Totalitarismo de Mercado, Indústria Cultural e a Contracultura
Totalitarismo de Mercado, Indústria Cultural e a Contracultura
O capitalismo transforma todas as coisas em mercadoria. Tudo se torna valor-de-troca e você é o que você tem. A sociedade de consumo cria sempre novas necessidades e temos que comprar mesmo aquilo que não precisamos, consumir bens e serviços que nos façam felizes. É claro que com o capitalismo o acesso à educação e aos bens culturais também se universalizou, mesmo que com diferenças gritantes no tocante à qualidade dos bens e serviços relacionados à educação e à cultura de acordo com o nível de renda. A indústria cultural criou, então, os produtos "gratuitos". Você pode ouvir uma música no rádio sem pagar para ouvi-la, sem ter que comprar o CD. É claro que para isso você é obrigado a engolir toda a publicidade que despejam em você, pois é a publicidade que financia o rádio. O mesmo se dá com a televisão e em escala ampliada. Propagandas nos intervalos e cada vez mais durante os programas televisivos. Os programas, séries, novelas e filmes sugerem determinados produtos e desejos de consumo para induzir os telespectadores-consumidores a comprar o que lhes é sugerido. Mas permanecem certos bens e serviços de luxo, para um público um pouco mais ilustrado, como o teatro e em alguma medida o cinema, embora o cinema se insira ainda mais na esfera do divertimento e tenha um público mais amplo. No entanto, a demanda por aquilo que era mais restrito (como o teatro, por exemplo) tem crescido. Cada vez mais pessoas querem consumir esses bens culturais que são o teatro, o cinema e as apresentações musicais, ainda mais num mundo globalizado em que é possível assistir a shows de bandas, cantores, cantoras, orquestras, grupos musicais em geral de todas as partes do mundo. A juventude exige mais e mais diversão e acesso à "cultura" (ou à cultura da indústria do entretenimento?). Os mais pobres também sentem a necessidade de consumir esses bens e serviços. Os trabalhadores, que passam a ter mais tempo livre, mais tempo de ócio, buscam preencher esse tempo, matar o tempo, com alguma distração e se ela trouxer alguma "cultura" melhor, afinal, tanto a saúde e a felicidade quanto a "ilustração" (no sentido mais limitado e superficial do termo, e não de um conhecimento verdadeiro) se tornaram quase uma obrigação na sociedade contemporânea. Evidentemente, são coisas boas em si mesmas, mas não da forma como são manipuladas pelos donos do poder. A saúde também é um mercado, assim como é a indústria da beleza; existe uma indústria farmacêutica poderosa e inúmeros planos de saúde que vendem saúde e bem-estar numa vida estressante de um mundo de alienação. A educação também se tornou mais um serviço, mais um produto no comércio internacional, especialmente com a proliferação do ensino à distância e com os rankings de qualidade que servem para orientar os educandos-consumidores a escolherem a melhor instituição de ensino e a pagarem mais por isso. Não é diferente no campo da cultura. A luta pela meia-entrada nos espetáculos e espaços culturais se insere num contexto em que cresce a demanda por bens culturais e que a lógica da indústria cultural de ter acesso gratuito aos bens (que é algo ilusório) se ampliou com a internet e especialmente com as redes sociais. O uso das redes sociais é teoricamente gratuito. Ninguém paga nada para utilizar aquele serviço (você paga pelo acesso à internet, mas não para criar um perfil numa rede social). E isso é bom, não é mesmo? O problema é que o produto é você. As suas informações são vendidas a empresas e governos e por isso o acesso é gratuito. Além disso, muitas pessoas contribuem para a divulgação gratuita das empresas, "curtindo" suas postagens. É nesse contexto que se insere a compra de CD´s piratas, a realização de downloads gratuitos e a meia-entrada. Uma velha indústria cultural ultrapassada e decadente luta para não sucumbir ao avanço histórico da técnica e das relações sociais. Mas uma ilusão também é criada nas pessoas de que elas podem ter acesso às coisas de graça, o que é impossível no capitalismo, que é uma sociedade mercantil. A luta por pagar menos é legítima e necessária, pois já passamos do tempo em que os bens culturais são artigos de luxo. A realização de downloads gratuitos também se insere numa lógica de liberdade da informação e de socialização do conhecimento, que é bastante bem-vinda. Mas mesmo isso não basta. O que as pessoas baixam na internet e querem comprar mais barato ainda é o mesmo velho lixo da indústria cultural, pelo qual antes pagavam mais caro. Com o aumento progressivo da publicidade e dos patrocínios, passarão a pagar cada vez menos, mas será (e já é assim) cada vez mais insuportável assistir a qualquer coisa, peça, filme, novela, programa televisivo, de tanta propaganda enfiada goela abaixo. Além disso, essa "arte" é formatada para levar ao consumo (e ao consumo dos produtos e serviços dos patrocinadores). A grande contradição daqueles que reivindicam por um acesso mais barato ou gratuito à cultura é continuarem nos marcos de tudo o que leva o carimbo da Indústria Cultural, da Academia e das Igrejas Católica e Evangélicas. Enquanto isso, vários artistas e intelectuais independentes são deixados de lado, tendo, no máximo, uma palavra de incentivo, mas com poucas pessoas dispostas a pagar pouco que seja pela arte, ciência e filosofia produzidas por aqueles que são da contracultura. A cultura da contracultura morreu. O mesmo se reflete na política, quando poucos são aqueles que contribuem financeiramente com partidos políticos e movimentos sociais, mesmo daqueles dos quais participam, e depois querem reclamar das alianças partidárias fundadas no dinheiro e no tempo de TV, reclamar da corrupção e do financiamento de grandes empresas às candidaturas. Tudo o que vier para reduzir o lucro dos grandes empresários capitalistas e ampliar o acesso das pessoas à informação é bem-vindo. Mas se as pessoas continuam nos marcos ideológicos e estéticos impostos pela classe dominante, isso se torna apenas mas uma ferramenta de dominação e uma arma para esmagar de vez todos aqueles que atuam à margem do sistema e contra ele. A contracultura e a política revolucionária são derrotadas, em última instância, pelos que mais dizem admirá-la, mas que, hipocritamente, se voltam para os especialistas burgueses e para suas marcas, seus bens e serviços e neles encontram a felicidade e o conhecimento que precisam ou pensam precisar.