HEIDEGGER, Martin - Filósofos Modernos e Contemporâneos
HEIDEGGER, MARTIN
1889 – 1976
HEIDEGGER foi um dos filósofos mais importantes do século XX. Sua tentativa de analisar o que significa ser humano, ou existir como humano, e sua diferenciação entre “Vida Autêntica” ou “Vida Inautêntica” inspirou filósofos como SARTRE, GADAMER, LEVINAS e contribuiu grandemente para o surgimento do “Existencialismo”.
O que é o “Ser humano”?
Uma anedota conta que alguns discípulos de PLATÃO definiram o “Ser humano” como um “bípede sem plumas”. E essa definição vigorou até o dia em que DIÓGENES, “o Cínico”, compareceu a uma das reuniões com uma galinha depenada e jocosamente declarou: eis um Ser humano! Os discípulos, então, declararam que o Ser humano “era um bípede sem plumas, mas de unhas largas...”.
A anedota retrata, talvez com certo exagero, o quão tacanho e medíocre sempre foi o tratamento que a Filosofia tradicional deu ao tema. Não se sabe se por desdém, ou se pelas imensas dificuldades que os filósofos amiúde encontraram para dar uma definição geral sobre o que seria, efetivamente, um Ser Humano. Ou, como seria “existir” enquanto homem.
E foi justamente a análise sobre o homem o que mais interessou a HEIDEGGER; e a resposta que ele deu à pergunta diferiu completamente daquelas exaradas por seus antecessores.
Não tentou dar uma definição abstrata, oriunda de um estudo sobre o “existir humano” a partir de uma visão externa, ou do “outro”.
Ao contrário, ele propôs uma análise mais concreta e objetiva que partisse de uma visão interior, de uma perspectiva interna. Em suas palavras: “já que o homem existe entre as outras coisas, entre os outros objetos, entre os outros Seres, para se entender o que é ser humano (ou seja, existir como humano) será necessário estudar a vida humana a partir do interior da mesma, pois seria vã qualquer tentativa de buscar essa resposta através de um questionamento externo que pudesse ser contaminado pelos outros Seres, pelas outras coisas”.
E para fazer tal estudo, HEIDEGGER utilizou o Método Fenomenológico de seu mestre HUSSERL, que como se sabe, investiga os Fenômenos* a partir da experiência, ou do relacionamento que o indivíduo tenha com os mesmos.
Dessa forma, ele estudou o homem em si, sem atentar para o conjunto de fatos e circunstâncias que lhe cercam. Apenas o indivíduo existente lhe interessava e não as suas questões históricas, políticas, materiais, sociais, filosóficas, religiosas etc.
Apenas o sujeito, como “fenômeno” foi o seu objeto de análise.
Afinal, para ele, a questão fundamental da Filosofia é precisamente essa busca pelo “Ser enquanto Ser”, sem adjetivações de qualquer natureza.
NOTA do AUTOR – Fenômenos* - as Coisas, os Seres, os Fatos etc. que são percebidos, ou captados pelo homem, através de seus cinco Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato).
A Ontologia
Devido ao seu interesse pela “existência em si”, HEIDEGGER voltou-se para o ramo da Filosofia chamado de ONTOLOGIA (do grego Onto = ser, existir + logia= estudo) que investiga as questões mais profundas sobre a Existência ou sobre o Ser.
Assim sendo, às perguntas tradicionais que a Ontologia tenta responder (como, por exemplo, “o que significa dizer que algo existe?”, ou “quais são os diferentes tipos de coisas que existem?”) ele acrescentou mais uma: “como é ser (um ente, um vivente) humano?”.
Ao propor essa questão, ele tinha a expectativa de que através dela fosse possível esclarecer as indagações mais profundas sobre a existência do homem, e/ou sobre a existência em geral.
Ser e Tempo
Em sua obra mais conhecida, SER E TEMPO, de 1927, ele argumenta que as indagações ontológicas que outros pensadores fizeram, foram excessivamente abstratas, superficiais e, por isso, inúteis, já que se quisermos saber efetivamente o que significa dizer que “algo” existe, será necessário que se examine a questão a partir do ponto de vista daquele “algo”.
E como se pode presumir que cães e cogumelos existem, mas não se questionam acerca de sua existência, é preciso partir para o único “Ser” que faz tal questionamento: o Ser humano.
Estudar os homens e, depois, graças aos conhecimentos então adquiridos, investigar o significado de “Ser” em sentido amplo e geral.
Nessa obra, HEIDEGGER também coloca outras questões relativas ao tema que são da máxima importância:
1. Qual seria a razão de ser?
2. Qual seria a lógica, o cabimento, o objetivo de se existir?
3. Por que e para que se existe, ou se é?
Quando colocou essas questões, HEIDEGGER não pensava em abstrações religiosas, mitológicas, ou equivalentes.
Não lhe importava respostas do tipo: “existo por que Deus quer... porque o Ser humano é quem dirige o Mundo... existo nesse Mundo para desenvolver meu espírito... e outras de igual teor”.
Não, o que ele buscava eram respostas diretas, imediatas, sérias e profundas. E para consegui-las ele apoiou-se no esplêndido ideário de BÉRGSON e aceitou que o “sentido de Existir”, ou de “ser um humano” deve estar associado ao Tempo, donde passou a concluir que o homem é essencialmente um “Ser Temporal”.
NOTA do AUTOR – sobre Bérgson recomendamos a leitura do capitulo referente ao mesmo nessa obra. O fato do homem “ser temporal” explica o título da obra aqui citada, “Ser e Tempo”.
Quando nasce, ele ingressa num “Tempo (num Mundo)”, como se nele fosse jogado aleatoriamente. Jogado em uma trajetória que não escolhe.
Com o Tempo, o homem descobre que veio a existir num Mundo que já existia antes dele e que provavelmente continuará existindo depois dele.
E que ao nascer foi inserido involuntariamente num ambiente singular, particular; em uma história familiar e social que podia ou não lhe agradar. E que, mesmo assim, ele teve que se ajustar às circunstâncias sob a pena de se tornar um proscrito, ou de nem sobreviver fisicamente.
Descobre mais adiante, que é um “Ser” inacabado e que a sua Essência atrela-se ao seu próprio existir; ou seja, se ele não existisse, não teria Essência alguma.
E descobre ainda que a sua existência aconteceu por acaso, que é meramente contingente e que não é necessária para o mundo, para o cosmos ou para a vida.
O Dasein
E por fim, descobre que esse conjunto de fatos, remete-o à situação que HEIDEGGER chamou de DASEIN, cuja tradução é precisamente “estar (por mero acaso) no Mundo”. “Estar aí”.
E o fato de “estar ai” é uma situação que o homem comum intui viver e, por isso, sente-se “abandonado” no Mundo para cumprir uma existência que é antes de tudo um “vir a ser”.
Nada lhe é seguro, definitivo, mas tudo pode lhe suceder. Destarte, a sua existência é um continuo projetar-se. Buscar no porvir o Sentido da vida e a felicidade que teima imaginar que exista.
A angústia existencial. A Morte. O Nada.
Mas como essa busca é apenas uma Possibilidade que pode, ou não, se concretizar, sobrevém-lhe a Angústia de estar em contínuo estado de carência ou de temor indeterminado.
Angustia-se por compreender a precariedade da condição humana, da sua condição, enquanto humano.
E para suportar essa angústia ele tenta desesperadamente dar um sentido, ou um significado, ao Mundo e à sua própria existência, envolvendo-se em várias atividades (como, por exemplo, escrever ou ler um Ensaio de Filosofia sobre Heidegger, construir uma casa, jogar baralho, fazer sexo etc.) que consomem tempo.
Com elas, deixa de pensar em sua triste condição e projeta-se para diferentes futuros. Força-se a crer que as suas obras dão um rumo, um significado, uma importância ao seu existir.
Porém, as suas atribuições só têm alguma importância devido às convenções sociais. Tudo que ele consegue fazer é irrelevante para a vida em si.
São apenas os jogos sociais que oferecem a ilusão coletiva de que se é agente da vida e no mundo.
Contudo, alguns homens tomam consciência da vacuidade das citadas convenções e dos jogos sociais. Que há um limite para seus projetos futuros. Que em algum ponto, tudo que planejou, ou fez, chegará ao fim.
E que esse ponto é a Morte, a qual, de todas as possibilidades que se ofereceram, é a única que certamente lhe ocorrerá.
Horrorizado, ou resignado, ele vê, então, que não é apenas um ente, um individuo que “está aí por acaso”.
Mas que é, também, um sujeito, um ente que está no Mundo para o “Nada”, já que, conforme prega o Método Fenomenológico, nada existe após a morte, pois nunca se teve qualquer confirmação de que há uma pós-vida quando morre o corpo físico.
Logo, “Ser para a Morte (estar destinado à morte)” é o mesmo que “Ser para o Nada”.
E a Morte, segundo HEIDEGGER, é o horizonte mais distante do Ser, do Existir do homem.
Tudo o que ele pode pensar, pode fazer ou pretender cabe apenas nesse seu horizonte limitado.
Assim, à angústia que o Ser humano já sentia pela falta de um sentido compreensível para o ato de existir e pelo fato de se saber contingente (ou descartável) se junta, então, essa outra agonia. A angústia de saber que caminha inexoravelmente para o Nada.
A vida autêntica e a vida inautêntica.
A HEIDEGGER se deve a cunhagem das expressões “Vida Inautêntica” e “Vida Autêntica”.
No primeiro caso, trata-se daquela vida que se leva trabalhando, estudando, divertindo-se, juntando dinheiro etc. para se esquecer da falta de Sentido de tudo isso. Para se abstrair da própria desimportância e da condenação inexorável de que se caminha para a morte, para o Nada.
Essa abstração, essa ilusão, desestimula o autoextermínio, o suicídio, mas também rouba do homem outra dimensão para o ato de existir que poderia lhe ser mais recompensadora e profunda.
Mas, normalmente essa outra dimensão é auferida apenas quando um choque traumático, seja físico ou emocional, faz com que o Ser humano tenha que se defrontar com a real inutilidade dos valores que tinha prezado até então.
Alguns, diante disso, mudam hábitos, padrões, valores etc. na tentativa de dar, agora sim, um Sentido real à sua Existência e passam a viver aquilo que o Filósofo chamou de “Vida Autêntica”,
A maioria, porém, cede ao Niilismo, à Ataraxia ou aos entorpecentes químicos, ou emocionais, ou religiosos, ou financeiros etc. e prossegue em sua senda anterior.
A complexidade de HEIDEGGER
HEIDEGGER sempre foi considerado um escritor e filósofo de difícil leitura por conta de seu vocabulário semi-incomprensível, o que é um fato.
O problema, segundo alguns eruditos é que ele explora questões filosóficas complexas usando um vocabulário estritamente concreto, inflexível, não abstrato.
Com isso, supõe-se que ele desejava criar uma relação objetiva com seus leitores. Totalmente desvinculada de qualquer traço de afetividade.
Dizer, por exemplo, que “o horizonte mais afastado do nosso Ser é a morte”, pode soar como algo indecifrável para o leitor comum; e cruel para aqueles que conseguem captar a sua referência à inexorabilidade da morte como um trágico fim para a nossa desimportância.
Em suas obras posteriores, ante as criticas, ele usou outra forma de se expressar, apelando para uma espécie de “linguagem poética”, haja vista ter reconhecido que a severidade textual não pode refletir o espírito humano, que é, ao cabo, a morada de toda filosofia.
Outra critica costumeira que se faz a ele provém de seu envolvimento de poucos meses com o Partido Nazista, com o qual ele colaborou para expulsar alguns professores da Universidade de Freiburg, enquanto era o seu reitor.
E também pelo fato de que as suas argumentações filosóficas aproximam-se – talvez em demasia – do antigo Ceticismo e do sempre presente Materialismo, sem acrescentar nada original à disciplina.
Todavia, apesar dessas objeções, é mister que se reconheça seus esforços para trazer o homem para o centro da ribalta filosófica e se fosse apenas por isso, já se teria justificado a celebridade de que ele desfruta ainda hoje.