A Magia dos Contos: Breve Comentário

O que me fascina nos contos é justamente a arte de, num breve texto, fazer caber várias situações ou cenas, a arte de encapsular várias histórias numa narrativa maior. Nos minimalistas, então, onde não podemos dispor de detalhadas descrições, grande é o esforço para se chegar a um texto com tais características. Cito um exemplo que, por ser minimalista, cabe perfeitamente aqui. Vamos a ele:

UM ESTRANHO NO ESPELHO – Por Dolce Vita (1) – Texto usado com a gentil permissão da autora.

O pesadelo se repete. Acordo no meio da noite com os gritos. A culpa é toda do meu irmão. Gostaria que ele fosse normal, e parasse de ver coisas que não existem. No mês passado, enquanto fazia a barba, ele apareceu com aquela conversa sem pé nem cabeça. Teodoro jura que enxerga outra imagem quando eu estou diante do espelho. Ele diz ver o homem que eu poderia ter sido, e não fui. E não para por aí. Essa tal imagem sai do espelho para visitá-lo a qualquer hora do dia. E ainda conversam como dois amigos de infância. Sinto tanta raiva de tamanha loucura que até perdi a vontade de olhar pra cara dele. Mas é recíproco. Hoje meu irmão prefere a companhia desse outro eu.

(1) http://www.recantodasletras.com.br/microcontos/4017693

O que me fez gostar desta narrativa foi justamente a forma ‘solta’ como os personagens foram dispostos, o que não significa que apareceram como que ‘jogados’ no texto, sem planejamento algum. Muito pelo contrário, aí vejo o trabalho: no uso competente da ‘indefinição’ para gerar diversas possibilidades, coerentes, de interpretação ao leitor. O narrador se esconde jogando com os questionamentos típicos do tema — o “eu no espelho’ — e referências flexíveis a nomes, pessoas e pronomes, de modo a não prender o leitor numa interpretação só, o que muito se deseja em contos, aliás. Não gosto de narrativas fáceis, óbvias, explícitas, salvo algumas exceções. Prefiro narrativas que me mostrem as peças, dêem-me o mínimo de cola e muito espaço para encaixá-las com minha imaginação. Vai ver por isso eu amo as histórias de Cortázar, mas não foi ‘pulando amarelinha’ com ele que aprendi a dele gostar, porém viajando nas entrelinhas de ‘La autopista del sur’, conto que aqui aproveito para 'mui bien' recomendar.

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