Preocupação atual
Nesse mundo de biotecnologia, são tantas as ofertas para uma vida, supostamente, cada vez melhor, que há pras indicações de bem viver tornam-se verdadeiras próteses subjetivas. As dicas para ter uma boa saúde, ser mais equilibrado emocionalmente, se relacionar melhor, enfim, ser mais feliz prolifera por todos os lugares. Parece que o mundo dos vivos é o mundo dos especialistas, e viver não é mais estar vivo. Pelo contrário, é uma forma de estar e ser no mundo, cuja validade se reconhece submetendo aos muitos conhecimentos especializados cantados e decantados pelos meios de comunicação de massa. É preciso de muitos especialistas para vive.
A mulher já não pare, pois o médico que faz o parto toma um espaço na cena de parir que, mais parece que ele é o agente de bar a luz. A mãe já não se sente segura, se não contar com o auxílio de um grupo de especialistas. È enfermeira para ajudar na amamentação, é pediatra par cuidar da saúde do bebê, é psicólogo para indicar a forma de educar a criança, é pedagogo para conduzir a mais elementar aprendizagem intelectual da criança... e, a mãe, o que faz?
O ser que vive torna-se um objeto olhado por muitos especialistas, que vêm nele diversas coisas e, como, grande parte daquilo que acreditamos ser é formado a partir daquilo que percebemos do que os outros acreditam que nós somos, onde fica a unidade? De que forma a pessoa se autodefine?
De qualquer forma, com maior ou menor dificuldade, terminamos por nos definirmos como algumas coisas dentre as tantas possibilidades que estão no mundo e acreditamos que aquela forma que nos definimos é o nosso eu e, por ele pautamos as nossa ações.
Então, as pessoas são muitas coisas nesse mundo que, de certa forma, lhes são dadas por outrem.
Pois, mesmo que, em última instância seja a pessoa que dá a palavra final sobre aquilo que ela venha a ser (ou é), a forma mais comum das pessoas terem um lugar no mundo é através da atribuição de outro, mesmo que esse lugar muitas vezes, pelo intercurso de especialismos seja um (des) lugar.
Seguindo a lógica de ser pelo lugar que se ocupa no mundo crianças já tiveram o lugar de inocência, alegria e pureza e para o bem (ou para o mal) todos, que não eram crianças diziam que elas não sabiam o que faziam e por elas se responsabilizavam.
Jovens já foram consideradas a confiante promessa de futuro e deles, com paciência, se esperava que amadurecessem para serem tudo de bom, que a promessa gestava. Tinha-se a certeza disso.
Adultos, nessa lógica de época já representaram autonomia, responsabilidade, realização e eles, com satisfação (ou não) ocupavam esse lugar, que sabiam ser deles.
Da mesma forma, os velhos já ocuparam o lugar da sabedoria, autoridade, tradição. Memórias vivas a indicar a direção.
Depois, através da hegemonia desses olhares de fora, os lugares encolherem. A criança virou esperteza. O jovem virou perspicácia, quando não malandragem. O adulto virou cansaço e o velho incapacidade.
Por que lhes trocam os lugares?
Por que lhes dão esses novos lugares?
Com que objetivo seus lugares são encolhidos, trocados?
E, quais são os efeitos dessas operações biotecnológicas?
É claro que essa participação tecnológica na construção (!?) da vida é desejada, reconhecida e o que dela participa da pessoa é sentido como pessoal e, por isso a pessoa, ao se comportar, para afirmar a si mesma, confirma esse estranho que hospeda e tem como parte de si mesma.
Um desses estranhos que habita em nós é a crença na boa memória, entendida como lembrança do que, pelas trolhas dos especialismos lhe foi ensinado.
Não é possível esquecer a principal regra de bem viver, memorizar bem para não esquecer o que é certo fazer...
Para ter saúde física, mental, intelectual, social, espiritual. Até o espiritual da pessoa, nesses últimos tempos tem finalidades temporais específicas e a religiosidade deixou de ser dogmática no sentido, tradicionalmente, conhecido, para ser pedagógico. Agora, Deus, também age por especialidades. É o culto da tranquilidade, da beleza, da prosperidade...
A memória passou a ocupar lugar de destaque para se ocupar bem e melhor os lugares que lhes são destinados à pessoa.
Assim as pessoas ocupam- se em construir a maior memória possível e distraem- se de prestar atenção no que lhes acontecem, pessoalmente e ao seu redor. Locomovem-se muito, mas não caminho, que pressupõe a experiência de mudança especial. Em um mundo povoado de imagens, olham muito, mas vêm pouco ou quase nada. O passarinho voando e vai embora, a flor desabrocha murcha e cai e não vêm..., assim, não têm poesia, beleza e a dimensão estética da vida acontece e não é, se quer, percebida.
Muito ocupados em viver uma vida asséptica e com muito cuidado de guardar uma quantidade enorme de detalhes indicados para conseguir a vida adequada, segundo as últimas novidades da biotecnologia, como comer bem, que quantidade de água beber, quanto exercício monitorado fazer..., o tempo passa, as coisas mudam ou encolhem.
A criança, o jovem, o adulto e o velho, as faixas etárias vitais das pessoas que compõem essa sociedade biotecnológica tiveram seus sentidos reduzidos e passaram a ser vistos de outras formas com as devidas consequências dessas mudanças e, todos estavam tão ocupados com suas memórias que nem perceberam essas mudanças. Na busca da coerência de si mesmas, chegaram a (in) coerência a um (des) lugar.
O velho não tem mais lugar e de mudança em mudança de rótulo para esse fenômeno natural – terceira idade, melhor idade, só lhe resta buscar nos remédios condições para uma vida de consumidor jovial, o adulto dividido entre seguir sendo o responsável, a faixa etária do equilíbrio e ânsia de aproveitar o dia/a vida passa a ser visto como o irresponsável, que não sabe cuidar das gerações, a criança foi enganada pelo rótulo da esperteza que, por ele passou a ser visto como alguém (in) capaz de acatar as orientações dos especialistas, para a qual só resta o caminho de mais especialismos – pílulas, terapias... para que não chegue à faixa etária que mais risco corre nesse mundo especializado, o jovem, a que o cerco do controle desse saberes que prometam uma coisa e dão outra, chegando à especialidade das especialidades – a Justiça, a quem a sociedade tecnológica pede que dê conta do jovem através da redução da maioridade penal.