A FALTA DE AFETO

“Anota, e não esquece. Jararaca não tem sininho na cola. Esta só tem potente veneno, mas não faz ruído ao ser inticada... Quem tem mecanismos sonoros na cauda é a cascavel. E esta, pobrezinha, deve estar ofendida com a denominação incorreta... Portanto, a partir de hoje a dita cuja deixa de ser botrópica para ser crotálica, como de boa espécie ofídica que é... Presta atenção, sempre o que mais a caracteriza como duramente ofensiva é o ruído antecipado... zzzzzzzzzz! Viste? O som nominal já carrega o onomatopaico chocalho... Êita sonzinho venenoso por si só! E o que acontecerá quando ficarmos surdos? Joaquim Moncks, in “SOBRE A CASCAVEL...”.

– Do livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.

http://www.recantodasletras.com.br/humor/4362462

– Marilú Duarte, por e-mail, em 29/06/2013:

Confesso que de jararaca e cascavel, conheço muito pouco. Sei que são peçonhentas e perigosas, mas ao mesmo tempo são muito úteis para o equilíbrio da fauna e flora e em especial na medicina. Metaforicamente, não podemos negar que pela vida a fora, deparamos com pessoas, que agindo como anfíbios, instigam a nossa imaginação e nos fazem ser melhores, tal é a aversão que sentimos. Seriam essas pessoas tão narcisistas ao ponto de não perceberem o veneno que expelem? Penso que poderíamos levar a questão mais para o lado da falta de afeto. É com essa roupagem que agimos no dia a dia. Porém quando não o sabemos demonstrar, pela insatisfação de nossas necessidades frustradas (corporais ou psíquicas) o desastre do vínculo é inevitável. Diante disso, se cada um de nós, procurássemos atender as demandas e desejos não satisfeitos de pessoas "amargas e sem afeto", é bem possível que viéssemos a minorar o sofrimento coletivo. Na verdade, no chocalhar da vida, com ou sem sininhos, há momentos em que preferimos ficar mudos, cegos e surdos, para não perceber e sentir toda a dor que circula ao nosso redor, na maioria das vezes oriunda de uma falta que não foi preenchida por nenhum objeto real na infância, e que lamentavelmente, quer queiramos ou não, é muito similar à nossa. Na verdade, nem Freud explica...

– Do livro O IMORTAL ALÉM DE SI PRÓPRIO. Joaquim Moncks / Marilú Duarte, 2013.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/4364085