A Lenda da Menstruação

Em um passado distante, numa aldeia Karajá às margens do rio Araguaia vivia uma moça virgem filha de um pai extremamente ciumento. O ciúme desse velho índio Karajá era justificado por ser a sua filha a mais bela e atraente mulher de todas as aldeias.

Tentando proteger sua filha de uma vida cheia de problemas o pai determina que aquele que quisesse se casar com ela deveria mostrar seu valor, cumprindo uma série de provas de valentia, coragem e determinação.

O encanto e a beleza da jovem moça eram realmente grandes, o que fez aparecer muitos pretendentes dispostos a encarar os desafios. O pai da bela índia exigia o cumprimento de provas extremamente difíceis, pensando dessa maneira em eliminar todos os concorrentes. Ele pedia para aos interessados demonstrações de força e resistência, como por exemplo: coletar mel de abelhas venenosas, pescar peixes nobres e raros, realizar caçadas na floresta para trazer a cabeça ou a pele de animais selvagens como a onça-pintada e a sucuri. Com a imposição de tais provas, pouco a pouco, o pai da moça fazia com que os competidores desistissem.

No final de um longo período parecia que não haveria ninguém totalmente preparado para casar com a bela índia. Muitos pensavam que ela ficaria solteira pelo resto da vida. Até que certo dia apareceu um jovem índio destemido que estava disposto a cumprir todas as provas impostas pelo pai da moça. Esse jovem índio estava tão apaixonado pela moça que por mais difíceis que fossem as provas sua vontade de casar-se com ela lhe dava forças para cumprir cada um dos desafios. Assim, o pai da moça autoriza o casamento.

No entanto, mal sabia o rapaz que o futuro sogro prepararia um último teste. O sogro capturou um punhado de piranhas vermelhas e colocou dentro do útero da filha, com a intenção de fazer o rapaz desistir de casar com sua filha.

Ao saber da notícia o jovem índio fica bastante preocupado. Assim ele é aconselhado por um amigo a procurar ajuda com o pajé da tribo, que lhe orienta a usar uma poção especial feita com uma planta venenosa para matar as ferozes piranhas.

O jovem prepara a bebida e dá para que a índia beba. Dessa maneira, ele consegue matar quase todas as piranhas, de forma que fica restando apenas uma pequenina no útero da moça.

Essa piranha ainda hoje está presente no útero de todas as mulheres e de tempos em tempos fica agitada. Quando isso ocorre, a piranha morde as paredes do útero causando dores e sangramento na mulher, ocasionando assim a menstruação.

Durante o período da menstruação as mulheres perdem sangue e ficam fracas. Por isso elas devem descansar e cuidar para não adoecer. Os homens devem ficar distantes das mulheres, pois caso eles resolvam namorar podem ser atacados pela pequena piranha.

Nesse período as mulheres não podem consumir alimentos de origem animal, especialmente as carnes, pois a presença do sangue nas carnes estimula a agressividade da piranha ocasionando inúmeros problemas de saúde.

Para os índios Karajá quando uma jovem sente pela primeira vez o ataque da piranha, sofrendo perda de sangue, isso é um sinal do começo de uma nova fase. Nesse momento toda aldeia fica sabendo que ela deixou de ser uma criança para se tornar uma mulher. A partir daí a jovem índia passa a ter uma posição diferente na aldeia, adquirindo novos direitos e deveres. Com esse acontecimento todos sabem que ela está pronta para se casar e formar sua própria família.

Para muitos de nós acostumados com informações técnicas e científicas cheias de embasamentos teóricos complexos podemos achar uma bobagem, e até mesmo absurdo, tal explicação para a origem da menstruação. Os médicos e cientistas têm outra explicação para o que acontece no corpo da mulher durante esse período. Mas conforme sabemos as lendas estão cheias de informações que podem passar despercebidas para aqueles que não conhecem bem a realidade de certa comunidade.

O mais curioso desse mito é que ele não busca somente explicar a origem de um fenômeno fisiológico, que fala do funcionamento do corpo feminino, pois trata também de inúmeros elementos que justificam as relações e o modo de vida dos índios Karajá.

A história da sociedade, o casamento e as relações amorosas entre os Karajá tiveram início com a aliança firmada entre o marido e o sogro. Desde então, o genro deve pagar um preço ao sogro pela esposa desejada. E o futuro marido deve deixar a casa de seus pais e passar a morar na casa do sogro. Esse aspecto é importante, pois diferencia os Karajá de inúmeros grupos indígenas e de outros povos. No nosso caso, a mulher é quem geralmente deixa a casa dos pais e passa a integrar a família do futuro marido. Um forte reflexo disso é que a mulher passa a carregar o sobrenome do marido, diferentemente dos genros Karajá que passam a integrar a família dos sogros.

Ao conhecermos os valores e costumes de outros povos podemos refletir sobre o nosso próprio modo de vida e passar a respeitar melhor aqueles que são diferentes de nós.

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Publicado no Jornal Mesa de Bar News, edição n. 496, p. 15, de 18/03/2013. Gurupi - Estado do Tocantins.

Giovanni Salera Júnior

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Giovanni Salera Júnior
Enviado por Giovanni Salera Júnior em 07/03/2013
Reeditado em 21/04/2013
Código do texto: T4176272
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