PELO MENOS O ERRO JUDICIÁRIO, NESTE CASO NÃO ACONTECEU - (Capítulos,14,15 e 16) do Livro Cassaram Ars Ceroylas)
CAPÍTULO 14
A peça, Erro Judiciário, apresentada pelo Grupo de Teatro da Cidade de Correntina, com atores de Santa Maria da Vitória, dirigida pelo Mestre Raimundo Martins da Costa, conhecido como Iozinho de Correntina, deixa a plateia de Santa Maria deveras emocionada. Como o pessoal de Correntina parece ter nascido para o teatro! Dizem as pessoas atônitas ali. O Erro Judiciário ou o Louco da Aldeia, acaba de ser apresentada no Clube Dramático Dois de Julho, onde também funciona o Cine Rex de Seu Jessé, peça produzida, ensaiada, dirigida, montagem de cenário e protagonizada por Raimundo Martins da Costa (Iozinho). Como ponto , o pai de Wilson Barros, e no restante do elenco, Esmeralda, Wilson Barros, Nelito(Fabricante de cachaça com sabores especiais e dentre as fabricadas, está a bananinha,um produto de Correntina), Pedro Mariano, Arilson, João José e João Nogueira.
A peça foi tão bem produzida e apresentada que a cena do assassinato encenada com tanto realismo e efeitos especiais, levou o filho do Nelito, um belo garoto que estava na platéia assistindo a peça, gritar: mataram painho gente e começou a chorar!! Foi uma loucura para a mãe explicar que era apenas uma encenação.
O Erro Judiciário é uma peça onde o advogado noivo foi protagonizado por Iozinho de Correntina. Esmeralda protagonizou a filha acusada de matar o pai, papel protagonizado pelo Nelito. No papel do assassino e promotor de justiça, Wilson Barros deu um show de interpretação ,conseguiu a condenação da moça, já que ele assassinara o pai dela que o surpreendeu tentando violentá-la e deu - lhe uma chicotada no seu rosto. Ele o promotor, conde atacdao por uma ira insana crava o punhal no coração do pai da moça, neste caso a Maria, estrelada por Esmeralda e cai fora. Surpreendida e em estado de choque na cena do crime ela é acusada do assassinato e no julgamento é condenada, pois o promotor, revoltado pelo desprezo da moça, fez de tudo para condená-la. O noivo pelo fracasso na defesa fica louco. Pedro Mariano e Arilson fazem o papel dos policiais inclusive o Pedro improvisa um tampa no rosto do Arilson, pegando o de surpresa fazendo com que a cena ficasse bem mais realista.
Assim que termina de cumprimentar o público Santa-mariense, agardecendo os aplausos, mestre Iozinho se dirige para um Senhor da plateia de nome Domício Gramacho que de pronto o parabeniza.
- Que linda peça mestre! Parabéns. Vocês de Correntina são bons de mais neste negócio de teatro e fiquei emocionado ao ver meus amigos de Santa Maria dando espetáculo belíssimo.
- Obrigado Domício, ,gentileza sua responde Iozonho – Mas o que me traz aqui a falar com o senhor é na verdade para fazer um pedido sobre algo semelhante à essa peça.
- Pois não mestre.
- Haverá um julgamento em Correntina, de uma moça que assassinou o filho de um empresário de Goiânia que passava férias na fazenda de um coronel poderoso em Correntina, Clodorindo das Éguas, extremamente influente na política de Goiás, apesar de morar em Correntina. Ele não é da região, mas chegou há alguns anos a cidade para se transformar no primeiro produtor de soja da região. A moça foi espancada e presa e não querem deixar que ninguém a defenda
- Mas isto é contra os princípios do direito!
- Pois é. Todos os advogados e rábulas da região de Correntina estão proibidos de pegarem a causa!
- Isto significa uma condenação já previamente estabelecida!
- É isto mesmo, Domício! Não deixam ninguém visitá-la para ouvir a versão dela. –
- Eu fui a única pessoa a visita-la e o estado dela é lamentável. Está adoentada! Existem três advogados procedentes de Goiânia para acusarem-na além do promotor dr.Ruy. de Santa Maria da Vitória. Ninguém quis pegar a causa, por isto estou apelando para o senhor, um rábula de notoriedade, já que Manoel Cruz e Wilson Afonso disseram não para esta tal questão em face a amizade com o Coronel Clodorindo das Éguas.
-Mestre Iozinho, a sua peça dá a dimensão do que é sofrer um erro judiciário! Aceito a causa! Mas preciso falar com a minha cliente quando chegar lá em Correntina.
-Eles não permitem Domício. A defesa tem que ser a olhos escuros!
-Mas de jeito algum mestre; Eu darei um jeito nesta questão.
De fato Domício Gramacho deu o jeito prometido. Através da autoridade máxima presente em Santa Maria, o delegado Regional Dr. Renê, que investiga as circunstâncias da morte do mineiro Armando, nem só determinou que se deixassem a prisioneira falar a sua versão, bem como buscou informações sobre Lucas,a vítima e seu comportamento na capital Goiana e, também Danilo o filho do coronel Clodorindo das Éguas. Pelas informações, descobriu-se que os dois jovens eram bastante inconsequentes contumazes em praticar atos desmedidos e sem limites.
O Cinegrafista Joselito Gomes, a pedido de Novais Neto, mandou uma equipe de produção para filmar o julgamento, e alguns jornais também enviaram correspondentes, para que fosse registrado o julgamento da Moça. O nome da moça é Maria Antuérpia das Flores conhecida pelo apelido de Das Flores, neta do Zé dos Reis um meeiro que trabalhou na fazenda do Vale das Éguas. Estava noiva de Donato filho de Tibórcindo, capataz da fazenda que, após o assassinato acabou se casando meses depois com Marília a filha mais velha do coronel Clodorindo das Éguas.
Na verdade , na cidade de Correntina, o julgamento de Das Flores se transformou em um acontecimento gigante, já que há um clamor público de tamanho vulto, e também está sendo usado como carro chefe para a campanha política para a prefeitura e o coronel Clodorindo das Éguas, apoiado pelo major Felix, em razão do crescimento da oposição com o Sargento Getúlio, está se utilizando de todos os meios para prender o eleitorado correntinense e, a condenação da moça assassina do filho de um dos maiores empresários de Goiânia, dará notoriedade nacional e com isso a eleição poderá ser considerada favas contadas. Por isso os donos do poder pressionaram todos os defensores da região a não aceitarem a causa sob pena de represálias futuras. Até os homens da Lei em Correntina, obedeceram às imposições impostas pelos poderosos.
Sem medo de represálias, Raimundo Martins da Costa, o Mestre Iozinho, fez uma última tentativa de conseguir um defensor para Maria Antuérpia das Flores. O direito de defesa é algo inexorável, mas os poderosos de Correntina não estavam nem ai para este fato do direito. As questões políticas estão acima de tudo e de todos para eles. Não só Areias Junior mas praticamente todos os coronéis do sertão, são prepotentes e sanguinários. Para eles só o poder interessa. Para o coronel Clodorindo das Éguas também não seria diferente.
A chegada de Domício Gramacho a Correntina, causou bastante revolta nos poderosos de Correntina. Na casa dos Guerras, os correligionários tentavam adivinhar quem foi a pessoa que convidou o rábula de Santa Maria da Vitória para defender aquela assassina, utilizada como troféu para uma campanha política.
- Quem será o traidor?
-Por que Domício não obedece as ordens de Areais Junior para que ninguém de Santa Maria pegasse a causa?
-Mas não há de ser nada. Já estamos com essa causa ganha e a assassina será condenada.
Mesmo achando que a causa está ganha, a fama de Domício Gramacho deixa todo mundo apreensivo. Um dos membros fundadores da Igreja Batista de Santa Maria da Vitória, proprietário de uma serraria na beira do rio Corrente, a oratória faz parte do seu ser, como se tivessem nascidos juntos. De antemão, para convencer os jurados, se a acusação não for bem fundamentada nos fatos e na oratória, fatalamente será engolida pelo rábula Domício Gramacho e, sabedor da admiração nutrida pela sua pessoa, foi que mestre Iozinho, sob a forte emoção da peça Erro Judiciário, fez o convite e recebeu um sim de presente.
Domício Gramacho já começou a por o seu dedo na questão, quando exigiu que se convocasse membros do júri de algumas outras cidades, um pouco fora do contexto central para evitar uma comoção maior na questão e conseguiu o aval do Juiz da Comarca. De Santa Maria da Vitória. Foram convocados, Tião Sapateiro e a professora Arturzita Santana,o mestre Zé de Patrício da cidade de Carinhanha e o professor Antonio Barbosa da cidade de Bom Jesus da Lapa. De Correntina, dona Zuzu da pensão, Padre André e a professora Maria da Cruz. Esta primeira vitória de Domício Gramacho plantou na mente dos poderosos correntinenses uma dúvida cruel! Afinal de contas, jamais pensaram que teria na defesa da Das Flores, um dos maiores oradores do sertão da Bahia. E a escolha de jurados não só de Correntina, já jogou de vez um balde de água fria na fogueira da certeza deles de vitória certa. Estão tremendo na base! E se a juventude da oposição fizer coro à voz do Domício, as chances da Das Flores ter uma pena atenuada já minimiza bastante as pretensões de angariar votos neste julgamento. Uma derrota mesmo que parcial já seria desastrosa para a caminhada das eleições. Uma derrota completa, o estrago seria inimaginável.
Clodorindo da Éguas está um pouco desolado. O medo lhe invade a alma! Não pôde fazer nada para impedir a chegada do defensor para Das Flores. A coisa foi muito de surpresa. Tudo o que tentou fazer junto a todos os coronéis da região para que não deixassem defensores de suas cidades defenderem a ré, ele havia feito, mas não contava que em Santa Maria, algumas pessoas já não temiam o Areais Junior, mesmo sabedores do que ele é capaz de fazer para chegar aos seus objetivos. E Areais Junior está presente ao julgamento na cidade de Correntina e também teme pelo sucesso do Domício Gramacho, hoje um dos seus mais fortes oposicionistas.
- Perdendo o poder, Areias? Pergunta Major Félix.
-Os meus opositores são muito fortes. E os seus traidores? Refrata Areias Junior.
-É difícil de sabermos quem são os traidores. Mas se pego, ele estará em péssimos bocados!
-Eu sei que esteve batendo papos com o Domício Gramacho.Gente da sua casa!
-Fui eu quem convidou o Domicio para defender uma moça acusada de assassinato. Ela tem este direito e, se for para romper com o Major, romperei sem medo algum de errar, afinal de contas o senhor ensinou-me ser homem de verdade! E acho que ser homem de verdade é ser diferente de ser um capacho ou pau mandado dos poderosos. Fiz o que o meu coração mandou e coração não pede permissão para agir.
Mestre Iozinho pega o coronel Areias Junior e o Major Felix de surpresa. Ficam atônitos diante de tanta coragem do mestre. Qualquer pessoa ali tremeria na base, mas Iozinho não. Mesmo tendo laços afetivos com o major, não baixa a cabeça e nem demonstra medo. E isso encheu o coração do major Félix de contentamento, mesmo correndo risco de perder uma aliança política com o Clodorindo das Éguas. Sarcasticamente vira para Areais Junior e diz: Quer saber de uma coisa coronel? Curta o julgamento na primeira fileira e vê se usa uma ceroula com as cores da justiça. Como a justiça é cega, pelo menos é o que dizem, use uma ceroula com uma faixa preta representando a venda nos olhos.
Capítulo 15
O cenário está montado no Cine Clube Teatro de Correntina. No fórum da cidade devido a demanda para o julgamento de Das Flores ficou impossível a realização do mesmo. De todas as partes da região chegam pessoas para acompanharem o julgamento como se ele fosse o maior de todos os tempos. Incrível mas até de São Paulo chegam curiosos, filhos da cidade é claro, que aproveitam as férias para acompanharem o fato que monopoliza as atenções de todos.
Literalmente no palco do Cine Clube Teatro de Correntina, está montando o palco do julgamento. No centro, bem ao fundo já encostado com a parede onde fica a tela branca de projeção a mesa do meritíssimo juiz da comarca; Do lado esquerde do palco estão os advogados da acusação e o promotor Dr. Ruy. No lado direito está o rábula Domício Gramacho; à frente do palco estão os jurados. No Clube tem gente saindo pelo ladrão! Na praça do lado de fora não há espaço para mais ninguém.
Ouve se uma gritaria incessante:
- Assassina!
-Quenga da zona!
-Que a justiça seja feita!
-Criminosa sem vergonha!
-Terás o que merece sua puta dos infernos.
-Sua brejeira cachorra, foi tirar a vida do jovem rapaz, que poderia hoje ser um grande administrador nas empresas do pai dele!
-Sua vagabunda assassina!
-Sua arreganhada dos infernos!
Os motivos de tanto xingamento é que neste momento, quatro praças levam a ré, algemada até os pés para ser colocada na cadeira dos réus. Ela está abatida. Tem um olhar tristonho e distante. Encara o Tiburcino, que seria seu sogro e o Donato, seu filho e seu ex - noivo acompanhado da então esposa Marília. Ela lança sobre eles um olhar longo, fulminante e com um brilho de mágoa e de decepção. Das Dores está um farrapo de pessoa. Sofreu uma violência tão medonha que, estar viva é um grande milagre. Da dores, neta do Zé dos Reis, era uma mulata de cabelos pretos e lisos, pernas bem torneadas, possuía umas ancas que ao passar dando aqueles passos fagueiros, parecia dançarina de balé. Até as pedras aplaudiam quando ela passava com leveza e uma beleza estonteante. Uma jovem rapariga desejada por todos os jovens rapazes e marmanjos do pedaço.
É de si imaginar, como que uma flor do campo perfumada e bela como a Das Flores, pode neste momento parecer mais com um esqueleto, quase que sem formas! Esquálida! Disforme! Um esqueleto ambulante! Vivendo por teimosia. Ou talvez na esperança de que algo de novo possa acontecer dando – lhe um alento de continuar viva ou perecer de vez e acabar com todo este tormento. O brilho dos seus olhos esverdeados, está mais cinzento do que uma temporada de intenso inverno. Mas dá para sentir dentro da sua alma uma réstia de esperança que possa por fim neste tão enfadonho tormento.
O julgamento começa com o promotor fazendo uma exposição pesada dos fatos contra Das Flores. Um bombardeio de palavras pesadas, ásperas e acusatórias. Domício apenas se limita a ler a Bíblia, grifar alguns versículos sem dar um aparte sequer no decorrer do julgamento. Acompanhou atentamente o depoimento do Tiburcino e do seu filho Donato, testemunhas capitais no julgamento. E a cada testemunho que é dado por eles, mais torna a situação da ré, insuportável. Condenação certa!
- Por que o Domício não fala nada que deponha em favor da pobre moribunda! Se fosse para ficar lendo a Bíblia, não seria melhor ter ficado a menina sem defensor?
- Será que Domício Gramacho está achando que Deus descerá do olimpo para libertar a moça assassina?
-Pobre coitada! Tá é fodida de vez!
- Que Deus tenha pena da sua alma!
Além das pessoas ali presentes, o próprio Mestre Iozinho, se mostra apreensivo com o desenrolar do julgamento e quando o juiz decreta alguns minutos de recesso, ele se aproxima do Domício Gramacho e pergunta lhe:
-Está difícil achar alguma atenuante para Das Dores Domício?
-No momento mestre, só tenho que esperar o momento final! Não tenho a acrescentar durante as exposições e acusações! Não existe debate e nem embate, portanto, ficar silencioso é o melhor que tenho a fazer. Confie em Deus, pois só ele traçará o melhor caminho para esta pobre moça.
Até o meritíssimo Juiz interpela o Domício Gramacho – Não fará nenhuma defesa em favor da pobre moça Domício! Isto está parecendo apenas uma CPI e não um julgamento! Você precisa pelo menos disfarçar que vai defender a moça!
- Calma doutor, a sua função é julgar e pronto. A minha é defender e pronto! Não é porque eu não cursei Faculdade que não saberei exercer o meu ofício de rábula. O Juiz não gostou muito desta chamada, mas não há tempo para discussões extra julgamento.
Retomado o seguimento do julgamento, lá pelas tantas horas da tarde que já despontava na saída para o planalto central, os advogados de acusação terminaram os seus argumentos nada mais tendo para falarem e o mesmo também para o promotor Dr. Ruy. Agora sim, diante dos olhares de indignação das pessoas presentes ao julgamento, Domicio Gramacho, pede permissão para interrogar o Tiburcino e o Donato.
- A vontade Domicio, já não era sem tempo. Responde o Juiz.
Após ouvir novamente ambos, Tiburcino e o seu filho Donato jurarem sobre a Bíblia aberta, Domicio faz duas perguntas para aos dois.
- Tuburcino e Donato, Donato e Tiburcino. Quando se faz uma promessa, ela tem que ser cumprida ou não? Quando se tira proveito de uma situação, pelo menos devemos ou não sermos gratos e compensar a quem nos ajudou? E quando se jura sobre a Bíblia, ou seja, diante da palavra de Deus, a mentira tem que ser punida?
O público não entende o teor das perguntas, pois parecem perguntas de quem não fez nada durante o julgamento e quer pelo menos dar um pequena cota de participação. Mas para Tiburcino e Donato, as perguntas soam como um chute nos testículos. Caíram sobre as suas cabeças como uma bomba de efeito devastador. As pessoas percebem que ambos estão em estado de embaraço. É bastante visível.
- Não precisam responder meus caros. Não vou precisar das suas respostas. Completa Domício Gramacho que vira para os advogados de acusação e os cumprimentam, ide para o promotor, idem para os jurados e idem para o público.
- Meritíssimo dr. Juiz, dr. Promotor de justiça, prezados jurados e público aqui presente de toda a região deste gerais da Bahia. Narrarei uma história, aos moldes do Abraão Lincoln, e depois vocês farão o que a consciência lhes mandar fazer.
Tudo começou quando dois jovens amigos, habituados a fazerem apostas de quem deflora mais garotas na cidade, resolveram levar adiante um nova aposta. Local: Fazenda do Clodorindo das Éguas. Ambos os jovens queriam a todo custo deleitarem com a linda flor dos Gerais, de nome Das Flores, noiva do Donato, filho do capataz Tiburcino. Danilo é o nome de um dos rapazes, que por sinal é filho do Coronel Clodorindo. Lucas é o nome do outro rapaz, filho de um empresário de Goiânia amigo do Clodorindo. Ambos garotos sempre aprontaram na capital e nos interiores por onde passavam passando sempre pela impunidade, devido à influência dos pais.
Era uma linda tarde de sol. Nas águas do rio das Éguas, a jovem Das Flores lavava um trouxa de roupas, com as saias levantadas à altura da barriga por causa das águas correntes, e a suas coxas de cor de canela estavam a flora dos olhos de quem as via.
Os dois jovens, vendo aquela cena fizeram uma aposta: Quem laçar a garota terá o direito de serviciá – la como prêmio. E foi o que fizeram. Ambos desceram até o barranco do rio e mandaram que ela saísse correndo pelas margens, e eles, montados em cavalos fizeram com que Das Flores saísse correndo apavorada, enquanto eles tentavam jogar o laço, como se ela fosse uma rês desgarrada. Ela corria apavorada, enquanto eles se divertia com o desespero da garota que ofegante já dava indícios de perder as forças. O Lucas foi mais feliz e a laçou primeiro e, conforme combinado ganhou como prêmio o direito de estupra-la. Pobre moça, que gritava quase sem forças por socorro, enquanto o jovem rapaz tentava de todas as maneiras violenta-la.
O rapaz a sufocava em cima do seu corpo belo, faceiro e frágil. De repente, ela ouviu um barulho forte, parecido com uma pancada, e sentiu o corpo do agressor perder forças em cima de si e cair para o lado sangrando. Foi o Donato que, ao chegar no local viu a cena e o ódio subiu-lhe a cabeça e sem raciocinar direito, mune se de uma acha de madeira e desfere um golpe certeiro e fatal na cabeça do Lucas que tem morte instantânea.
Logo a seguir chega Tiburcino desesperado ao se deparar com a cena tétrica encontrada ali naquele momento.
- Pai, eu não percebi que era o Lucas! Pensei que fosse alguém da região tentando atacar a minha noiva!
-Calma filho, temos que remediar esta situação, responde.
Refazendo-se do susto que foi gigantesco, Das Flores, ainda ofegante, sentada na relva, olhe incrédula para o corpo do Lucas e para o Donato, seu noivo ali perplexo com o que fizera. Amedrontado e acuado. Matar o filho do maior amigo do coronel Clodorindo das Éguas é assinar própria sentença de morte! Como se acendesse uma lamparina em sua mente, o capataz Tiburcino dá as mãos para que Das Flores se levante da relva e a abraça carinhosamente e lhe pergunta, sorrateiramente:
- Você ama muito o meu filho não é das Dores?
-Sim Seu Tiburcino, por ele eu dou a minha vida.
- Você sabe que agora a vida do Donato está acabada com este ato impensado dele. E com isso o seu casamento poderá ir por água abaixo.
-Eu sei seu Tiburcino, mas não posso fazer nada.
- Pode sim menina. Basta você assumir a autoria do crime, e assim, a gente ganha tempo para colocar as ideias em ordem e em pouco tempo tiraremos você da cadeia.
-Mas não fui eu Seu Tiburcino!
-Eu sei menina, mas se tu amas o meu filho de verdade e para quem disse que daria a vida por ele, é o mínimo não achas?
-Tá certo seu Tiburcino, eu aceito em nome do nosso amor. Amo por demais o seu filho e não quero que nada de ruim aconteça a ele.
Das Flores jamais imaginava que, ao assumir um crime que não havia cometido, a sua vida se transformaria em um inferno. O próprio Tiburcino em poucos minutos transformaria a vida dela em um inferno, quando resolveu dar prosseguimento na farsa e, trazendo o Clodorindo das Éguas com alguns funcionários da fazenda comandou a prisão da menina e foi o primeiro a dar início na tortura dela dando-lhe dois socos em sua face jogando-a até os ladrilhos da sede da fazenda. O que se viu foi um festival de socos, se não houvesse a intervenção da senhora Clodorindo das Éguas, a Das Dores seria linchada ali mesmo.
No fundo o Tiburcino corrigiu o erro do filho jogando a das Dores no inferno e manteve a sua situação ali na fazenda intacta, já que é o braço direito do Clodorindo das Éguas, e ainda em troca receberia a filha do patrão, meses depois como sua nora, resolveeria de vez a vida do Donato, que passaria a ser um dos herdeiros do coronel Clodorindo das Éguas.
O público em total silêncio encara o Tiburcino e o Donato a espera de uma reação dos dois. Um posicionamento com relação a pequena narrativa do Domício Gramacho.
_ Esta história é mentirosa, e só pode sair da mente de uma assassina que está perdida! O dr. Juiz não pode dar ouvidos a essa presepada! Não há testemunhas além de mim e meu filho! Quem vai acreditar nesta mentirosa? Replica Tiburcino, mas com as mãos trêmulas e suando como alambiques, sem conseguir ficar quieto.
- tenho uma testemunha. Ou melhor duas testemunhas.
As duas testemunhas são dois irmãos pescadores que viram tudo do outro lado do rio. Um deles até quis interferir, mas o outro, quando percebeu a chegada do Donato, que rapidamente munia-se de uma tora de aroeira e deu uma pancada violenta na cabeça do agressor e em razão das farpas, o sangue jorrou cobrindo todo o corpo frágil da menina. Os dois irmãos tinham passado pela Das Dores na beira do rio e, quando estavam proseando com ela, ao perceberem a chegada do Danilo e do Lucas, se afastaram para o outro lado do rio, mas o suficiente para presenciarem tudo. E foi na conversa que o Domicio teve com ela ainda na prisão, que se tomou conhecimento de que os irmãos pudessem ter presenciado tudo.
Como a um passe de mágica, após o testemunho dos irmãos, Donato, tomado de um surto de nervosismo, resolve acabar logo com o martírio:
-Eu não queria matar o Lucas! Eu nem percebi que era ele. Ao ver aquele cara de calças arreadas rasgando as vestes da Das Flores, fiquei cego de ódio com o sangue cobrindo os meus olhos quando me dei por mim, já tinha feito a besteira.
Revoltadas, as pessoas exigem justiça de verdade com a prisão do Donato e do Pai. A reviravolta no caso certamente jogará o futuro político do Clodorindo das Éguas no barranco. O próprio Major Félix, ali mesmo já rompe com o coronel e promete dar toda a ajuda possível para Das Flores e a adota ali mesmo na presença do Juiz da comarca, mas ela revela o desejo de ir embora da cidade. Não há mais clima para ela viver em um lugar que se transformou no seu inferno. Aquelas pessoas que agora estão a favor dela, há poucas horas queriam a sua desgraça total.
Domício Gramacho, depois de fechar a sua Bíblia, faz uma oração agradecendo a Deus, aperta a mão dos dois irmãos que na verdade não são de Correntina. São da Barriguda, nos arredores de São Manoel e conhecem a família do Zé dos Reis, mas como ficaram um tempo fora, trabalhando em Malhada, cidade mineira, não tomaram conhecimento do fato do assassinato e da acusação contra Das Flores, senão já teriam evitado o triste drama dela. E é com eles que ela resolve ir embora de Correntina, para a cidade de Carinhanha a convite do mestre Zé de Patricio que lhe prometeu dar uma vida como se fosse sua filha.
Domício foi aclamado pela multidão que saia aos poucos do Cine Clube Teatro de Correntina. Mestre Iozinho está feliz da vida. A toda hora abraça e aperta a mão do Domício, e não para de lhe agradecer.
- Como você é bom Domício! Você me surpreendeu, surpreendeu a todos e ainda acabou com a prepotência dos poderosos de Correntina. Honrou com galhardia o nome de Santa Maria da Vitória e o nome da família Gramacho. Pelo menos o Erro Judiciário neste caso não se cometeu! E graças a sua inteligência e perspicácia Mestre Domício. Que Deus lhe dê tudo de bom e em dobro.
- Eu só fiz o que o meu coração pediu na busca da verdade. Utilizei como paradigma um conto do grande Presidente Abrão Lincoln que contou uma história verdadeira para salvar um garoto da condenação. Neste caso, tanto quanto no caso dos Estados Unidos, a verdade descoberta foi de muita valia para formular a defesa e acabar em final feliz.
O julgamento da cidade de Correntina teve uma repercussão muito forte no médio São Francisco, no cerrado, no sul do país, nas Minas Gerais. Até escritores de cordéis estão narrando o evento de várias formas e enredos. A consagração do Domício é um fato marcante na sua vida de rábula e graças a Deus que foi ele o escolhido para defender a pobre e bela moça que foi sofrera um linchamento mais político do que do ponto de vista jurídico. O êxito da defesa transformou-se no maior pesadelo dos poderosos do vale das Éguas com relação às eleições da cidade para a Prefeitura de Correntina.
Tal fato melhora em muito a situação da oposição de Santa Maria da Vitória, já que a desobediência do Domício em atender ao pedido de Raimundo Martins da Costa e isso é uma prova bem clara de que se Domício passar para a oposição, a situação do Areias Junior já tão conturbada pelos últimos acontecimentos que tumultuaram a sua vida particular e política, começa a se declinar aos poucos, e já servem de indícios que a sua reeleição está em xeque.