SINOS MUITO ALÉM DE NÓS

Amigo Moncks. Acho que estou escrevendo muita loucura. Mas os teus textos mexem muito comigo. Não consigo nem reler o escrito, tenho que o enviar logo que termino. Sei lá, é tudo muito estranho, acho que dentro de mim existe um espírito que precisa dar o recado ao mundo. Esse cara não sou eu... Abraços. Marilú.

POR UMA TARDE DE JULHO

Joaquim Moncks

(para Pelotas, 201 anos)

Morrer assim

numa tarde de sete de julho

ouvindo “Pour Élise” ao piano.

Morrer assim

quando a cidade esquecida de frio

é um hemisfério de blocos de concreto

lancinantes.

Morrer assim

como falou Wamosy

– a angústia roendo as vísceras.

Morrer assim

como tantas vezes já acontecera.

Morrer por morrer

como fenecem os dias, escondidos

em suas velhas tumbas

sem ritual nem liturgia.

Estranha tarde para morrer

quando o sol se debruça

no azul do pano de fundo.

Morrer insone: a angústia de saber...

Que o agora antecede o amanhã

construindo o hoje?

Morrer em meio ao som da Catedral

batendo sinos neste carrilhão do viver.

Morrer assim, em campanário,

Princesa que desperta

lúcida

– pombinha pousada nos dobrões de ouro

do passado.

– Do livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.

http://www.recantodasletras.com.br/poesias/4316270

“Morrer assim

quando a cidade esquecida de frio

é um hemisfério de blocos de concreto

lancinantes.”

O lirismo de Moncks nos remete a um imaginário poético e pragmático de um acontecer assustador. O tema: a morte continua a nos causar um mal-estar pela incerteza do que virá amanhã. O frio da cidade, o frio do mundo e a indiferença dos seres se misturam simbioticamente, onde as ações acontecem. E a cidade vira um bloco de concreto, igual ao ser humano que se encolhe e se apaga lentamente, pelo medo de encontrar a luz.

“Morrer assim

como falou Wamosy

– a angústia roendo as vísceras.

Morrer assim

como tantas vezes já acontecera.”

O morrer assim, desse fazer poético, é um modo melancólico de entrega, sem dor, sem medo, sem saudade. É o morrer de muitas vidas, que jazem esquecidas, no silêncio de suas próprias tumbas, erguidas pela indiferença e o frio do mundo. O morrer de Wamosy, do poeta que outrora em seu canto, cantou todos os desencantos da vida e da morte.

“Morrer por morrer

como fenecem os dias, escondidos

em suas velhas tumbas

sem ritual nem liturgia.

Estranha tarde para morrer

quando o sol se debruça

no azul do pano de fundo.”

Os dias, as horas, os minutos morrem sem protestos, no silêncio. Nossos ouvidos, cansados de não ouvir o som de um “alô”; a brisa suave de um incentivo ou o murmúrio de uma palavra dizendo: te amo, silenciam.

Morrer mil vezes, em vida, e depois renascer com o sol que se debruça no azul do pano de fundo, para morrer de novo pela ausência do "outro".

Ora a Psicanálise já nos teoriza "... o medo da morte é o medo básico e ao mesmo tempo fonte de todas as nossas realizações: tudo aquilo que fazemos é para transcender a morte.” (Torres,1983)

“Morrer insone: a angústia de saber...

Que o agora antecede o amanhã

construindo o hoje?

Morrer em meio ao som da Catedral

batendo sinos neste carrilhão do viver...”

Construindo o hoje? Será talvez a fórmula do renascer? Do ter? Do ser? Do reconstruir? Do merecer estar vivo? Os sinos dobram... Seriam os sinos nossas respostas, deixadas em branco ao longo da vida? Sinos tocam anunciando vida. Sinos dobram nas dobraduras empoeiradas de um pensamento ensimesmado de dúvidas. A Catedral, o ícone da fé... A esperança do agora, que bem vivido e focado na solidariedade e compreensão, nos preservará de um amanhã às escuras, perdido no vazio do nada.

“Morrer assim, em campanário,

Princesa que desperta

lúcida

– pombinha pousada nos dobrões de ouro

do passado.”

Princesa que desperta lúcida, que consegue superar-se ante tantas e tantas noites frias e geladas, onde sua história fica por vezes esquecida, pela inversão dos valores e de um mundo cibernético que não tem freios, limites ou memória. Uma Princesa que desperta nos braços dos poetas, cantadas em mil versos em todos esses desencontros e retrocessos. Uma princesa contada por prosadores, cantores, artistas plásticos, fotógrafos e historiadores, que revelam o seu amor descrevendo sua história aos quatro cantos do mundo. Uma princesa-rainha que renasce no coração de quem a ama. Morrer, embora seja tão assustador, é uma necessidade que a própria imortalidade nos determina como uma forma de Renascer naqueles que nos antecedem. Marilú Duarte.

– Do livro O IMORTAL ALÉM DE SI PRÓPRIO. Joaquim Moncks / Marilú Duarte, 2013.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/4317044