SONHO E REALIDADE

“Parece-me que o andamento das relações humanas hoje é célere, daí ser possível compreender os fáceis descartes, os “ficantes” não mais “atrás da igreja”, mas na cama de sua própria casa, a camisinha ao lado do leito familiar; a merenda comida antes do recreio... Tudo agora é "pra ontem" e o poema (que é obra tão humana quanto um filho nascituro) também nasce em geração curtíssima quanto ao tempo de formação dos detalhes desde o embrião. Percebe-se que o parto é sempre “de cesariana”... Também porque a maleta da fama (da janela global) está aberta ao mundo, numa territorialidade imensa, quase inacreditável. E a imagem é difusa, inespecífica, porque vista à distância, com pouca definição vis-à-vis... A publicação imagética pela net, há cerca de três décadas, tem o mundo por homenagem. E num imediatismo impressionante. Todavia, nem sempre ornada com a beleza que o espécime desejaria. Escorrega-se na imperfeição... E se a tolera sem imprecações, nas interlocuções, com o aporte do Novo em cada fresta de sensibilidade e gosto. Estaríamos em tempos de l’art nouveaux? Ou da humanidade surreal?”. Joaquim Moncks, in VIDA ATUAL, ARTE SURREAL?

– Do livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.

http://www.recantodasletras.com.br/pensamentos/4414104

– Marilú Duarte, por e-mail, em 02/08/2013:

Alguns estudiosos atribuem como causa da celeridade e frivolidade nas inter-relações no mundo moderno a ambiguidade com que essas mudanças se apresentam. Somos abordados por múltiplas inovações, mas ao mesmo tempo contraditórias. A modernidade se apresenta carregada de paradoxos, onde a fome, a miséria e a violência contrastam com os avanços tecnológicos. Há um constante confronto entre os parâmetros antigos e os novos. O homem tem mais pressa de viver, havendo uma tendência ao abstracionismo, e certa indiferença em relação aos desejos e fantasias do “self”. As relações afetivas são muito mais líquidas, e se necessário for, podem ser negociadas, e aí surgem engodos, falcatruas, e a compra e venda de facilidades sem a menor ética. Por outro lado, nas relações objetais (referem-se às relações emocionais entre sujeito e objeto amado), as figuras parentais também passam a ser cordatas, como se aceitassem tudo pacificamente, porque precisem “atualizar-se”, desconsiderando seus conceitos e valores assimilados durante tantos anos. Há uma necessidade irreverente de serem modernos e inovadores, mesmo que venham a sofrer inúmeras perdas. O núcleo relacional baqueia: começa a enfraquecer, perde parâmetros e limites, e o vazio existencial quando se instala, não vem sozinho. As patologias se multiplicam diante da insegurança e do medo que o mundo moderno produz. As crianças sem saber escrever ou pensar com precisão, já pilotam seus computadores acessando os mais diversos jogos que na maioria das vezes instigam à competição e à agressividade. Quase todas possuem o notebook, o tablet e o celular, passando inúmeras horas conectadas ao mundo virtual, distanciadas do real, ligadas a uma ficção a que chamamos “rede social” e onde as informações ao mesmo tempo em que são rápidas, também podem ser imprecisas e, em inúmeras vezes, falsas. Teria a sociedade atual aderido ao ‘surreal concreto’? Há na modernidade um vazio existencial e uma sensação de aprisionamento. A máquina absorvendo o homem, tolhendo a sua liberdade, espontaneidade e criatividade. Freud identificava o inconsciente ao “maravilhoso”, a via através da qual o homem alcançaria o seu ideal de liberdade. E onde está a liberdade no mundo moderno? Multiplicam-se os alarmes, as grades nas residências e as restrições ao livre andar. O termo surrealismo de André Breton, baseava-se na ideia de "estado de fantasia supranaturalista", e traz um sentido de afastamento da realidade comum que o movimento surrealista celebra desde o primeiro manifesto, em 1924. A permissividade total mostra-se culturalmente tão assustadora quanto uma cruel limitação: “poder tudo” é tão torturante quanto “nada poder”. Há sem dúvidas um desencanto na Cultura, como se esta estivesse perdendo o horizonte, deixando uma sensação de incerteza, relatividade e caos. Nada é exato, tudo é discutível, ganha quem tiver maior poder de fogo ou de barganha. Resolver a contradição entre o sonho e a realidade poderá levar-nos a uma realidade absoluta, quiçá mais humana e menos robotizada... Marilú.

– Do livro O IMORTAL ALÉM DA PALAVRA. Joaquim Moncks / Marilú Duarte, 2013.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/4425970