A SÍNTESE SUGESTIONAL

Abro o Recanto das Letras, na intenção de retribuir uma atenção literária, e, não mais que de repente, topo com o poema. De relancina, gosto da peça e me disponho ao exame. Vejamos:

“INVERNO II

Suely Braga

O inverno chegou

com sua cara amarrotada

da ressaca das estações.

Chuva intermitente.

Vento enlouquecido.

arrasta tudo pelas ruas e avenidas

em sua desenfreada corrida.

O frio castiga os desabrigados,

que ficam desolados.

A alegria dos amantes

no aconchego dos cobertores.

Osório – RS, 26/06/2013.

Código do Texto: T4359101.

http://www.recantodasletras.com.br/poesias/4359101”

Observo que o poema com boa dose de metaforização e sugestionalidade propõe duas historietas: uma aparente e outra subjacente. Neste, o uso das figuras de linguagem, fruto de riqueza vocabular – palavras em sentido conotativo na barriguinha do poema – sugerem, como num microconto, a codificação que permite que o leitor viaje na proposta autoral. Acontece a síntese bem urdida e a economia de palavras auxilia para que resulte ressaltada a magia sugestional. É realmente um poema com Poesia, não somente porque tal historieta está apresentada em VERSOS. Sim, porque existem versos SEM POESIA, e estes são em regra, os ocorrentes na maioria dos poemas que vêm a público. Percebe-se um razoável ritmo em toda a peça, exceto no verso "... que ficam desolados.", o qual enfeia e muda o ritmo, tornando o verso prosaico, fugindo do poético. E, a meu ver, seria plenamente desnecessário, porque se trata de um explicativo dispensável. Em verdade, a observação lavrada é o suspiro de 'desolação' que a poeta produz ao se colocar dentro do poema, por condoída com a ação da intempérie. As ideias em oposição são o frio e o calor, a teor dos quatro últimos versos. A sensação de desolação, de impotência frente aos elementos naturais, é em sua subjacência, o coração da observadora aconchegado nos cobertores, na sensação gozosa que inibe a ação do frio, mesmo que o amante seja o passivo da fantasia... Eis um bom poema, acrescido de que, em cima de algo secular (o frio da invernia), consegue estruturar o conteúdo num formato sem derramamentos, e apresenta ao público um exemplar coerente com a contemporaneidade de linguagem. Veja-se que o elemento verbal "ressaca" relata e conota o ambiente de predominância marinha, jogando o 'desabrigado' no mar das tempestades climatéricas e, em nível psíquico, o das vicissitudes dos necessitados. E mais: a autora utiliza-se da topografia usual frente aos seus elementos reais, visto residir em Osório, na zona litorânea do Rio Grande do Sul. Parabéns!

– Do livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/4360208