4]
Esse discurso nos parece uma clara evocação ao pensamento iluminista, que reconhece na injustiça social a causa de todos os males da sociedade, mas também revela o caráter prussiano do grau, pois reflete uma visão um tanto aristocrática e preconceituosa de tratar a participação popular, fazendo o povo ver antes os seus deveres que seus direitos. Esse pensamento foi dominante na sociedade alemã que precedeu a primeira guerra mundial, fundamentada sobre o poder dos junkers. [5]
Os trabalhos do grau iniciam-se na hora da verdade, significando que, a partir daquele momento, o iniciado terá desvelado a grande verdade da vida iniciática, a verdade pela qual pugnam os corações sinceros, as almas puras, os idealistas amantes da justiça, da verdade e da virtude, os Dons Quixote do mundo, os modernos cavaleiros, os pedreiros morais que construirão o novo reino da Maat universal.
Os iniciados entram na Câmara com passos vacilantes e tortuosos, deslumbrados pela luz que provém do terceiro céu. Nesse simbolismo evoca-se a tradição gnóstica, extraída do Evangelho de São João: “E aqueles que estavam nas trevas foram ofuscados por uma intensa luz”. [6]
Eles são os homens que antes caminhavam nas trevas e agora, a exemplo do operador alquímico, ou do iniciado nos Mistérios egípcios ou gregos, são confrontados com a “Grande Luz” da Obra, ou a Luz de Rá, Princípio Criador de tudo que existe.
Em seguida, o iniciado começa sua jornada iniciática subindo os degraus que conduzem aos “três céus”, representados pela escada de três lances. Os “três céus” aqui representados são os três princípios da alquimia (enxofre, sal, mercúrio), os três princípios internos que moldam o caráter do homem (paixões, pensamentos, inteligência), as três ferramentas do maçom (esquadro, régua e compasso) e os três planetas mediadores do Zodíaco (marte, saturno e mercúrio).
E a ele são formuladas as perguntas.
 
– Que pensais das classes proletárias?
– Existem trabalhos vergonhosos?
– Porque as classes proletárias se consideram inferiores?
– O que fazer para reabilitá-las?
– Que opinião tendes do comércio?
– Que dizeis a respeito dos Grêmios, Corporações ou Confrarias que surgiram na época do Renascimento?
É o Irmão Experto que responde pelo candidato.
– O candidato deseja encontrar a "Pedra Filosofal”, (seguida da explicação de que a Pedra Filosofal é um símbolo que serve para transformar o pensamento).
– Onde se encontra a Pedra Filosofal ? –  pergunta o presidente?
– Encontra-se sob a bandeira tricolor oculta da vista dos profanos e somente a vê aquele que é capaz de compreendê-la em toda sua extensão – responde o Irmão Experto.
Então o guardião do Paladium toma o livro oculto dentro do pedestal que sustenta a estátua e lê: [7]
“Irmão, aprende a conhecer-te. Se te seduz aquilo que lisonjeia o teu orgulho ou satisfaz a tua cobiça, reconhece teu erro.”
“Queres possuir a Pedra Filosofal? Coloca, então, em uma balança o bem e o mal e verás que o peso das tuas inclinações defeituosas excede ao das tuas virtudes.”
 “Adota a firme resolução de evitar o mal e praticar o bem. Então poderás marchar sem temor, o caminho da vida. Encontrarás a paz da alma, filha da tua consciência pura, e possuirás a verdadeira Pedra Filosofal.”
“Com ela as misérias humanas não te poderão alcançar, porque viverás tranq6uilo no meio da adversidade e poderás gozar da recompensa que o porvir reserva a virtude.”[8]
Como se vê, no ensinamento deste grau há claras evocações a símbolos alquímicos, associados á idéias iluministas, e até uma curiosa referência a conceitos marxistas, presentes na preocupação de redenção das classes proletárias. Essas evocações, ao mesmo tempo, políticas, sociológicas e esotéricas, a nosso ver, foram uma imposição do momento político e social em que o grau estava sendo organizado.
 
Uma alusão ao socialismo
 
Quanto á referência ás classes proletárias, é bom lembrar que essa expressão só se tornou conhecida a partir dos trabalhos desenvolvidos por Karl Marx e seus seguidores. Proletários eram os trabalhadores mais humildes, cujo único bem era a sua prole.
Na sociedade medieval isso tinha certo valor, pois toda a economia se assentava sobre uma base agrária e nesse particular, uma família numerosa era importante. Porém, com o advento da urbanização e a revolução industrial que caracterizou o período moderno, a prole numerosa passou a ser considerada muito mais um motivo de perpetuação da pobreza do que de prosperidade.
Os processos de produção, ao serem mecanizados, marginalizaram o trabalho braçal. Daí o enorme número de desempregados que formava o “contingente de reserva”, no dizer de Marx, que provocava a queda nos níveis de salário, pela grande oferta de mão de obra.
O avanço das doutrinas socialistas, que pregavam a intervenção do Estado na organização da produção, eliminando as leis de mercado, teve nesse proletariado sua mais forte base de sustentação. A se julgar pela época em que o Rito Escocês foi desenvolvido, em seus graus filosóficos, é possível ver nesse fato o motivo pelo qual o grau 26 se preocupou com a reabilitação das classes proletárias. Vivia-se, nessa época, uma intensa agitação social, com os movimentos socialistas ganhando as ruas e forçando o atendimento de suas reivindicações.
O socialismo é uma corrente doutrinária de larga influência no pensamento econômico e sociológico. Apresenta duas faces distintas, mas igualmente importantes, que podem, a exemplo da prática maçônica, ser classificadas como socialismo operativo e socialismo especulativo. O socialismo especulativo é representado por uma plêiade de pensadores absolutamente originais que desenvolveram teorias muito interessantes a respeito da organização econômica, da vida pessoal e da sociedade como um todo. São os chamados socialistas utópicos, divulgadores do socialismo espiritualista. Nesse grupo podemos encontrar uma boa parte dos criadores de utopias, tais como Platão, com sua República, e Thomas Mórus com sua ilha paradisíaca.
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[1] Jean Palou, op citado, pg. 205.
[2] Já vimos que toda a tradição esotérica (e religiosa) repousa sobre o princípio trinitário. E a Maçonaria, ao estribar o fundamento do seu simbolismo nesse princípio trinitário também consagra essa idéia. Nesse sentido, o grau 26 é uma confirmação dessa tradição.
[3] Juízes, 12:1, a 6.
[4] Conforme o ritual.
[5] Os Junkers eram grandes proprietários de terras, “nobres”, por assim dizer, na sociedade prussiana anterior á Primeira Guerra Mundial. Constituía a elite governante na qual se apoiava o Kaiser, Imperador da Alemanha. Um dos mais famosos proprietários Junkers foi o Barão Oto Von de Bismark, unificador da Alemanha e fundador do Império Alemão.
[6] João, 7;12
[7] Paladium é a chama sagrada que simboliza a aquisição da civilização, Sobre o simbolismo do Paladium, veja-se o capítulo XV.
[8] Cf. o Ritual do grau.