O Extraterrestre
Hoje ao arrumar velhas pastas encontrei algo extremamente interessante. Um trabalho da disciplina de ciências da quinta série do ensino fundamental. Não era um trabalho qualquer, deveríamos supor uma troca de correspondências com o extraterrestre, contando sobre a situação de nosso mundo e, especialmente, do Brasil. Lembro que na época eu já sonhava em ser artista, todo o texto elaborado por minha mão deveria ser algo poético, dramático. Teria que carregar um estilo, meus anseios, minha individualidade, o eu lírico. Que poética poderia um menino de doze anos perpetuar? Bem sei que as crianças possuem algo de especial, já há muito perdido em todos os adultos.
O texto ficou mais ou menos assim:
“Querido amigo extraterrestre, gosto muito da ideia de fazer uma nova amizade! (…)
Não sei como é aí no seu Mundo, mas aqui é super difícil falar o que sentimos, compreender o outro, amar o próximo. Não sei por que brigamos tanto, falamos tantas coisas que ofendem.
Pensar no dinheiro é triste. Não sei por que os homens querem tanto dinheiro e trabalham tanto. Fiquei sabendo que existem pessoas que machucam outras pessoas por causa disso. Você consegue entender isso? Eu não. Pra mim o que importa é o que sentimos.
Gostaria de saber se os alienígenas jogam bola. Eu moro no Brasil, o país do futebol, poderíamos jogar, quem sabe? (...)
O que me preocupa no momento é a menina que gosto. Queria tanto falar como me sinto. Mas como? Se pudesse me ajudar, eu ficaria grato. Vocês são mais avançados nessas coisas?
Como é difícil ser Humano!”
A resposta da professora foi anexada ao trabalho:
“Caro aluno Paulo Fernando Parada,
envio um comunicado aos seus pais solicitando que refaças o texto. De certo modo é bom que penses assim na tua idade, porém a carta está ingênua. Gostaria que pedisses auxílio aos adultos para que faças um trabalho justo para com a realidade dos fatos.”
Tentei uma apelação:
- Mas, professora, a ideia não é supor uma conversa com o Extraterrestre? Se extraterrestres não existem, como posso escrever um trabalho justo com o Mundo Real?
Foi inútil. “Apenas faça o que estou pedindo”, a professora respondeu em tom imperativo. Meu avô foi quem ajudou-me na tarefa. Agora o texto tratava de assuntos pertinentes à política, geografia e mais uma gama de dados. Na nova versão falei da renda per capta, da globalização e dos avanços tecnológicos. Entreguei o novo exercício e recebi uma boa nota, lembro que ainda adverti: prefiro a primeira versão.
Ao refletir sobre tudo que se passou, não é absurdo pensar que a escola possui a preocupação de preparar o jovem para o mercado de trabalho (não raro são as vezes que nem isso é possível), transformando o jovem em “capital humano”. As relações humanas são ricas demais para caberem em um discurso engessado, cheio de números. Muitas escolas reprovam o aluno que pensa criticamente, que aspira valores diferentes dos colegas. A sociologia não descarta o sentimento individual, a filosofia encoraja o pensamento artístico. Por que as disciplinas fundamentais não auxiliam o homem a viver em sociedade?
Hoje me encontro na graduação, rumo ao mestrado. Nunca quero parar de estudar, apaixonei-me pela arte de ser professor, ainda que isso necessite uma energia extrema. Penso que compartilho aqui um sentimento único, que é universal para todos os estudantes do mundo. Não tenhamos medo do conhecimento, não tenhamos medo do erro, da “coisa humana”. A universidade existe para aprofundar pesquisas, gerar conhecimento e quebrar paradigmas. Será, caros amigos, que isso ocorre na prática? É claro que observamos excelentes professores em atividade. Por que não abrir espaço para novos conhecimentos, uma nova visão, um novo estilo? Para que tanto medo do desconhecido? Será que escrevi para o extraterrestre ou será que somos extraterrestres? Porque muitas vezes é assim que me sinto cumprindo meu dever de aluno em sala de aula.