Capitulo XVII- O Ilustre Eleito dos Quinze
 
A lenda do grau         
   
Cada grau da Loja Capitular tem um título que ilustra o conjunto de conhecimentos iniciáticos que serão ministrados ao Irmão elevado. O grau dez é chamado O Ilustre Eleito dos Quinze, pois da mesma forma que os graus anteriores ele trabalha com alegorias baseadas no simbolismo da Lenda de Hiram Abif, esclarecendo o destino e o castigo dado aos outros dois Jubelos, já que no grau nove, como vimos, um deles foi morto por Johaben. O grau dez tanto pode ser ministrado por comunicação como por elevação. Depende do desenvolvimento curricular de cada Loja. De forma geral, ele tem como finalidade didática desenvolver os seguintes ensinamentos:

- Promover o desenvolvimento moral e espiritual do iniciado, para que ele seja devidamente integrado no seio da sociedade a quem serve, e reconhecido pela Fraternidade á qual pertence.

- Promover o estudo das relações humanas e a melhor forma de implantá-las, tanto internamente, na Ordem, como no mundo profano, em relação á sociedade.

- Reforçar o espírito de vigilância, como foi pregado no grau anterior.

   Como se verá, é no grau dez que será esclarecido o destino dos outros dois Jubelos. A lenda diz que seis meses depois da morte do primeiro assassino, cujo nome era Abiram, Salomão foi informado por um estrangeiro de nome BenGaber, do paradeiro daqueles assassinos. Eles estavam escondidos no país de Gheth, trabalhando numa pedreira. Imediatamente, Salomão convocou quinze Mestres, entre os quais os nove anteriormente eleitos, e os enviou em embaixada, sob o comando de Zerbal, com uma carta ao rei daquele país, solicitando a prisão e a deportação dos criminosos.
   Presos os criminosos, foram eles sentenciados e executados. A iniciação nesse grau é uma representação dessa ação, onde novamente se destaca que a sentença proferida e a execução realizada não tiveram caráter de vingança, mas sim como realização da Justiça. Essa disposição está contida no diálogo mantido entre o M\IL\M\ e Zerbal:
 -Que sucedeu depois? Pergunta o M\IL\M\Por ventura fizestes justiça com as próprias mãos? Pois as evidências que apresentais, trazendo os instrumentos usados pelos criminosos na prática do crime, levam-me a essa suspeita.
Responde Zerbal: - Não, Mui IL\M\, vossa suspeita não é verdadeira. Nós o trouxemos e os colocamos no cárcere, em celas separadas, e dali saíram para enfrentar os juízes no Tribunal. Tiveram um julgamento justo e foram considerados culpados, sendo então executada a sentença contra eles proferida. Por fim, suas cabeças foram decepadas e espetadas nas portas da cidade, para servir de exemplo a outros malfeitores. Os instrumentos por eles usados- o Esquadro e a Régua- aqui estão.

O ensinamento inscrito nessa alegoria é claro: Justiça sim, vingança nunca. Isso porque a justiça é a recompensa que se dá como paga a um comportamento, seja ele mau ou bom, conforme a valoração que a sociedade lhe dá. Se a determinado comportamento, extremamente ofensivo, impossível de ser recomposto pelos violadores, se dá a morte como recompensa por esse ato, essa é a justiça que aquela sociedade definiu para tal caso. A pena de morte, nesse caso, é a forma de Justiça que aquela sociedade elegeu e não cabe a outras pessoas, além dos membros daquela sociedade, discutir se ela é justa ou não.
É claro que á nível conceitual, justamente por se tratar de conceitos, esse é um assunto que merece reflexão. No atual estágio da sociedade é altamente duvidoso que a morte do violador possa se constituir em recompensa eficaz para devolver o equilíbrio da ordem violada. E essa é a diferença que vemos entre a Justiça , como forma de recomposição do equilíbrio da ordem violada e a vingança. Esta última, ditada exclusivamente pelo ódio, constitui exercício arbitrário da razão do ofendido, aplicada sem nenhum critério, sem nenhuma análise e sem nenhum sentido moralizador. Daí essa pena, como forma de recompensa pelo mal feito, acaba se equiparando ao próprio crime que visava punir. Todavia, nas primeiras etapas do desenvolvimento das sociedades humanas, a pena de morte, conhecida como “Pena de Talião” era aceita e reconhecida como eficaz para recompor a ordem social violada.

  A inspiração cavalheira da lenda
    
A finalidade da lenda do grau tem por objetivo demonstrar que não se fere impunemente a ordem social, nem se pratica crimes contra a pessoa, contra natureza ou contra a sociedade, sem que advenha o devido castigo. Há sempre uma punição, cedo ou tarde.
A Loja do grau dez é presidida pelo Três Vezes Poderoso Mestre. Após ter sido cumprida a missão para a qual foram eleitos, os quinze mestres recebem o titulo de Cavaleiros Eleitos dos Quinze, o que mostra, pelo menos na forma de elevação, uma certa influência das regras da Cavalaria medieval, onde os cavaleiros obtinham distinções por serviços prestados ao suzerano. Essa influência se faz sentir também no juramento prestado pelos Mestres elevados, que ao receberem o título do grau, juram  “perante o Grande Arquiteto do Universo e na presença de todos os irmãos, sob a Abóbada de Aço, feita tanto para proteger o leal, como para castigar o perjuro, defender a causa dos oprimidos contra os opressores”. Juram também ser os “paladinos da tolerância contra a intransigência, a manter intacta a instituição maçônica, em qualquer ocasião, quer direta quer indiretamente. Prometem guardar no coração tudo o que  se passou naquela cerimônia e não revelar os segredos que lhe foram confiados”.
Evidentemente um juramento desse escopo não caberia no tempo do Rei Salomão. Juramentos desse tipo eram comuns, no entanto, nas Ordens de Cavalaria medieval, onde o cavaleiro tinha que ser sempre uma espécie de herói a serviço da humanidade, socorrendo os fracos e os oprimidos, galante, corajoso e forte, além de fiel e leal ao seu suzerano e á instituição a qual servia, ou seja, a Santa Madre Igreja.
Essa visão se confirma no encerramento do cerimonial de elevação  do  grau,  quando  o  Presidente  da  Loja,  acompanhado   dos  Vigilantes e do Orador, desembainham as espadas e as erguem sobre a cabeça dos Mestres elevados, exatamente como se fazia nas antigas cerimônias destinadas a armar ou honrar com comendas e distinções os antigos cavaleiros medievais. 
As cabeças decepadas dos Jubelos, encimando as figuras de uma régua, um esquadro e um malho, sugerem ao iniciado que a conduta do maçom deve ser reta como uma régua, equilibrada como um esquadro e firme como um malho. Que todo crime será punido, pois o céu nos julga e o castigo para os criminosos é certo. Por isso é que o sinal do grau lembra a ação de encostar um punhal na garganta de alguém. Esse é um sinal que denota a ação punitiva a que estão sujeitos todos os violadores da lei, todos os criminosos, todos os infiéis. Essa liturgia, por certo, evoca também a execução de Jacques de Molay, último Grão Mestre da Ordem dos Templários, pois segundo a tradição, os responsáveis pela sua execução teriam sido todos punidos de uma forma bastante misteriosa.[1] 

A verdadeira justiça

A missão dos Mestres Eleitos dos Quinze é igual á dos Mestres Eleitos dos Doze: justiçar os assassinos e não promover vingança. Isso porque, para distribuir justiça não é necessário somente saber distinguir o bem do mal, mas também ter a coragem de aplicar as medidas necessárias para separar um do outro. Jesus dizia que se a nossa justiça não fosse capaz de exceder aquela praticada pelos escribas e fariseus, então eles não teriam aprendido nada do que ele havia lhes ensinado. Essa é uma grande verdade, porquanto os escribas e fariseus aplicavam os códigos, interpretando as leis á sua própria maneira, fazendo delas uma forma de ganhar a vida e não um exercício de distribuição de justiça. Por isso Jesus, ao instruir seus discípulos para o exercício da missão evangélica, lhes recomendou que atendessem primeiro ás próprias famílias, (isto é, que praticassem a irmandade); que fossem desapegados dos bens materiais e ganhassem o pão de cada dia com seu trabalho (valoração do trabalho, condenação da ambição desmedida); que não se importasssem com aqueles que não os respeitam (sacudindo o pó das sandálias); que fossem simples como pombas e prudentes como serpentes (pois o mundo é feito de lobos e cordeiros e cada um cumpre uma missão na natureza).  Parece até que Jesus estava descrevendo o que Maçonaria se proporia a pregar dezessete séculos mais tarde, pois esses são exatamente os postulados que a Ordem propaga em seu catecismo curricular.

Cabe ao iniciado na Arte Real, como Eleito dos Quinze, discernir todas essas coisas. Quem merece ser castigado deve ser castigado. Quem merece ser premiado deve ser premiado. Em todo o desenvolvimento do catecismo maçônico, referente aos chamados graus de justiça, o que se tenta transmitir é exatamente uma idéia de regeneração psíquica do homem, através de uma reforma moral nos seus pensamentos e nos seus costumes, reforma essa alcançável através da prática das virtudes maçônicas. 
Esse renascimento equivale ao conhecimento do que é a verdadeira justiça e a sua execução. E nesse conceito estão integradas várias outras questões morais de grande importância, como equidade, critério, parcimônia, discernimento, piedade etc. 

Apenas o ensinamento das Lojas Simbólicas não é suficiente para se atingir esse objetivo, pois o que acontece nesse nível é uma preparação espiritual para um aprendizado superior. Esse aprendizado se completa quando o iniciado entende que a regeneração que nele se processa, pela complementação dos graus hiramiticos, é uma “porta de entrada” para outra etapa de sabedoria, a qual lhe será conferida, ainda nas Lojas de Perfeição, através dos chamados graus salomônicos. Por isso é que,nesses graus, ele aprenderá o verdadeiro significado da palavra justiça e a forma correta de aplicá-la. [2]

 


[1]Segundo uma tradição, Jacques de Molay teria profetizado a morte de Filipe IV, o Belo, e do Papa Clemente V, que foram os principais responsáveis pela dissolução da Ordem dos Templários e pela execução de seus lideres. Esses personagens morreram misteriosamente no espaço de um ano depois da sua execução. Assim, metaforicamente, os Jubelos poderiam ser também os três cavaleiros templários que serviram de testemunhas contra a Ordem e propiciaram aos juízes da Inquisição os motivos para sua extinção. Assim, o teatro representado no grau 10, sobre o julgamento e a execução desses personagens, pode estar se referindo a esse episódio.

[2] A Loja Simbólica equivale aos três primeiros graus (aprendiz, companheiro e mestre); o que chamamos de graus hiramíticos são aqueles que tratam do desenvolvimento iniciático da Lenda de Hiram (graus 4 a 9). Graus salomônicos os que tratam da aplicação da justiça e a organização do Estado,com alegorias  inspiradas  principalmente em histórias do Rei Salomão e a reconstrução de Jerusalém (Graus 10 a 14). 
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 21/03/2013
Reeditado em 21/03/2013
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