saudades, Alfredo

Era frio, escuro e chovia muito. Tu estavas a esperar por algum plano de Deus, alguém que cruzasse teu caminho, mas não era qualquer ser. Tantos passaram, tantos nem olharam, alguns provavelmente desprezaram, até feriram.

Eu estava voltando de um dia normal, a caminho de casa. Meus olhos não puderam conter a cena, te olhei com o coração, na hora pude conceber teu desespero, intuir a tua dor no meio da rua sozinho, desabrigado, desprotegido, faminto. Tu logo correspondeu, retribuiu os olhares e por detrás daquele pavor, vi um amigo doce que suplicava socorro.

Já em casa alimentado e quente, limpei todos os teus machucados um a um. Te fiz carinho e por horas fiquei te observando. Quis acreditar que tinha fugido, se perdido, que estava desaparecido. Nos dias posteriores, procuramos o seu dono e quando já cansadas desistimos, o que encontramos foi uma história de abandono muito dolorosa.

Ao te conhecer, todos perguntavam a mesma coisa: "Natália, mais um?" Alfredo, para mim tu jamais foi apenas "MAIS UM".

Contigo aprendi que mesmo com o coração comprometido, dores na coluna, tumores incontáveis, pulmões com respirações contadas, é possível ser feliz com apenas um pedaço de churrasco para roer.

Contigo puder perceber que devo tomar mais cuidado, que o mundo poder ser mais perigoso, pior e cruel, que a maldade das pessoas não encontra limites, que é desmedida.

E apesar de toda dor, abandono, atrocidade tu portavas um coração doce, com tudo que a vida te trouxe, ainda tinhas carinho e amor a oferecer. Enquanto a raça humana se alimenta e se farta de rancor por qualquer coisa, tu, que chamam de "irracional", sofreste tanto e viveu ali grato pelos poucos meses, demonstrando sempre um afeto casto, puro.

Cada dia que acordávamos, sabíamos... mais uma luta vencida. Foste combatente, um incansável lutador.

Hoje ainda olhei a tua caminha, teu prato de comida, enchi tua água, esperei teu latido, não havia ninguém a me receber, ninguém estava esperando eu abrir a porta...Derramei lágrimas, tu tinhas ido.

Em mim, teus olhos naquela mesa, o olhar de quem depositava toda confiança na minha difícil decisão, seja lá qual fosse ela.

Então te deixei com um beijo na testa e carreguei toda minha dor. Contigo, só a minha paz e a minha gratificação por ter cruzado meu caminho.

Alfredo, a batalha terminou. A dor, o sofrimento físico ficou aqui. Além de saudades, só alegrias. Vá, vá em paz.

Sem conter lágrimas, presto aqui a minha homenagem a este bichinho que foi para mim um exemplo da crueldade humana, mas acima de tudo, lição de amor incondicional.

zn
Enviado por zn em 22/02/2013
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