Ensaio sobre a loucura

O que é loucura? Quem são os loucos? Por que são loucos? O que causa a loucura? Tem cura? Há tipos de loucura? Quais? Todas essas perguntas pretendem ser respondidas nesse ensaio.

A loucura ou insânia é uma condição mental de um sujeito que perdeu a razão. A razão (do latim ratio, do grego, lógos) é a faculdade mental que nos proporciona a habilidade de duvidar, ponderar, criar e denominar abstrações e está intimamente relacionada com a nossa linguagem; em suma, é o que nos proporciona pensar intelectivamente. Um louco, ou um insano, é o sujeito que perdeu essa capacidade por algum motivo, não no geral, mas perdeu a capacidade de raciocinar sobre algo ou alguém, tendo certeza de sua existência.

Agora, a terceira pergunta é especialmente intrigante: por que são loucos? Ou melhor dizendo, por que os loucos são loucos? É deveras fácil definir a loucura e, nem tão difícil também, denominar alguém como louco, mas o que realmente é difícil é saber o porquê de ser louco. Para falar sobre isso, devemos primeiro investigar a nossa mente e o nosso cérebro.

Primeiramente, o cérebro e a mente são coisas diferentes. O cérebro é o principal órgão central do sistema nervoso, responsável por armazenamento de dados, contrações sensitivas do corpo e processamento de informações. Basicamente, não é algo que nos diferencia, em primeiro momento, de muitos animais. No entanto, a mente é diferente. No latim temos várias palavras para ela (ratio, mens, animi, anima, animus, spiritus, etc…), delas derivam as nossas palavras mente, alma, razão e espírito. Para vários filósofos atuantes na epistemologia, temos diferenciações entre alma e espírito, por exemplo. Mas como não é o objetivo me alongar nesse aspecto, podemos dizer que todos eles estão associados às nossas habilidades mentais. A nossa mente nos proporciona coisas que, pelo menos, pelo que atualmente se sabe, o cérebro não possui. Aqui apresentarei um modelo menta: acredito que a mente nos concede, em suma, quatro faculdades essências que nos habilitam de ser um Sujeito. São elas: Razão, Consciência, Emoção e Linguagem. Já foi explicado o que é a razão, para não me alongar, é uma faculdade responsável pelo nosso pensar; A Consciência é a faculdade que torna-nos capazes de ver imagens das coisas, isto é, saber que identificamos as coisas, saber que sabemos - basicamente isso -; a Emoção é o que nos fornece a capacidade de ser um sujeito semântico, ou seja, que não vê apenas sentidos sintáticos e mecânicos nas coisas, não agimos apenas como máquinas, nos temos sensações metafísicas das coisas e, se temos, é por causa da Emoção; por último, a Linguagem é a faculdade mental que nos permite criar, pensar com e aprender comunicações complexas e metafísicas. Não estou aqui para resolver os problemas cérebro-mente/corpo-mente, ou seja, se a mente está no cérebro ou não está, o porquê que um humano tem espírito, o que acontece com o espírito, ou coisa parecida. Não, estou interessado no processamento da loucura em nossas mentes. Então vamos esclarecer algumas coisas sobre essas faculdades mentais:

¬ Razão é diferente de processamento

Um computador é um processador, mas apenas computam, mas não questiona, ele tem uma ordem pronta para estabelecer as categorias dos dados, o homem cria a própria ordem que vai categorizar as coisas, isso porque possui a razão.

¬ Consciência é diferente de saber

Um robô pode ser programado para fechar as mãos quando sente que um copo toca as suas mãos. Nesse sentido, ele “sabe” que o copo está em suas mãos, mas ele não sabe que sabe. Ou seja, ele não tem ciência do que sabe e sente. Basicamente é isso, consciência é saber que sabe.

¬ Emoção é diferente de Sensação que é diferente de Sentimento

Quando um sensor de micro-ondas identifica fogo dentro de seu estabelecimento, ele “sente” o fogo. No entanto, isso nada tem haver com a Emoção. Quando um humano convive muito tempo com outro humano e cria um sentimento de “amor” para com o outro, isso é um sentimento - ou seja, sentimento é uma sensação mental (sentimento = sentir + mente) criada pela nossa mente pelo uso da razão e da emoção -, mas não é a Emoção em si. A emoção é algo que nos permite apreender e identificar sensações metafísicas nas coisas. Darei um exemplo: se eu colocar o meu soneto “Dor Oculta” (que é uma das minhas poesias mais expressivas e também mais ilustrativas dos meus sentimentos) em um computador qualquer, dentro de um programa de análise intertextual, ele só vai conseguir analisar esse meu poema sintaticamente e vai resolver, de certo, muitos problemas lexicais e até é possível que consiga descrever parte das expressões que estão na poesia, inclusive descrições semânticas. No entanto, ele não vai sentir qualquer Emoção dessa poesia, não só porque ele não tem consciência, mas porque ele não sente metafisicamente, ele apenas sente mecanicamente, fisicamente. Com efeito, a emoção é o que nos permite apreender sentidos metafísicos das coisas. E é porque eu tenho Emoção que eu consigo chorar ao ouvir a Sinfonia no. 2 de Mahler, por exemplo, porque eu não a ouço apenas mecanicamente e sintaticamente, não, eu a sinto profundamente.

Eu alonguei mais a minha explicação quanto a Emoção, porque é daí que eu derivo o motivo de alguém ser louco. O porquê de alguém ser louco está na Emoção. Além de nos apresentarmos como seres racionais, conseguindo ponderar sobre o que é ou não é mais sensato se fazer, também agimos por impulsos físicos e, sobretudo, por sentimentos e por Emoção. Nós criamos sentimentos como o amor ou o ódio, ou entramos em depressões ou adquirimos transtornos mentais diversos, como a síndrome de Espanca, porque justificamos um dogma (isto é, uma certeza) na existência de uma sensação nossa. A partir do momento que se tem certeza de alguma sensação que compreende parte da tua existência, como o amor, já se pode dizer que esse Sujeito está parcialmente louco.

Com isso, já respondi o que causa a loucura, mas ainda não está claro o porquê de um louco ser louco. É fácil perceber que essa pergunta é a mais difícil. Ora, se um humano é racional e pode controlar relativamente suas emoções e sensações, ponderar sobre elas, por que raios ele iria criar um dogma que o condenaria a loucura? A minha resposta é bem existencialista mesmo, para dar sentido à sua existência. O filósofo francês, Jean-Paul Sartre no “Ser e o Nada” mostra como a consciência humana é um movimento, é um ser para-si, mas que não tem essência alguma. E é por isso que ele fala que a “a existência precede a essência” (existence précède l’essence). Recuperando as bases do existencialismo, o porquê de um sujeito se tornar louco, esta aí! Significado próprio! Motivo para existir! Um humano não tem um motivo exato para existir, como um computador. Não! Ele deve criar o próprio motivo pelo que existe, o próprio motivo pelo que faz as coisas, ele cria o porquê de fazer as coisas e é assim que ele cria dogmas para embasar o que faz e o porquê que faz algo. É claro que esse dogma pode acarretar em problemas mentais e é assim que surgem fobias, transtornos mentais e, inclusive, algumas síndromes.

Perceba que chegamos a uma conclusão totalmente inesperada! Se nenhuma consciência humana possui uma essência que lhe é própria, se não possui nenhum sentido de existência que lhe é intrínseco, significa, assustadoramente, ou não, que todos, sem exceção, todos os humanos são loucos. Todos são loucos porque todos criam um motivo próprio para sua existência e caso eles não tenham esse motivo, ou não consigam construir um, eles cairão em depressões cada vez mais profundas até que possa levar ao suicídio. Esse é o motivo pelo qual alguém pode se matar após morrer o marido ou perder a família, por exemplo. Pois esses eram motivos para a sua existência e, na falta deles, se matam. Mas perceba que ele não se matou por loucura, muito pelo contrário, ele se matou por falta de loucura! Ou seja, por falta de agarrar a sua capacidade racional em alguma emoção inventada, algum propósito. Sem propósito para raciocinar, sua mente pensa voando sem ter um chão, sem ter propósito. A sua consciência o faz lembrar que não há motivo para existir. E uma mente racional, consciente e linguística, mas vazia de um sentido emocional, está condenada a morte, amenos que um filósofo clínico ou um psicólogo a ajude a criar uma emoção satisfatória para sua existência, recuperando, assim, a sua vitalidade mental.

Bom, com isso eu explico o porquê da loucura e também se ela tem cura. Vamos para a última questão, quais são os tipos de loucura:

Um filósofo grego, talvez o mais conhecido, Sócrates, dividia a loucura em quatro tipos: loucura profética ou oracular (a que diagnostica casos de sujeitos que se comunicam com o além, com os mortos, com coisas que não existem na realidade, etc…); loucura ritualística (a que compreende casos de pessoas que parecem ser possuídas por alguma coisa ou Dor profunda, começa a dançar, pular ou agir sem sentido algum); loucura afrodisíaca ou amorosa (é não utilização da razão para o relacionamento com outra pessoa, fazendo coisas sem sentido por amor); e a loucura poética (que é quando a pessoa deixa de questionar racionalmente o que faz para fazer simplesmente por expressividade poética. Exemplo: sair de madrugada para fumar cigarro porque considera expressivo e poético, e não por racionalmente achar uma coisa útil ou saudável de se fazer). Descrevi essa divisão, pois, por mais que seja bastante antiga na filosofia, eu concordo com ela. Mas deve-se ressaltar que todos esses tipos de loucura são decorrentes de dogmas criados, de propósitos criados. O louco que vê ou ouve algo que não existe, ele tem certeza de que existe tal coisa, e por isso que ele o vê e escuta. O louco que perde o controle do que faz perante o que ama, faz isso porque tem certeza de que o amor existe. E, no último caso, faz coisas poéticas porque tem certeza que existe a poeticidade nas coisas que faz; em suma, a loucura pode ser categoriza por diferentes modos a que se apresenta, mas o que constitui em si a loucura, é a certeza. Se o homem não tivesse certeza das coisas, não seriam loucos, mas isso é impossível. Eles sempre irão criar certezas para fundamentar suas ações, uma vez que não tenha sentido próprio intrínseco para sua própria existência.

Com isso, termino esse ensaio, feliz por conseguir responder todas as primeiras questões apresentadas e concluindo, sobretudo, que todas as pessoas são, de fato, loucas. O que é, pois, “curado” no louco, não é sua loucura, o homem sempre foi e sempre será louco, mas sim o modo de loucura. Com efeito, um psicólogo ou filósofo clínico ajuda uma pessoa a achar propósitos de existência que não prejudique sua estabilidade mental, e não o que comumente se acredita: “curar a loucura”. Um psicólogo ou filósofo é tão louco quanto o seu paciente. Aliás, só um louco entenderia outro louco.

Vitor Costa
Enviado por Vitor Costa em 13/02/2013
Código do texto: T4137228
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.