A Lenda do Boitatá: a Cobra de Fogo

A palavra Boitatá tem origem na língua dos índios Tupi-guarani, e é fruto da junção de duas expressões: “boi” e “tatá”, que significam respectivamente “cobra” e “fogo”.

A Lenda do Boitatá é uma das mais antigas já registradas no Brasil. Desde o tempo do período colonial existem diversos relatos que falam dessa entidade mítica.

De acordo com a tradição cristã, todos os animais e seres que vivem hoje no nosso planeta são descendentes das espécies que entraram na Arca de Noé antes que o grande dilúvio destruísse tudo. O patriarca Noé levou mais de 100 anos para construir uma grande Arca de madeira, que serviu de abrigo para sua família, e também para um casal de cada animal selvagem que vivia naquela época.

Segundo a lenda, Noé não permitiu que o Boitatá entrasse na Arca, pois ele temia que a “Cobra de Fogo” pudesse queimar a embarcação, colocando em risco toda a tripulação e os animais que ela carregava.

No relato bíblico, as chuvas do Dilúvio caíram durante 40 dias e 40 noites seguidas, causando a morte de todas as pessoas e seres que não estavam abrigadas na Arca de Noé. Mas, o Boitatá se escondeu num buraco nas profundezas do subterrâneo e, assim, conseguiu escapar da grande inundação.

Em diversos lugares existem vestígios de grandes animais, muitos com aparência bem diferente daqueles que vivem hoje. Esses restos de animais e plantas de tempos históricos remotos que foram preservados nas rochas são conhecidos como fósseis. Para muitas pessoas esses fósseis são a prova de que a Terra passou por transformações radicais. Baseando-se nisso, alguns dizem que o Boitatá é um “fóssil vivo”, ou seja, ele é um ser primitivo bastante antigo que sobreviveu às grandes catástrofes naturais que o planeta passou ao longo de milhões de anos, enquanto muitos outros foram extintos, como é o caso dos Dinossauros.

Desde a época do Dilúvio, o Boitatá anda solto por aí. Tem gente que relata que o Boitatá possui uma aparência horrível, com uma cabeça enorme, cheia de olhos arregalados, que são quase cegos durante o dia, mas enxergam tudo na escuridão da noite. Outros falam do Boitatá como uma serpente gigantesca de um olho só, e com apenas duas presas na boca, sendo o dente da direita pontudo e venenoso e o dente da esquerda arredondado e inofensivo. Às vezes dizem que o Boitatá assume a forma de uma cobra de chifres e com olhos brilhantes. Tais relatos dizem que ele é bem parecido com a descrição de um “dragão”, mas com algumas diferenças: o Boitatá não tem assas, e diferente do dragão que cospe fogo pela boca o Boitatá tem o seu “corpo todo em chamas”.

As estórias de encontros com o Boitatá deixam claro que além de assumir variadas formas ele habita muitos lugares diferentes. Tem gente que diz ter visto essa “serpente flamejante” escondida no meio da floresta, alimentando-se de restos de animais mortos. Existem aqueles que tomaram um grande susto quando estavam caminhando na areia à beira mar e viram a Cobra de Fogo sair do meio das ondas para iluminar a noite escura com seus grandes olhos que brilham intensamente como faróis de luz. Outros narram que ele é como um facho cintilante de fogo que surge do fundo de rios e lagos para atacar pessoas que estejam acampadas nas proximidades da água.

Parte das narrativas do nosso folclore mostra que o Boitatá é um bicho perverso, uma espécie de espírito mal ou alma penada, e por causa dessa essência maligna ele seria responsável por muita coisa negativa. Dizem que o Boitatá ataca grupos de escoteiros ou quaisquer pessoas que estejam passeando ou acampadas na beira dos rios. Poucas pessoas conseguem sobreviver aos ataques dele, e os que fogem acabam enlouquecendo ou ficam cegos com as chamas que saem da grande serpente. Muitos justificam que o Boitatá é o responsável pelos incêndios florestais. Contam que ele se transforma num puxado de tições ou num tronco em brasas que dá origem as queimadas na floresta.

Por outro lado, existem vários relatos que apresentam o Boitatá como um ser bom. Nessa visão, o Boitatá é uma entidade protetora da floresta contra os incêndios. Os que compartilham essa opinião, contam que ele só ataca aqueles que não têm princípios ecológicos. Dizem que o Boitatá detesta o cheiro de fumaça e não aceita nenhum tipo de fogo nas matas. Para ele, a única coisa que pode estar flamejante no meio da floresta é o seu corpo, o que justifica o seu ataque a qualquer pessoa suspeita que ele encontre pelo caminho. Para evitar uma tragédia os mais velhos aconselham que quando alguém está fazendo uma caminhada por uma trilha na mata e dá de cara com o Boitatá é preciso ficar parado, em total silencio, respirando lentamente e de olhos bem fechados. Se a pessoa tenta fugir da cobra isso pode trazer grandes riscos porque o ente pode imaginar que é a fuga de alguém que ateou fogo nas matas e começar a perseguição. Se a pessoa permanece imóvel, o Boitatá vai embora sem provocar nenhum ataque.

É do conhecimento geral que muitas ações e atitudes irresponsáveis do homem podem causar queimadas. Tem gente que deixa o acampamento em más condições, e nem se preocupam com a fogueira que fizeram para preparar a comida. Basta um simples descuido e o incêndio pode se espalhar pela mata. Há também aqueles produtores rurais que usam sem cuidados o fogo para renovar as pastagens ou para limpar áreas para cultivo. Essa prática antiga é bastante perigosa, pois caso o fogo saia de controle as chamas podem se espalhar rapidamente, causando enormes prejuízos às propriedades vizinhas e ao meio ambiente. Outra razão constante de incêndios florestais vem de motoristas que jogam o toco do cigarro pela janela quando estão trafegando pelas rodovias e estradas rurais. Um pequeno toco de cigarro pode causar uma enorme destruição ambiental. São esses tipos de situações tristes ocasionadas por pessoas que desrespeitam a natureza que irritam o Boitatá, levando essa serpente incandescente a atacar.

Um dos piores defeitos do ser humano é não aceitar seus erros e culpas. Tem muita gente que joga a responsabilidade de seus atos em outras pessoas e até mesmo em algumas entidades do nosso folclore. Muita gente acha mais fácil jogar a culpa dos incêndios florestais no Boitatá, o que pode ser entendido como uma forma sutil para esconder o verdadeiro responsável por esses danos à natureza.

Acredito que tem maior valor a versão positiva sobre essa cobra mítica. Da mesma forma que o Curupira protege os animais selvagens contra os caçadores e o Negro D’água protege os rios e lagos de pescadores ilegais, o Boitatá é um protetor dos campos e florestas dos incêndios.

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Publicado no Jornal Mesa de Bar News, edição n. 508 p. 15, de 20/02/2014. Gurupi - Estado do Tocantins.

Giovanni Salera Júnior

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Giovanni Salera Júnior
Enviado por Giovanni Salera Júnior em 15/08/2013
Reeditado em 27/02/2014
Código do texto: T4435987
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