CORPOS EM CHAMAS
(Sócrates Di Lima)
PARTE I
A madrugada rompia o dia, trazendo na sua bagagem, a névoa fina orvalhada e fria.
As águas do canal urbano cortavam a cidade, fazendo içar de seu leito, uma fumaça esparsa feito neblina, naquela madrugada fria e silenciosa.
Praticamente ninguém ousava aventurar-se nas ruas desertas e misteriosas da pacata cidade do Norte da Capital do Estado de São Paulo.
Não era um inverno qualquer, pois, naquela cidade, raramente se via esta estação do ano tão gélida.
Sob a neblina se via um vulto aparentando feminino caminhar lento e compassado de um lado a outro, como se a espera de alguém.
Ruídos de veículos se ouviam no leito carroçável, ora freadas bruscas, ora aceleradas diante do semáforo que continuava cumprindo sua função.
Curioso para saber o que acontecia nas madrugadas com as mulheres de vida fácil, encontrava-me estacionado junto ao meio fio, numa distância mínima de uns 50 metros da esquina, onde me chamou a atenção e se via aquele corpo exuberante locomovendo-se de um lado ao outro.
Um veículo parava, aquele corpo caminhava, curvava-se, abria-se uma porta e lá se via indo para algum canto, com alguém que nunca havia visto.
Na busca daquilo que me propus a descobrir, permanecia estacionado, aguardando o retorno daquela mulher, o qual poderia ser breve ou demorado. Mas, como aquele era o meu objetivo, pacientemente esperava.
Algum tempo depois, o veículo retornava, ela descia delicadamente, pois, se via suas pernas longas, seu sapato de salto bem alto, fino e aquele corpo erguia-se, prumava no espaço e seguia novamente jogando os quadris de um lado a outro, como se no toque repicado e marcado de um instrumento do tipo tambor.
Outro carro, mais outro, outro, enfim, toda a madrugada daquela noite fria se via aquele corpo que sendo usado por tantos corpos distintos.
Por várias madrugadas estive naquele lugar, observando a vida trabalhosa daquele ser que vendia seu corpo ao público masculino ao preço tabelado de R$ 150,00 por uma hora de prazer e luxuria.
Tive vontade de me dar o prazer de usar daquele corpo como todos que assim fizeram naquelas madrugadas frias e solitárias.
Mas, sempre que pegava a carteira, não tinha a coragem de me dar ao direito a libertinagem.
Meu corpo sedento tinha ânsia, tremia, parecia viciado com a falta de outro corpo.
Mas, me permitia apenas observar.
Não era uma tara, nem mesmo um desvio de conduta aquele meu procedimento, era apenas uma curiosidade em saber como era a vida de uma mulher da vida, especialmente daquela.
Alguns podiam dizer que aquelas mulheres tinham uma vida fácil, mas, enganavam-se, não era nada fácil.
Um dia criei coragem e cheguei até ela.
Encostei o carro no meio fio e a chamei.
Aquele corpo veio apressado, debruçou-se na janela e disse:
- vamos fazer um programinha?
- quanto custa?
- Cento e cinqüenta reais
- Por quanto tempo?
- Uma hora.,
- Completo?
- Menos beijo na boca, me disse num leve sorriso nos lábios.
- Ah!! Assim não, quero beijo na boca.
- Quem sabe, respondeu.
- onde podemos ir?
- onde você quiser.
- entra.
A porta se abriu e aquele corpo entrou e sentou-se no banco do passageiro.
Com as mãos frias ela pegou na minha mão e disse:
Você está com aparência de assustado, o que está pensando?
- Nada, sou assim, esta é minha aparência.
- Ta bom... vou acreditar.
- Vamos sair logo daqui, o tempo vale dinheiro e não podemos perder tempo aqui parado.
- Ta legal.
Dei a partida no veículo e saímos.
No caminho a rapariga , sem qualquer solicitação, ligou o som e começou a tocar um cd do Callument Lobo, em seguida, tirou os sapatos e colocou os pés sobre o painel do veículo...e resmungou:
- que chatice essas musicas, não tem coisa melhor?
- do que você gosta? Perguntei.
- gosto de MPB, não tem ai?
- tenho.
- na porta luvas?
-Sim.
Abriu o porta luvas e pegou o porta CDs e procurou...
- Nossa, tem aqui musica country!!
- sim, gosto desse tipo de musica.
- vou colocar esse aqui..Se referindo ao CD do Alan Jackson.
- Ok, pode colocar.
A musica era balançada e ela se mexia toda no banco onde se encontrava.
De repente, abriu a bolsa e tirou um cigarro.
- Me desculpa, mas, não quero que fume aqui. Interpelei a moça.
- ah!! Deixa de ser chato, é só um baseado.
-O que!! Ta maluca. Nem pensar.
- Ora...como você é careta, vai me dizer que nunca puxou um “ fuminho” .
- Claro que não, não é minha praia. Respondi.
- Vamos logo então, pois, lá no Motel eu fumo o meu baseado.
Imediatamente pisei do freio para parar o carro.
A moça se assustou, quase caiu do banco...
- Você é louco, como para o carro desse jeito.
- Olha, quero deixar uma coisa clara aqui entre nós.
- O que?
- Nada de “ fuminho”, nada de “ baseado”, nem aqui e nem no motel. Estamos entendidos.
- ta certo, também não tem beijo na boca...
- Revanchismo é! É assim que você vê as coisas?
- Não, mas, você quem ta querendo assim.
- Vocês fazem isto com todo mundo que sai?
- Não, é que já está no final da minha jornada e eu to morrendo de vontade.
- Olha, não será dessa vez, ok.
- Ta bom, resmungou.
Durante alguns minutos, ficamos em silêncio, apenas o som do carro.
Quase chegando ao motel, abriu novamente a bolsa e retirou dela, um tubo de vidro pequeno, com um pó branco.
- O que é isto? O que está pretendendo agora?
- Isto aqui é “ coca” “ coca pura” , da boa.
Nesse momento freei o carro subitamente.
- O que foi agora gritou a moça.
- O que foi é que eu não quero isto. Não sou usuário e nem vou permitir que você use isto enquanto estiver comigo.
- Nossa, como você é “ quadrado” .
- A questão nem é esta, é que eu não “ curto” droga alguma, nem cigarro eu fumo “ sacô” .
- Saquei, meu... Respondeu irritada.
(Continua...)