O engajamento social e político em " O Operário em Construção de Vinicius de Moraes".
Epígrafe:
"Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia".
(O operário em construção MORAES, Vinícius de. Nova Antologia Poética. São Paulo, Companhia das Letras, 7ª reimpressão, 2005.)
Segundo Jean-Paul Sartre em seu livro "Que é a literatura?" comenta que a literatura dependendo da forma como for exposta pode engajar-se ou não. Em sua opinião apenas a prosa teria o compromisso com o engajamento social.
Discordo dessa teoria de Sartre, pois a poesia tem suporte para idéias políticas e sociais. Comprovaremos por meio do poema O operário em construção, de Vinicius de Moraes (1956).
" Foi dentro desta compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário...”
Com base na desmistificação da afirmativa de Jean-Paul Sartre nos atentamos para o momento histórico entre 1930 a 1945. Um período rico na produção poética e também na prosa, no qual o universo temático se amplia e os autores passam a se preocupar com o destino dos homens. Entre muitos poetas destaca-se um ‘’poetinha’’de importância ímpar dentro da literatura brasileira. Vinícius de Moraes nasceu no Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1913 morreu Rio de Janeiro, 9 de julho de 1980) foi um diplomata, dramaturgo, jornalista, poeta e compositor brasileiro. Tornou-se referência no quadro da poesia brasileira.
A poesia engajada de Vinícius de Moraes tem como tema da 'questão social', da desigualdade social, do drama social brasileiro, métodos dos autores realistas, do século 19, e início do século 20, onde a arte devia apresentar um olhar mais 'realista' sobre a realidade. A poesia engajada que ousa integrar a linguagem poética com a fala dos oprimidos, dos marginalizados, dos dominados pelo sistema de lucro e exploração. “O Operário em Construção”, exemplo evidente de 'poesia engajada' no sentido de mostrar a arte preocupada com temas de 'realismo social'.
O poema inicia com o papel do operário na construção das coisas e o desconhecimento da importância da sua profissão. Narra, em versos, a alienação verificada na multidão que empilha os tijolos com suor e cimento, inicia com versos cotidianos para encerrar na razão solitária e na perspectiva que constrói um trabalhador e que pode contagiar os demais.
" Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as asas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo,
Que a casa de um homem é
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão".
Viajamos nos versos e aportamos emocionados, em nosso papel no mundo. Somos todos operários em construção que devemos construir o dia-a-dia com tijolos significativos e transformar a realidade num abrigo seguro para os ideais.
O operário, que descobre que a sua pobreza é o que cria a riqueza do patrão, em tal momento de 'epifania' que consegue superar a 'alienação' e ver a totalidade do mundo em formar de 'poesia'.
" Foi dentro dessa compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia".
De repente, o operário constata que ele, um humilde operário, era responsável pelos objetos que estavam em sua mesa e, “tomado de uma súbita emoção”, percebe que era ele quem construía tudo o que existia: “casa, cidade, nação!”. Compreende a força das rudes mãos e a grandeza de ser um operário em construção.
No nível temático, o escritor revela grande preocupação com a problemática social que se instala no espaço. A poesia engajada é instrumento de luta social, o poeta usa da poesia para alcançar seus objetivos. O poema escrito em 1956 descreve o trabalho como base a vida humana, descreve o processo de tomada de consciência de um operário, partindo de uma situação de completa alienação. O poema resulta da elaboração da linguagem, cujo processo de manipulação das palavras é feito com o alvo de obter um determinado efeito e assim, expressar certa visão do real. A poesia fala da própria poesia, fala de contextos sociais.O poeta têm um desejo de 'retratar' os lados antilíricos do cotidiano. A temática política e social foi usada como denúncia social.
Vinícius de Moraes marcou sua passagem com um olhar verdadeiro e uma ampla consciência da condição humana e deixou os versos do seu trajeto para os que querem viver mais do que as alienadas aparências possam trilhar em busca de uma vida mais significativa. Temos sempre de afirmar nossos ideais com a percepção lúcida do operário e não com os olhos dos acovardados pelas circunstâncias ou dos corrompidos pelo poder. A consciência de um trabalhador é algo que jamais pode ser apagada. Com uma linguagem clara e precisa, o poeta transmiti a mensagem direta e objetivamente. Na parte VIII do poema:
Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras seguiram
Muitas outras seguirão
Porém, por imprescindível
Ao edificio em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.
Na construção do texto o poeta vai fazendo associações entre as palavras, construindo imagens e sentidos figurados para as mesmas, e a relação que se estabelece entre estes assuntos e as palavras selecionadas como, agressão, construção,sofrimento e crescia, deixa mais patente no plano da expressão, quanto no plano de enunciado o engajamento político e social do poeta.
Se estilo significa escolha, opção consciente, além de sensibilidade, emoção, inteligência e vontade de se exprimir poeticamente, então não resta dúvidas sobre a visão poética que Vinicius de Moraes proporcionou por meio do poema O Operário em construção. A poesia, portanto, também adquiria caráter agressivo e as palavras, sugestionavam reivindicação de luta contra a ditadura e o totalitarismo da época.
Assim, Vinicius participou desse processo escrevendo O Operário em construção criada como declaração de um engajamento político que contém algumas das criações mais significativas da fase madura do “poetinha”. Portanto, em O Operário em construção, Vinicius observa e narra sua reação diante da dor coletiva e a desgraça do mundo moderno, com mecanismo, materialismo e desumanidade. Essa fase enriqueceu a essencialidade poética e emocional, e, por meio da profunda consciência artística, o poeta atingiu a plenitude.
Referências
MORAES, Vinícius de. Nova Antologia Poética. São Paulo, Companhia das
Letras, 5ª reimpressão, 2006.
BOSI, Alfredo. Vinicius de Moraes. In: Historia Concisa da Literatura Brasileira 41ª Ed.São Paulo Cultrix, 1994,pg. 58-460.
MOISEIS, MASSAUD Historia da Literatura Brasileira (modernismo).São Paulo, Cultrix, 2001,pg. .279- 284.
MORAES, Vinicius Antologia Poética. Seleção Organização Antônio Cícero, Eu Canaã Ferraz. São Paulo Companhia das Letras, 2005, pg. 185-191.
SARTRE, Jean Paul, O que é literatura? Trad.de Carlos Felipe Moisés.São Paulo ,Ática 2004.
Jaiane Cléia Lacerda Oliveira de Melo.
Graduanda em Letras Venáculas da Universidade do Estado da Bahia- UNEB, campus XXI, Ipiaú-Ba.