Sobre o Ensino de Filosofia
"Podem-se, portanto, distinguir duas formas fundamentais de educação:
1° — a que simplesmente se propõe transmitir as técnicas de trabalho e de comportamento que já estão em poder do grupo social e garantir sua relativa imutabilidade;
2° — a que, através da transmissão de técnicas já em poder da sociedade, se propõe a formar nos indivíduos a capacidade de corrigir e aperfeiçoar essas mesmas técnicas.”
(Dicionário de Filosofia, N.Abbagnano, pag 306)
O que é notável na historia do mundo é sempre uma situação opressora e outra oprimida. Aqueles que tentam mudar a situação em que se encontram, mesmo que seja apenas para inverter os pólos, se não iniciou uma revolução, começou a mexer na educação. Não pretendo aqui debater o decorrer da história, mas me ater ao tema da educação.
Os pensadores gregos são tomados como marco inaugural do pensamento ocidental. A filosofia da trinca Sócrates, Platão e Aristóteles tem a importância de já ter tratado temas perenes. Entre esses temas imortais encontra-se a educação. Cada época teve grandes pensadores debatendo sobre a educação, reflexões sobre o ensino sempre estiveram de certa forma presente. Talvez o primeiro a tematizar a educação tenha sido Platão, que no seu modelo de estado ideal, expôs que para a cidade e as leis se consolidarem, precisava-se antes de tudo cuidar da educação, portanto é formando os jovens que se forma a cidade.
Como cada época teve pensadores diferentes debatendo sobre um tema tão complexo e de fundamental importância para a vida humana, era de se esperar que surgissem varias indagações sobre “Como fazer?” e “O que fazer?”, dai surgem contradições, noções do que é certo e o que é errado, ética, e infindáveis conceitos. Podemos fazer certas afirmações pelo distanciamento histórico em que nos encontramos.
Estudamos história para entender porque o mundo é o que é hoje e a partir disso torná-lo um lugar melhor para se viver, ou seja, estudamos contextos históricos para poder fazer uma história diferente. Porem, não conseguimos nos situar em nosso próprio contexto histórico, em nosso momento, que é dinâmico, e que por estar em constante mudança, nunca será plenamente compreendido.
A filosofia, antes de ser uma educação para os outros é uma educação de si mesmo. Ela surge das indagações do ser humano, no momento em que ele toma consciência de que existe e que faz parte de um mundo, de uma cultura, de uma sociedade. Ele pensa o mundo e o mundo volta problematizado. Essa problematização surge também das questões metafísicas e dogmáticas de cada um, são indagações que nascem espontaneamente, naturalmente, e são comuns a qualquer ser humano.
Sendo assim, a filosofia é antes de tudo um processo de autoconhecimento, de entender o seu lugar no mundo e o que fazer com a sua existência. O que fazer quando você descobre que faz parte de um todo, que você é apenas uma engrenagem de uma maquina tão extensa e complexa?
Essa visão de totalidade não é plenamente compreendida, muitos passam a vida sem se dar conta disso. Parece que um dos grandes defeitos do ser humano é separar tudo, e isso reflete na educação, pode-se perceber que até hoje estudamos as matérias fundamentais para a formação cognitiva, ética e moral de forma dicotomizada e muitas vezes sem nunca se fazer uma articulação interdisciplinar.
"Vocês sabem que a tendência dominante do ensino e de nossas tradições de pensamento, sobretudo sob a influência do desenvolvimento das ciências, é de privilegiar os conhecimentos das partes e até mesmo de pensar que é somente pelo conhecimento das partes que chegaremos ao conhecimento do todo."
(Edgar Morin, Editora Perspectiva, pag 88)
O que acontece é que poucos se prepõem a tratar a educação como um todo, cada um desenvolve teorias baseadas em aspectos isolados, como o comportamento humano, densidade demográfica, aspectos geográficos, a política vigente, e muitos que se propuseram a estudar soluções para a educação, definiram padrões, sem levar em conta que esses padrões podem ser refutados por uma teoria nova. Nenhuma das soluções pode ser definitiva ou se prender a dogmas. Por estes motivos, não se pode tratar de educação pensando só no memento, tem que se pensar num todo.
"Nenhuma teoria esta em concordância com todos os fatos de seu domínio, circunstância nem sempre imputável à teoria. Os fatos se prendem a ideologias mais antigas, e um conflito entre fatos e teoria pode ser uma evidência de progresso." (P.Feyerabend, Contra o Método, pag 77)
O trabalho de um educador é sempre renovar, e isso é impossível se ele desconhece as diversas teorias existentes, se ele se prende a determinada corrente de pensamento de forma radical. Como Feyerabend afirma, contrapor fatos a teorias pode ser uma evidência de progresso. Pra isso estudamos a história e o desenrolar dos fatos e feitos, para tentar entender para onde o mundo caminha e se ele caminha na direção do que pensamos ser certo. “Qualquer idéia, embora antiga e absurda, é capaz de aperfeiçoar nosso conhecimento. A ciência absorve toda a história do pensamento e a utiliza para o aprimoramento de cada teoria.” (P. Feyerabend, Contra o Método, pag.65)
O Educador não pode se prender a dogmas ou preferências, e se ele as tem, deve deixá-las para fora no momento em que entra na sala de aula. A ética, a política, a religião, devem ser debatidas com certo distanciamento e criticidade. Eis ai, um dos grandes desafios de um professor. Como fazer isso sem ofender ou interferir as noções prévias que os alunos trazem de fora?
O trabalho do professor é desestruturar os dogmas dos alunos, e atentar para não fazer isso de forma agressiva. Primeiro você separa, desarticula e tenta uma reestruturação do pensamento para ver se ele se sustenta. Você separa Estado, leis, política, sociedade, ciência, religião, estuda-os afastados e mostra depois como estão interligados e quais são suas contradições, contribuindo assim para a formação de um pensamento novo.
O ensino de filosofia no Brasil ainda é uma exposição de conceitos, mas um professor pode apontar caminhos para incitar o aluno a refletir. No momento em que colocamos os conceitos para os estudantes, colocamos eles próprios em um movimento de fazer filosofia. Logo o papel do professor de filosofia é ensinar a pensar.
Ele faz isso mostrando, que os diferentes conceitos não são coisas prontas e acabadas, dialogando com os alunos. Então, é possível o aluno aprender a filosofar, mas esse aprender é uma coisa particular de cada estudante e do que é passado pelo professor. Iremos passar os conceitos e as situações que levaram cada pensador a se preocupar e tratar de tais problemas, mas cada aluno vai se relacionar com os conceitos de uma forma subjetiva, através de suas experiências, dos próprios pensamentos e problemas. Ensinar filosofia é levar o aluno a construir uma relação própria com o que é ensinado, com aquilo que é mediado pelo professor.
O professor deve mostrar para o aluno que filosofar não é só tarefa dos grandes pensadores, porque em síntese, filosofia é quando paramos para pensar sobre aquilo que ainda não refletimos, no fim das contas foi o que os grandes pensadores fizeram. Para filosofar não é preciso dominar uma técnica, filosofia nasceu sem técnica, sem método. Método nada mais é do que um caminho estruturado para o pensamento, cada um pensa de um jeito, cada um estrutura seu pensamento de um jeito, cada um tem seu método de analise, de raciocínio, cada pessoa cria padrões para se guiar, para se livrar de problemas, para o conforto. Logo a imposição de um método é algo que restringe o livre pensar. A filosofia não precisa de técnica, ela é natural do ser humano, não precisa de receitas prontas para se discutir as verdades, não é algo puramente intelectual.
Por traçarmos padrões próprios para a nossa conduta, o dia a dia na escola tende a ser muito mecânico, talvez pela herança do tecnicismo, ainda está arraigado em nós a idéia de que estudar é decorar. Os alunos acabam decorando e fazendo o que o professor pede, muitas vezes sem se dar conta de que eles mesmos podem construir conhecimento.
Uma forma de se fazer filosofia é sempre tentar articular-se com outras áreas do saber. A filosofia sempre teve relação com os outros saberes, com a antropologia, com a história, com a ciência, essa articulação se deve pelo fato de que a filosofia não tem um objeto definido. A filosofia é um exercício de pensamento. Um livre pensar, e isso atrai naturalmente as pessoas. É uma tentativa de pensar aquilo que pensamos de forma critica, o que fazemos e o que é a vida humana, a sociedade humana, apontar para onde essa sociedade pode avançar, mostrar novos valores e pensamentos. Normalmente vivemos nosso dia reproduzindo conceitos e questões já prontas. Pensamos que pensamos, mas quase nunca paramos para pensar. Pensar necessita antes de tudo de aprender a pensar.
Como fazer isso de uma forma não metódica?
Embora grandes pensadores tenham elaborado fascinantes sistemas e estruturas para se construir pensamento, não é assim que você desperta o aluno para um livre pensar, não é prendendo-o em formulas. Interessante seria notar como cada aluno constrói um pensamento, cada um tem sua própria forma de aprender; o que o professor ensina nem sempre é o que o aluno aprende. A filosofia esta voltada para a formação do pensamento critico. Não estou descartando a leitura dos textos dos grandes pensadores, mas creio que este não seja o ponto de partida para a educação do pensamento infantil ou juvenil. A maioria não é adepta a leitura, e se você impõe um texto, ele passa a ser visto como algo chato, por ter um caráter de “leitura obrigatória”, acaba fazendo o aluno se desinteressar pelo material.
Outro problema dos professores de filosofia no Brasil é a própria tradição de ensino de filosofia. Antes dos anos 50 ela aparecia no currículo escolar, não como disciplina obrigatória, mas como disciplina recomendada. Na ditadura foi praticamente excluída, julgada como desnecessária, devido ao fato de o ensino ser voltado para o tecnicismo. Em termos de conscientização, ela acaba se tornando uma disciplina perigosa, afinal, como discutir ética e política em uma época em que o nosso governo era totalmente degenerado? Somente há pouco tempo foi implantada como disciplina obrigatória. Portanto, não há uma cultura de ensino de filosofia no Brasil. Isso é um problema para professores e alunos. É uma cultura recente que esta se formando, e a formação dos professores quanto a isso esta apenas começando.