O olhar místico: a vida é bem mais do que isso que se vê
O olhar místico: a vida é bem mais do que isso que se vê
“[Havia dois gêmeos, um menino e uma menina, tão inteligentes e precoces que, mesmo no útero materno, já conversavam entre si. A menina perguntava ao irmão: “Pra você, haverá vida após o nascimento?”. Ele respondia: “Não seja ridícula. O que faz você pensar que exista algo fora desse espaço estreito e escuro em que nos encontramos? A menina, criando coragem, insistia: “Talvez haja uma mãe, alguém que nos colocou aqui e que vai cuidar de nós.” Ele disse: “Você vê alguma mãe em algum lugar? O que você vê é tudo que existe”. Ela de novo: “Mas você não sente, às vezes, uma pressão no peito que aumenta dia a dia e nos impele para frente?”. “Pensando bem, ele respondeu, é verdade, sinto isso o tempo todo”. “Veja, concluiu, triunfante, a irmã (...), essa dor não pode ser para nada. Eu acho que está nos preparando para algo maior do que este pequeno espaço”.] “
A menina da história nos mostra aquilo que é próprio dos místicos. Os místicos são aqueles que ‘padeceram Deus’ (R. Cantalamessa), são os que ‘participaram e viveram o divino’. Eles são para o mundo “como exploradores que entraram primeiro, secretamente, na Terra Prometida e depois voltaram para contar o que tinham visto - "uma terra que mana leite e mel" - e exortar todo o povo a atravessar o Jordão (cf. Num 14,6-9). Por meio deles, chegam a nós, nesta vida, os primeiros raios da vida eterna.”
Os místicos não são somente aqueles que se retiram do mundo, mas os que se abrem para a vivência profunda do sagrado, que buscam Deus dia e noite, e, certamente, o encontram (Pv 8,17). Eles se abrem para o divino e mostram-No aos outros, apresentam com seus sentidos aquilo que veem pelos olhos da fé. Estão sempre prontos a dar a razão da sua esperança. (1Pe 3,15). Estas pessoas traduzem na sua vida a própria esperança e mostram o sentido do ‘mundo que há de vir’, mas também o sentido da própria vida aqui, da sacralidade desta, como criação divina. “Mesmo na vida humana, não faltam ocasiões nas quais é possível fazer a experiência de uma "outra" dimensão: a paixão, o nascimento do primeiro filho, uma grande alegria. É preciso ajudar as pessoas a abrirem os olhos e reencontrarem a capacidade de surpreender-se.”
Através da nossa experiência com sagrado, precisamos lançar um olhar desacostumado sobre o mundo, esse é o olhar cristão. É um olhar de esperança, de vida e não de morte; um olhar que desmistifica a crença de que as coisas não têm jeito, que as pessoas não mudam ou que o mundo está perdido. Esta é a percepção de mundo que nos circunda e somos tentados a sucumbir a ela, achando que não há nada ‘fora desse espaço estreito e escuro em que nos encontramos’.
O olhar místico contempla o sagrado sem negar o humano, sem disfarçar a dor, a miséria humana e sem se acostumar a ela, mas encontra abrigo em ‘uma pressão no peito que aumenta dia a dia e nos impele para frente’. É a certeza da fé que Deus não só existe, mas também cuida de nós, 'como mãe, como mãe que dorme olhando os filhos, com os olhos na estrada.'
Leandro Gomes