O batismo nas sociedades iniciáticas
Nas sociedades iniciáticas, o batismo se confunde com o ritual de iniciação. Aqui sempre se pressupõe a existência de um Mistério, no qual o neófito vai ser admitido, diferente das religiões oficiais, cujas doutrinas são abertas e não necessitam de uma linguagem particular para que dela se possa participar.
Essa é uma diferença fundamental entre uma sociedade iniciática e uma igreja oficial. Nesta, qualquer pessoa pode entrar e assistir suas reuniões, embora nem sempre possa participar de todos os ritos oficiais. Não há, propriamente, um Mistério a ser compartilhado apenas pelos membros da congregação, ao passo que nas sociedades iniciáticas, esse é o elemento fundamental que a distingue.
Mistério (do grego mystérion) é um termo que vem do verbo myéin, que significa calar. Assim, o termo mýstes se aplica a tudo que se fecha, e por derivação temos o místico, (mystikós), que se refere a quem conhece e guarda os Mistérios. E por derivação, também, temos o termo myesis, que designa os ritos que se ligam a essas tradições, ou seja, o que chamamos de iniciática.
Em latim temos as palavras initiare e initiato, para indicar o ato de inciação em si, e aquele que é iniciado. Assim, a iniciação se define como sendo o primeiro passo em um caminho que tem a pretensão levar o iniciado a um conhecimento superior, que lhe possibilitará conhecer o verdadeiro sentido da vida. E para que isso seja possível, o iniciado precisará enfrentar o mistério da morte, como primeiro e fundamental conhecimento, para que ele possa seguir nessa senda. Morte e renascimento espiritual constituem, portanto, o fundamento de toda iniciação.
Rituais de iniciação são elementos arquetípicos que habitam a fauna inconsciente da humanidade desde priscas eras. Deriva de intuições humanas sobre a possiblidade de existência de uma vida além túmulo, intuições essas que já estavam presentes nas civilizações pré-históricas, como atestam as escavações arqueológicas feitas em sítios onde habitaram vários grupos dos chamados homens de Neanderthal, tidos como antecessessores do Homo sapiens que deu origem á nossa espécie. Em suas sepulturas há uma clara intenção ritual na forma como os mortos eram sepultados, a indicar que esses nossos ancestais mais remotos já cultivavam algumas crenças na existência de vida após a morte.
Já na alvorada das primeiras civilizações da época histórica, iremos encontrar os ritos iniciáticos como uma prática constante, ligadas ás crenças professadas pelos antigos povos. Com o desenvolvimento dessas civilizações e com a sofisticação que suas crenças e tradições alcançaram, esses ritos, que originalmente tinham um aspecto religioso, passaram a compor uma importante função sociológica na cultura desses povos. Incorporou-se a eles uma mística própria, que lhes deu um sinal distintivo na sociedade, no sentido de destacar certos membros do grupo social, como compartilhantes de um “segredo”. No fundo, tudo isso nada mais era do que uma formulação que visava criar uma elite intelectual e política, pois não havendo, nessas antigas civilizações, um saber universal institucionalizado, cabia a religião oficial do país a criação de um kitch cultural que servisse de elemento de ligação entre esses “eleitos” da divindade, os quais, sendo detentores do “saber secreto”, deveriam ser, naturalmente, os guias da nação.
Nascia, assim, a face política dos ritos iniciáticos. Enquanto isso, ela ia também ganhando terreno como fórmula de distinção social, aplicável aos grupos econômicos que iam se desenvolvendo dentro da socidade. Profissionais das mais diversas atividades começaram a adotar a mística da iniciação para a admissão de novos membros, e a utilizar sua liturgia também nos rituais de passagem de grau. Iremos, destarte, encontrar essa tradição sendo praticada pela grande maioria das escolas filosóficas da antiguidade. Nessas instituições, o costume de compartilhar a vida social, as relações pessoais e o próprio conhecimento apenas com os companheiros do mesmo grau, bem como o desenvolvimento de uma linguagem particular para o reconhecimento dessa condição, feita de toques, sinais, símbolos e outros elementos de passe, era uma marca distintiva delas.
Todas as grandes civilizações da antiguidade desenvolveram seus Mistérios como forma de preservação de conhecimento e distinção de seus quadros sociais. Assim, iremos encontrar nas civilizações do Egito, da Mesopotâmea, da Índia e da China, rituais de iniciação elaborados com extrema sutileza. Na Grécia, por exemplo, as iniciações eram processos já incorporados no próprio sistema político e social das cidades-estado, que as patrocinava e administrava, como parte das suas tradições. Não se tratava apenas de uma liturgia aplicada no campo das coisas sagradas, mas também nas organizações sociais de caráter laico, como as escolas filosóficas e as corporações obreiras. Pitágoras, por exemplo, bem como Tales de Mileto e Epicuro, administravam suas escolas como se fossem verdadeiras sociedades iniciáticas.
O rito iniciático, como se disse, é um elemento arquetípico compartilhado pelo inconsciente coletivo da humanidade desde os tempos mais remotos. Mesmo entre as mais primitivas tribos indígenas da África, América e Oceania, sempre se encontrará algum ritual de iniciação, ou de passagem, a simbolizar as etapas da vida do indivíduo, nas suas conquistas sociais ou espi-rituais. Os quatro arquétipos do psiquismo humano, segundo as tradições desses povos, que são o guerreiro, o xamã, o visionário e o sábio, são ecos dessa tradição longínqua, nas quais a intuição dos povos mais ligados á natureza nos dão uma formidável lição de sabedoria.[1]
Cena do documentário Pep Cahoc – Um Rito de Iniciação. Foto: Raissa Ladeira. Mostra um ritual de iniciação à vida espiritual que meninos e meninas da tribo dos Krahô, sçao submetidos quando entram na adolescência.
Nas sociedades iniciáticas, o batismo se confunde com o ritual de iniciação. Aqui sempre se pressupõe a existência de um Mistério, no qual o neófito vai ser admitido, diferente das religiões oficiais, cujas doutrinas são abertas e não necessitam de uma linguagem particular para que dela se possa participar.
Essa é uma diferença fundamental entre uma sociedade iniciática e uma igreja oficial. Nesta, qualquer pessoa pode entrar e assistir suas reuniões, embora nem sempre possa participar de todos os ritos oficiais. Não há, propriamente, um Mistério a ser compartilhado apenas pelos membros da congregação, ao passo que nas sociedades iniciáticas, esse é o elemento fundamental que a distingue.
Mistério (do grego mystérion) é um termo que vem do verbo myéin, que significa calar. Assim, o termo mýstes se aplica a tudo que se fecha, e por derivação temos o místico, (mystikós), que se refere a quem conhece e guarda os Mistérios. E por derivação, também, temos o termo myesis, que designa os ritos que se ligam a essas tradições, ou seja, o que chamamos de iniciática.
Em latim temos as palavras initiare e initiato, para indicar o ato de inciação em si, e aquele que é iniciado. Assim, a iniciação se define como sendo o primeiro passo em um caminho que tem a pretensão levar o iniciado a um conhecimento superior, que lhe possibilitará conhecer o verdadeiro sentido da vida. E para que isso seja possível, o iniciado precisará enfrentar o mistério da morte, como primeiro e fundamental conhecimento, para que ele possa seguir nessa senda. Morte e renascimento espiritual constituem, portanto, o fundamento de toda iniciação.
Rituais de iniciação são elementos arquetípicos que habitam a fauna inconsciente da humanidade desde priscas eras. Deriva de intuições humanas sobre a possiblidade de existência de uma vida além túmulo, intuições essas que já estavam presentes nas civilizações pré-históricas, como atestam as escavações arqueológicas feitas em sítios onde habitaram vários grupos dos chamados homens de Neanderthal, tidos como antecessessores do Homo sapiens que deu origem á nossa espécie. Em suas sepulturas há uma clara intenção ritual na forma como os mortos eram sepultados, a indicar que esses nossos ancestais mais remotos já cultivavam algumas crenças na existência de vida após a morte.
Já na alvorada das primeiras civilizações da época histórica, iremos encontrar os ritos iniciáticos como uma prática constante, ligadas ás crenças professadas pelos antigos povos. Com o desenvolvimento dessas civilizações e com a sofisticação que suas crenças e tradições alcançaram, esses ritos, que originalmente tinham um aspecto religioso, passaram a compor uma importante função sociológica na cultura desses povos. Incorporou-se a eles uma mística própria, que lhes deu um sinal distintivo na sociedade, no sentido de destacar certos membros do grupo social, como compartilhantes de um “segredo”. No fundo, tudo isso nada mais era do que uma formulação que visava criar uma elite intelectual e política, pois não havendo, nessas antigas civilizações, um saber universal institucionalizado, cabia a religião oficial do país a criação de um kitch cultural que servisse de elemento de ligação entre esses “eleitos” da divindade, os quais, sendo detentores do “saber secreto”, deveriam ser, naturalmente, os guias da nação.
Nascia, assim, a face política dos ritos iniciáticos. Enquanto isso, ela ia também ganhando terreno como fórmula de distinção social, aplicável aos grupos econômicos que iam se desenvolvendo dentro da socidade. Profissionais das mais diversas atividades começaram a adotar a mística da iniciação para a admissão de novos membros, e a utilizar sua liturgia também nos rituais de passagem de grau. Iremos, destarte, encontrar essa tradição sendo praticada pela grande maioria das escolas filosóficas da antiguidade. Nessas instituições, o costume de compartilhar a vida social, as relações pessoais e o próprio conhecimento apenas com os companheiros do mesmo grau, bem como o desenvolvimento de uma linguagem particular para o reconhecimento dessa condição, feita de toques, sinais, símbolos e outros elementos de passe, era uma marca distintiva delas.
Todas as grandes civilizações da antiguidade desenvolveram seus Mistérios como forma de preservação de conhecimento e distinção de seus quadros sociais. Assim, iremos encontrar nas civilizações do Egito, da Mesopotâmea, da Índia e da China, rituais de iniciação elaborados com extrema sutileza. Na Grécia, por exemplo, as iniciações eram processos já incorporados no próprio sistema político e social das cidades-estado, que as patrocinava e administrava, como parte das suas tradições. Não se tratava apenas de uma liturgia aplicada no campo das coisas sagradas, mas também nas organizações sociais de caráter laico, como as escolas filosóficas e as corporações obreiras. Pitágoras, por exemplo, bem como Tales de Mileto e Epicuro, administravam suas escolas como se fossem verdadeiras sociedades iniciáticas.
O rito iniciático, como se disse, é um elemento arquetípico compartilhado pelo inconsciente coletivo da humanidade desde os tempos mais remotos. Mesmo entre as mais primitivas tribos indígenas da África, América e Oceania, sempre se encontrará algum ritual de iniciação, ou de passagem, a simbolizar as etapas da vida do indivíduo, nas suas conquistas sociais ou espi-rituais. Os quatro arquétipos do psiquismo humano, segundo as tradições desses povos, que são o guerreiro, o xamã, o visionário e o sábio, são ecos dessa tradição longínqua, nas quais a intuição dos povos mais ligados á natureza nos dão uma formidável lição de sabedoria.[1]
Cena do documentário Pep Cahoc – Um Rito de Iniciação. Foto: Raissa Ladeira. Mostra um ritual de iniciação à vida espiritual que meninos e meninas da tribo dos Krahô, sçao submetidos quando entram na adolescência.
1] Vide , a esse respeito, o notável trabalho da professora Angeles Arrien, publicado sob o título de “O Caminho Quádruplo”, publicado pela Ed. Agora, São Paulo, 1997. Vide também a nossa obra Códigos da Vida, que trabalha com o mesmo tema, associando-a com as técnicas desenvolvidas pela PNL (Programação Neurolinguística.), publicada pelo Clube dos Autores, 2011.