NEM TUDO PASSA
NEM TUDO PASSA
Há tempos eu escrevi, nos espaços onde possuo coluna, um artigo com o título “Tudo passa”, a respeito do panta rei de Heráclito († 475 a.C.), onde o filósofo estoico cunhou a figura do “nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio. No entanto, nossa cabeça, pensamentos e lembranças parecem discordar do filósofo efésio, pois muitas vezes nos surpreendemos pensando em coisas do passado, revendo com saudades alguns fatos pretéritos, que julgávamos sepultados no “tudo passa”. Às vezes, a saudade grita em nosso interior, afirmando que muita coisa não passou.
Em 1966, há 47 anos, portanto, eu fui designado para gerenciar a agência da Caixa em Jaguari, no interior do Rio Grande, uma simpática cidade de 4000 habitantes, produtora de vinho e grãos, distando cerca de 400 quilômetros de Porto Alegre.
Como cidade pequena, Jaguari tinha muitas carências. A maioria das ruas não era calçada, não pegava televisão, só tinha uma rádio de alcance restrito que só tocava músicas regionais; hotel só tinha um e a cidade não possuía supermercados, apenas algumas “vendas” mal equipadas. O transporte era caótico: um ônibus diário ligava à Capital (12 horas de viagem) por estradas sem asfalto, e um trem (“Maria Fumaça”, que fazia “baldeação” em Santa Maria), levava dezoito horas até Porto Alegre. A cultura também era deficiente. Duas escolas de segundo grau, não havia teatro nem bibliotecas. O que salvava era a vida social, visitas e bailes sociais dos clubes. O cheiro do churrasco trescalava constantemente...
O fato é que sinto saudades daquela vida. Recordo a comida e o pinhão assados no fogão à lenha. Quando cheguei lá, choveu uma semana, sem parar, Até o hoje o cheiro da chuva me remete àquelas lembranças. Ao lado de minha residência atual há um mato natural. Os banhos no rio Jaguari são inesquecíveis... Sempre que chove, o perfume da relva molhada me lembra o interior. À noite, quando abro a janela do meu quarto, o odor das churrascarias, o cheiro do ar frio, da fumaça e do picumã das lareiras me faz pensar nos tempos de Jaguari.
Eu até pensei em voltar a morar lá. Depois pensei naquela geração que já morreu, nas atividades da cidade que não existem mais. A cidade não é a mesma; ali tudo passou... Eu morei em outras cidades do nosso interland, como Ibirubá, Bagé e Pelotas, que também me trazem boas lembranças, mas nenhuma delas me traz a saudade atávica da minha estada, por três anos em Jaguari.
Quando me assalta a saudade de um passado, que pelo menos em minha memória e meu coração não morreu, eu discordo do filósofo, afirmando que nem tudo passa. Depois que saí de lá, voltei várias vezes, entrei no rio e descobri que, mesmo após passarem toneladas de água, ele ainda é o mesmo. Às vezes, por conta dessa saudade, vou ao Mercado Público da Capital e compra algumas garrafas do Vinho Jaguari. Assim que sinto o perfume da vinho, o cheiro de sanga e berro do gado me diz que nada passou...