HABERMAS, Jurgen - Filósofos Modernos e Contemporâneos
HABERMAS, JURGEN
1929
A “Esfera Pública” e a “Razão Comunicativa”
Considerado um dos maiores pensadores vivos, o filósofo alemão trouxe para a arena da Filosofia um tema que raras vezes foi estudado com tanta profundidade: a necessidade imperiosa do grupo social questionar, transformar ou repudiar as tradições perniciosas que atrapalham o progresso de seus membros.
HABERMAS afirma que a sociedade moderna necessita não só de avanços tecnológicos, mas também precisa de maior capacidade de criticar (estudar minuciosamente e fazer as devidas censuras) e de (re) pensar as suas tradições, hábitos, costumes e valores. E para que isso aconteça, dois aspectos são fundamentais: o exercício da Racionalidade e o intercâmbio de ideias entre os indivíduos reunidos nas chamadas “Esferas Públicas”.
O problema, segundo a sua ótica, é que tanto a “Racionalidade Crítica” quanto as “Esferas Públicas” estão sendo extintas, conforme se comentará no decorrer do presente Ensaio.
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A Razão Comunicativa
Continuamente pedimos justificativas sobre os atos e as falas do outro, fazendo uma critica, ou uma investigação detalhada sobre o seu comportamento físico, material. Raríssimas vezes, o nosso interesse avança para além da matéria, das questões do dia-a-dia. Quase nunca nos reportamos às suas motivações mais profundas; mais afeitas à sua essência metafísica, à sua alma. Não se busca encontrar “verdades abstratas, metafísicas, espirituais etc.”. Quer-se apenas sondar a justificativa para a ação material que o Outro (indivíduo, sujeito) praticou, ou falou, ou escreveu. E assim fazemos em relação a terceiros, porque nós mesmos sentimos uma necessidade imperiosa de justificarmos as nossas ações e as nossas falas.
A essa comportamento característico do homem comum moderno, HABERMAS deu o nome de “Razão Comunicativa”.
O Predomínio da Matéria.
Para HABERMAS, as tradições da sociedade, enquanto valores morais, abstratos, espirituais, como se viu, não são prioritários para os indivíduos, pois vivemos sob o predomínio da Matéria, desprezando as outras dimensões da vida. E é por isso que a Sociedade necessita imperiosamente questionar constantemente as suas “Tradições” e descartá-las sem a menor hesitação, para alcançar os objetivos materiais, concretos que foram visados e são efetivamente desejados.
Assim, ao juntar-se o desinteresse pelas tradições, com a objetividade fria e lógica da Razão Comunicativa passa-se a ter o primeiro trunfo efetivo que permite projetar as melhorias requeridas.
As Esferas Públicas
Porém, para que essa junção aconteça é preciso que haja uma infraestrutura mínima; um local específico onde às pessoas possam se reunir.
Serão imprescindíveis, portanto, as chamadas “Esferas Públicas”, cuja gênese ocorreu em princípios do chamado “Século das Luzes”.
A Cultura Representativa
Até o final do século XVII a cultura europeia era o que se poderia chamar de Representativa. Isto é, as Classes Dominantes buscavam representar a si mesmas, perante seus súditos, com grandes demonstrações de seu poderio.
Ostentações que ocorriam sem a necessidade de qualquer justificativa em função do Regime Absolutista e do “Direito Divino” que vigoravam e dispensavam qualquer limitação.
NOTA do AUTOR – o “Direito Divino”, como se sabe, consistia na crença de que Deus escolhia (sic) certa família (ou dinastia), ou certo indivíduo para governar os demais. Assim, o escolhido, por ter esse aval divino, podia fazer o que bem entendesse sem prestar contas de seus atos. Afinal ele era um Instrumento (sic) do Governante de todas as coisas (sic).
Os súditos, geralmente rudes camponeses analfabetos, acreditavam piamente nas fantasias religiosas (Céu, Inferno, Perdão, Castigo, Milagres e quejandos) e se contentavam em maravilhar-se diante das grandezas e opulências de seus Senhores. Diante dos grandes castelos, enormes retratos, bailes luxuosos, grandes esculturas e outras formas de Arte que compunham o cenário da época.
O Iluminismo
Contudo, no século XVIII surgiram vários espaços abertos, ou acessíveis ao público, como os bares, os cafés, os saraus literários etc. onde os indivíduos se reuniam, ao arrepio do controle governamental, para debaterem os mais diversos assuntos.
E a abertura desses Espaços Públicos deu oportunidade para que se começasse a questionar a autoridade e a legitimidade do Governo, do Estado e, por consequência, de sua elitista “Cultura Representativa”.
Ademais, na “Esfera Pública”, abria-se espaço para que se colocassem os interesses comuns de todos os cidadãos. Interesses que nem sempre o Governo supria, tanto por inabilidade, quanto por politicagem rasteira.
A “Esfera Pública” tornou-se, então, uma “ponte” entre o que se discutia privadamente no recesso do lar, ou das amizades mais íntimas com as discussões para públicos maiores, servindo como “caixa de ressonância” para a população.
E foi assim que a sua expansão ocasionou o nascimento e o fortalecimento das instituições políticas democráticas, dos tribunais independentes e das leis de proteção aos “Direitos Humanos”.
NOTA do AUTOR - processo que convenceu HABERMAS de que fatos importantíssimos só foram possíveis, como por exemplo, a “Revolução Francesa de 1789”, graças à ligação entre a “Esfera Pública” e a “Razão Comunicativa”.
Contudo, como se disse no início, na atualidade esses freios contras as arbitrariedades governamentais, contra os abusos e contra os excessos das autoridades estão ameaçados, justamente pelo fim, ou pela diminuição, das “Esferas Públicas”.
Ameaçados pelo fim dos saudáveis embates e debates que existiam regularmente nas mesmas e que estão sendo substituídas progressivamente pelo isolamento causado pelo uso da televisão e mais recentemente da internet, onde todos os supostos debates são fúteis e inócuos, pois sem a presença física do oponente, cada qual se aferra à sua posição, sem ter a oportunidade de ouvir, concordar ou discordar do contraditório.
Os outros canais que poderiam propiciar saudáveis discussões entraram em vertiginoso processo de autodesmanche de sua credibilidade, como se pode ver na sequência.
Os jornais, por exemplo, poderiam oferecer espaços para debates eficientes e instrutivos, porém, esmagados pela lógica do Capitalismo, capitulam e partem em busca do lucro a qualquer preço, chegando ao ponto de se especializarem em “Colunas Sociais”, ou sobre “Celebridades”, além de outras tantas futilidades.
E se isso acontece no suposto “crème de la crème” da imprensa, não é difícil imaginar o que ocorre com o Rádio e a Televisão, onde o tempo e o espaço que deveriam ser entregues à verdadeira Cultura, são usados para a produção e divulgação de entretenimentos de baixíssimo nível que só ajudam a imbecializar ainda mais, o já ignorante populacho.
A imprensa eletrônica (o Radio e a Televisão) é uma concessão que o Estado faz para alguns indivíduos ou grupos, que formalmente se comprometem a promover Educação, Saúde, Lazer e Cultura de boa qualidade, mas o resultado desse logro é o que se assiste diariamente e dispensa maiores comentários.
Assim como dispensa maiores comentários, o motivo de o Estado não cassar tais concessões: governantes corruptos e empresários corruptores associam-se em criminoso conluio que lhes rendem altos lucros e grandes poderes.
E ambos lucram de duas formas: a primeira, pelo roubo simples e direto do erário público. A segunda, através da cretinização do eleitorado que sem poder intelectual de critica e análise os reconduz aos Postos e Cargos de onde ofertam as migalhas que julgam oportunas.
Sendo assim, segundo HABERMAS, de “agentes críticos e racionais, somos transformados em meros consumidores irracionais”.
É uma análise sombria a que faz HABERMAS. E o mais perturbador é que ele tem absoluta razão.
Resta apenas que as pessoas que possuírem algum capital intelectual sigam a sua senda e não deixem de buscar conscientizar ao máximo possível todos aqueles que são atingidos por essa vaga obscurantista.
HABERMAS desenvolve um importante trabalho como conferencista nas mais diversas “Esferas Públicas” de todo o Mundo, alertando sobre os riscos dessa iminente mediocrização total das novas gerações. Bem como sobre o tremendo risco de proliferação do terrorismo, tanto o estatal, quanto aquele cometido por grupos de indivíduos que se julgam possuidores de alguma “Causa”.
Uma luta árdua e difícil, sem dúvidas. Mas a importância das mesmas o faz ser merecedor das loas que lhes são prestadas.
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