MAÇONARIA-UMA AVENTURA QUIXOTESCA
Os modernos cavaleiros
Nas Constituições de Anderson não há nenhuma referência à cavalaria como legatária de tradições à maçonaria. Inversamente, Anderson parece acreditar que foi a maçonaria que influenciou a cavalaria e não o contrário. Isso se explica pelo fato de que a maçonaria de Anderson, na verdade, é aquela que vem diretamente das Old Charges, praticante dos ritos herdados dos pedreiros livres, enxertada com algumas tradições de origem gnósticas e herméticas. Na época das Constituições, conforme se deduz do próprio preâmbulo escrito pelo autor, a maçonaria praticava somente o que hoje conhecemos como Loja Simbólica, e seus ritos abrangiam apenas o que chamamos de Grau de Aprendiz e de Companheiro, sendo este último o que modernamente chamamos de Mestre.(1)
Mestre, nas Lojas da época, era apenas o Venerável. Foi mais tarde, com a disseminação da chamada maçonaria escocesa, que os graus superiores foram desenvolvidos, desdobrando-se a Lenda de Hiram e incluindo motivos cavalheirescos, extraídos principalmente das tradições cultivadas pelas Ordens fundadas pelos cavaleiros cruzados durante as lutas pela conquista de Jerusalém.(2)
Criou-se então os graus superiores (Lojas Capitulares, Filosóficas e Administrativas), como estrutura curricular composta de trinta e três graus, que caracteriza hoje as Lojas que praticam o chamado Rito Escocês Antigo e Aceito.
A origem da maçonaria moderna, a que hoje chamamos de especulativa, é muito obscura e nunca foi recenseada a contento. Existe um certo consenso que ela tenha começado em 1717, em Londres, com a união das quatro Lojas londrinas, criando um Grande Oriente, o qual, através de um trabalho de negociação, estabeleceu uma organização para o universo maçônico, até estão esparso e dividido, onde cada grupo praticava o ritual que bem lhe conviesse.
Mas é evidente que, antes dessa sistematização empreendida pelos maçons ingleses, a maçonaria já era uma tradição secular. Isso é evidente pela própria existência dessas Lojas londrinas, que na época da unificação já existiam ha pelo menos cinqüenta anos, e principalmente pela prática, que fora da Inglaterra, já se fazia, das tradições maçônicas.(3)
A maçonaria, dita especulativa, na Inglaterra, parece ter nascido a partir da fundação da chamada Royal Society, famosa associação fundada em 28 de novembro de 1660, para promover o estudo e a divulgação do conhecimento científico. Essa sociedade, que foi patrocinada pelo próprio rei Charles I, contava entre seus membros diversos cientistas famosos, como Robert Boyle, John Evelyn, Robert Hooke, William Petty, John Wallis, John Wilkins, Thomas Willis o famoso arquiteto Christopher Wren e o não menos famoso Isaac Newton, que mais tarde viria a tornar-se-ia seu presidente.
Todos esses senhores eram “cavalheiros” ingleses com títulos nobilárquicos de grande expressão na sociedade inglesa, e sua reunião em uma espécie de “clube” de elite intelectual foi uma consequência do clima vivido na época, onde a Reforma protestante avançava em todos países da Europa e a Igreja Católica atacava com a sua Contra Reforma, numa luta sangrenta pelo controle dos espíritos. Assim, a proposta dos “cavalheiros” ingleses, que era o estudo e o desevolvimento das ciências e das artes, com liberdade de consciência e sem a limitação que as religiões oficiais impunham, ganhou um importante núcleo de aplicação e disseminação nas Lojas maçônicas. E essa ideia, que estava limitada aos cavalheiros da Real Sociedade, e a pouquíssimos intelectuais que lograssem ingresso nesse fechadíssimo clube, espalhou-se pela sociedade inglesa, democratizando e popularizando uma prática que logo iria se tornar um dos mais influentes movimentos culturais do mundo.Logo a maçonaria deixaria de ser um grupo exclusivo de elementos cooptados na elite social para se tornar uma organização de grande apelo popular.(4)
Nasce a nova Cavalaria
A idéia que está na base da maçonaria moderna, dita especulativa, está exatamente nessa cultura de “cavalheirismo”, muito própria da civilização européia. A antiga cavalaria medieval, com seus barões e cavaleiros, e a sua pretensão de nobreza e eletividade dentro de uma sociedade fechada em dogmas de discutível espiritualidade, era uma tradição praticamente morta. Não havia mais cava-leiros, no estilo Don Quixote, que a sociedade pudesse modelar como heróis e defensores dos pobres e oprimidos, e nos quais as virtudes mais nobres dessa sociedade pudesse ser emulada. Assim, a idéia de uma nova “cavalaria”, que congregasse os elementos de escol da sociedade, ou seja, as pessoas de bem, individuos de caráter probo, de bom gosto e costumes morigerados, no dizer do Cavaleiro de Ransay, ganhou terreno entre os ingleses, em fins do século XVII e começo do século XVIII.
Como estrutura organizacional adotou-se a fachada de um clube fechado, com estatutos e regras de uma verdadeira Irmandade, semelhante ás que a Igreja Católica disseminou pelo mundo. E como base cultural foi mantida a tradição dos antigos pedreiros e construtores, tradição essa que já vinha de muitos séculos e comportava elementos de espiritualidade bastante análogos áqueles que os no-vos “cavaleiros” cultuavam em suas crenças particulares.
A identificação da maçonaria com os antigos cavaleiros cruzados, especialmente os templários, os hospitalários e os cavaleiros teutônicos, veio depois, quando a Ordem se espalhou pela Europa e territórios do Novo Mundo, e os autores maçons começaram a produzir uma literatura temática, centrada em mitos e tradições esotéricas e históricas, para fins de mitificar e criar para a maçonaria uma aura de misticismo e mistério.
Em seus primórdios, essa nova maçonaria, chamada especulativa, tinha uma identificação tão gran-de com a tradição cavalheiresca, que o próprio Napoleão, feito maçom aceito por razões pura-mente políticas (como aliás também aconteceu com Dom Pedro I, do Brasil, Frederico Guilherme da Prússia e outras autoridades), ao se referir aos maçons na França, disse que eles gostavam de brincar de cavaleiros. Parece que ele via a maçonaria como uma aventura quixotesca, que não obstante, poderia representar algum perigo para ele, pois que durante todo o tempo do seu governo, manteve os maçons sobre uma estrita vigilância e chegou até a praticar alguns atos repressivos contra a Ordem.(5)
Não obstante, as Lojas maçônicas mostraram ser um bom refúgio para todos os espíritos livres pensadores da época. Não era uma seita religiosa nem um clube político. Intelectuais com idéias religiosas bastante heterodoxas, assim como artesãos, militares, intelectuais amantes da liberdade de expressão, e principalmente pesquisadores das ciencias naturais (alquimistas principalmente), en-contraram na maçonaria o lugar ideal para a livre manifestação de suas idéias, sem o risco de so-frerem represálias, ou serem reprimidos como heréticos.
Não surpreende que, num ambiente assim, tenham nascido idéias religiosas que a religião oficial considerava afrontosas á sua doutrina, tanto que a maçonaria foi colocada no rol das heresias e como tal condenada, tanto por católicos quanto por protestantes. E que tenha sido perseguida por muitos governos, especialmente os de caráter totalitário, pois dentro das Lojas maçõnicas nasceram muitos movimentos e conspirações que influenciaram a história política da maioria das nações ocidentais. (6) (continua)
_______________-
1. Old Charges, literalmente Velhas Regras. Eram documentos manuscritos que instituíam os direitos e deveres dos antigos pedreiros de ofício. Tornaram-se verdadeiros estatutos da chamada maçonaria operativa.
[2] Principalmente a Ordem dos Templários e Ordem dos Hospitalários.
[3] Especialmente na Escócia, onde a Loja Saint Mary Chapel era uma das mais famosas. Essa Loja precede em mais de cem anos os maçons ingleses no costume de ordenar pessoas estranhas ao ofício de construtor como “maçons aceitos”.
[4] O próprio James Anderson, o autor das Constituições, era um insignificante pastor anglicano, que não tinha fortuna nem um nome respeitado na sociedade inglesa. Sua escolha para redigir as Constituições parece ter sido uma aposta pessoal do Duque de Montagu, Primeiro Grão Mestre eleito da maçonaria inglesa na época da unificação.
[5] Jean Palou- A Maçonaria Simbólica e Iniciática, Ed. Pensamento, 1986.
[6] Leia-se, a propósito, o interessante romance de Humberto Ecco, “O Cemitério de Praga”, que se refere ao papel desempenhado pela maçonaria em importantes eventos que marcaram a história moderna. Leia-se também a obra de David Ovason- A Cidade Secreta da Maçonaria, que discorre sobre a atuação dos maçons na história dos Estados Unidos da América
Os modernos cavaleiros
Nas Constituições de Anderson não há nenhuma referência à cavalaria como legatária de tradições à maçonaria. Inversamente, Anderson parece acreditar que foi a maçonaria que influenciou a cavalaria e não o contrário. Isso se explica pelo fato de que a maçonaria de Anderson, na verdade, é aquela que vem diretamente das Old Charges, praticante dos ritos herdados dos pedreiros livres, enxertada com algumas tradições de origem gnósticas e herméticas. Na época das Constituições, conforme se deduz do próprio preâmbulo escrito pelo autor, a maçonaria praticava somente o que hoje conhecemos como Loja Simbólica, e seus ritos abrangiam apenas o que chamamos de Grau de Aprendiz e de Companheiro, sendo este último o que modernamente chamamos de Mestre.(1)
Mestre, nas Lojas da época, era apenas o Venerável. Foi mais tarde, com a disseminação da chamada maçonaria escocesa, que os graus superiores foram desenvolvidos, desdobrando-se a Lenda de Hiram e incluindo motivos cavalheirescos, extraídos principalmente das tradições cultivadas pelas Ordens fundadas pelos cavaleiros cruzados durante as lutas pela conquista de Jerusalém.(2)
Criou-se então os graus superiores (Lojas Capitulares, Filosóficas e Administrativas), como estrutura curricular composta de trinta e três graus, que caracteriza hoje as Lojas que praticam o chamado Rito Escocês Antigo e Aceito.
A origem da maçonaria moderna, a que hoje chamamos de especulativa, é muito obscura e nunca foi recenseada a contento. Existe um certo consenso que ela tenha começado em 1717, em Londres, com a união das quatro Lojas londrinas, criando um Grande Oriente, o qual, através de um trabalho de negociação, estabeleceu uma organização para o universo maçônico, até estão esparso e dividido, onde cada grupo praticava o ritual que bem lhe conviesse.
Mas é evidente que, antes dessa sistematização empreendida pelos maçons ingleses, a maçonaria já era uma tradição secular. Isso é evidente pela própria existência dessas Lojas londrinas, que na época da unificação já existiam ha pelo menos cinqüenta anos, e principalmente pela prática, que fora da Inglaterra, já se fazia, das tradições maçônicas.(3)
A maçonaria, dita especulativa, na Inglaterra, parece ter nascido a partir da fundação da chamada Royal Society, famosa associação fundada em 28 de novembro de 1660, para promover o estudo e a divulgação do conhecimento científico. Essa sociedade, que foi patrocinada pelo próprio rei Charles I, contava entre seus membros diversos cientistas famosos, como Robert Boyle, John Evelyn, Robert Hooke, William Petty, John Wallis, John Wilkins, Thomas Willis o famoso arquiteto Christopher Wren e o não menos famoso Isaac Newton, que mais tarde viria a tornar-se-ia seu presidente.
Todos esses senhores eram “cavalheiros” ingleses com títulos nobilárquicos de grande expressão na sociedade inglesa, e sua reunião em uma espécie de “clube” de elite intelectual foi uma consequência do clima vivido na época, onde a Reforma protestante avançava em todos países da Europa e a Igreja Católica atacava com a sua Contra Reforma, numa luta sangrenta pelo controle dos espíritos. Assim, a proposta dos “cavalheiros” ingleses, que era o estudo e o desevolvimento das ciências e das artes, com liberdade de consciência e sem a limitação que as religiões oficiais impunham, ganhou um importante núcleo de aplicação e disseminação nas Lojas maçônicas. E essa ideia, que estava limitada aos cavalheiros da Real Sociedade, e a pouquíssimos intelectuais que lograssem ingresso nesse fechadíssimo clube, espalhou-se pela sociedade inglesa, democratizando e popularizando uma prática que logo iria se tornar um dos mais influentes movimentos culturais do mundo.Logo a maçonaria deixaria de ser um grupo exclusivo de elementos cooptados na elite social para se tornar uma organização de grande apelo popular.(4)
Nasce a nova Cavalaria
A idéia que está na base da maçonaria moderna, dita especulativa, está exatamente nessa cultura de “cavalheirismo”, muito própria da civilização européia. A antiga cavalaria medieval, com seus barões e cavaleiros, e a sua pretensão de nobreza e eletividade dentro de uma sociedade fechada em dogmas de discutível espiritualidade, era uma tradição praticamente morta. Não havia mais cava-leiros, no estilo Don Quixote, que a sociedade pudesse modelar como heróis e defensores dos pobres e oprimidos, e nos quais as virtudes mais nobres dessa sociedade pudesse ser emulada. Assim, a idéia de uma nova “cavalaria”, que congregasse os elementos de escol da sociedade, ou seja, as pessoas de bem, individuos de caráter probo, de bom gosto e costumes morigerados, no dizer do Cavaleiro de Ransay, ganhou terreno entre os ingleses, em fins do século XVII e começo do século XVIII.
Como estrutura organizacional adotou-se a fachada de um clube fechado, com estatutos e regras de uma verdadeira Irmandade, semelhante ás que a Igreja Católica disseminou pelo mundo. E como base cultural foi mantida a tradição dos antigos pedreiros e construtores, tradição essa que já vinha de muitos séculos e comportava elementos de espiritualidade bastante análogos áqueles que os no-vos “cavaleiros” cultuavam em suas crenças particulares.
A identificação da maçonaria com os antigos cavaleiros cruzados, especialmente os templários, os hospitalários e os cavaleiros teutônicos, veio depois, quando a Ordem se espalhou pela Europa e territórios do Novo Mundo, e os autores maçons começaram a produzir uma literatura temática, centrada em mitos e tradições esotéricas e históricas, para fins de mitificar e criar para a maçonaria uma aura de misticismo e mistério.
Em seus primórdios, essa nova maçonaria, chamada especulativa, tinha uma identificação tão gran-de com a tradição cavalheiresca, que o próprio Napoleão, feito maçom aceito por razões pura-mente políticas (como aliás também aconteceu com Dom Pedro I, do Brasil, Frederico Guilherme da Prússia e outras autoridades), ao se referir aos maçons na França, disse que eles gostavam de brincar de cavaleiros. Parece que ele via a maçonaria como uma aventura quixotesca, que não obstante, poderia representar algum perigo para ele, pois que durante todo o tempo do seu governo, manteve os maçons sobre uma estrita vigilância e chegou até a praticar alguns atos repressivos contra a Ordem.(5)
Não obstante, as Lojas maçônicas mostraram ser um bom refúgio para todos os espíritos livres pensadores da época. Não era uma seita religiosa nem um clube político. Intelectuais com idéias religiosas bastante heterodoxas, assim como artesãos, militares, intelectuais amantes da liberdade de expressão, e principalmente pesquisadores das ciencias naturais (alquimistas principalmente), en-contraram na maçonaria o lugar ideal para a livre manifestação de suas idéias, sem o risco de so-frerem represálias, ou serem reprimidos como heréticos.
Não surpreende que, num ambiente assim, tenham nascido idéias religiosas que a religião oficial considerava afrontosas á sua doutrina, tanto que a maçonaria foi colocada no rol das heresias e como tal condenada, tanto por católicos quanto por protestantes. E que tenha sido perseguida por muitos governos, especialmente os de caráter totalitário, pois dentro das Lojas maçõnicas nasceram muitos movimentos e conspirações que influenciaram a história política da maioria das nações ocidentais. (6) (continua)
_______________-
1. Old Charges, literalmente Velhas Regras. Eram documentos manuscritos que instituíam os direitos e deveres dos antigos pedreiros de ofício. Tornaram-se verdadeiros estatutos da chamada maçonaria operativa.
[2] Principalmente a Ordem dos Templários e Ordem dos Hospitalários.
[3] Especialmente na Escócia, onde a Loja Saint Mary Chapel era uma das mais famosas. Essa Loja precede em mais de cem anos os maçons ingleses no costume de ordenar pessoas estranhas ao ofício de construtor como “maçons aceitos”.
[4] O próprio James Anderson, o autor das Constituições, era um insignificante pastor anglicano, que não tinha fortuna nem um nome respeitado na sociedade inglesa. Sua escolha para redigir as Constituições parece ter sido uma aposta pessoal do Duque de Montagu, Primeiro Grão Mestre eleito da maçonaria inglesa na época da unificação.
[5] Jean Palou- A Maçonaria Simbólica e Iniciática, Ed. Pensamento, 1986.
[6] Leia-se, a propósito, o interessante romance de Humberto Ecco, “O Cemitério de Praga”, que se refere ao papel desempenhado pela maçonaria em importantes eventos que marcaram a história moderna. Leia-se também a obra de David Ovason- A Cidade Secreta da Maçonaria, que discorre sobre a atuação dos maçons na história dos Estados Unidos da América