Ensaio sobre o ovo e a galinha: uma nova proposta

Para quem olha para o título desse ensaio e acha que essa pergunta não pode ser respondida e/ou acha que não há nexo em levar isso a sério, eu discordo, e estou pronto para analisar filosoficamente esta questão:

Primeiramente, essa pergunta surgiu para opor duas teses modernas e frequentemente antagônicas, evolucionismo e criacionismo (importante lembrar que não são todos os evolucionistas que pensam da mesma forma e nem todos os criacionistas, aliás, eu mesmo sou evolucionista). A questão que está em jogo é, se a galinha nasceu do ovo, mas o ovo é colocado pela galinha, “quem veio primeiro? O ovo ou a Galinha?” (lembrando que não estamos falando de qualquer ovo, mas de um ovo de galinha).

Deduz-se que estamos falando de um ovo de galinha. Pois falar de “ovo” em geral pode ser um ovo de muitos tipos de aves, aliás, possivelmente, para falar dos primeiros ovos, voltaríamos nos ovos de dinossauros que estão longe de ser uma galinha (pois estes são ovos muito mais antigos que os de galinha).

Normalmente a resposta de um evolucionista seria: primeiro veio o ovo, pois precisa haver uma formação de um ser vivo, ele não pode nascer espontaneamente ou já completamente formado. Conclui-se que existiu um ancestral galináceo que pôs um ovo suficientemente mutante - uso mutante do grego; “metallagí” que considera uma alteração física ou metafísica em uma composição acidental, pode acontecer, pela teoria da evolução, por uma mutação condicional genética ou por seleção natural (evidentemente, uma mudança gradativa) - na qual resultou no que viríamos a chamar de “primeira galinha”.

A resposta de um criacionista é bastante corrente: primeiro veio a galinha, Deus quando criou o mundo, criou animais e não coisas nas quais se tornariam animais. Não faria qualquer sentido, sendo ele um ser criador, não criar a coisa mesma, mas habilitá-la de um meio donde se originar.

O que eu pretendo mostrar aqui é que as duas respostas não são as únicas e, pelo ponto de vista ontológico, pode se dizer que são incompletas. Ambas chegam perto de alguma forma, mas não totalmente. A primeira tem uma falha conceitual ontológica e a segunda simplesmente não considera os fatores de mutabilidade das espécies.

Aristóteles foi um dos precursores da ontologia clássica e uma das suas mais fundamentais contribuições foi perceber que as coisas mesmas são constituídas de Potência e Ato (dynatótita kai pragmatikótita); Ato é a coisa mesma, potência é no que ela pode se tornar. Daí, podemos intuir que o ovo de galinha é “uma galinha em potência”, e a galinha é a “galinha em ato”; isto é, é a galinha em si mesma. Nesse sentido, um ovo não existe para nenhum motivo senão o de se tornar uma galinha (todos os outras funções que podem decorrer de um ovo, como ser comido ou ser mal formado, são potências acidentais e não decorrentes da função pela qual o ovo é feito), esse é o fim dele, pois é uma galinha em potência (assim como uma semente é árvore em potência). Do outro lado, temos um animal chamado galinha que de modo algum é uma mera potência, além do que, uma galinha não existe só para dar ovos. Elas dão ovos para se reproduzirem, mas elas em si mesmas já são a espécie do animal na qual come, dorme, caminha, enfim, sobrevive. Não significa, contudo, que o ovo é precisamente uma futura galinha, não, o ovo é “potencialmente” uma galinha, ou seja, ele pode vir a ser uma galinha, e existe para isso. A galinha não existe para dar ovo, ela já é a coisa mesma e o ovo é só um meio de se reproduzir.

Com efeito, conseguimos derivar que para existir um ovo de galinha é preciso que haja uma galinha, na qual será o Ato que vai se reproduzir. Bom lembrar que, antes de se reproduzir, a galinha tem um propósito maior, sobreviver. Dessa feita, independente de que, e mesmo que a galinha tenha um propósito de existência, como “sobreviver” ou “procriar”, já é a forma constituída do que estamos falando aqui “ovo” e “galinha”, uma vez que galinhas põe ovos, não viram ovos, mas a recíproca é verdadeira. Resumindo: Potência de X origina Ato X se, e somente se, já existir o Ato X para ser reproduzido/potenciado. No caso: Potência -> Ato -/- Potência (Ato precede potência).

No entanto, não quero, com isso, desprivilegiar o evolucionismo e pretendo já esclarecer qual é o problema em tal tese, referente ao que aqui proponho com a ontologia clássica. É claramente entendível que é preciso que a galinha venha de algo na qual se formou, no entanto, esse ovo na qual ela veio não é um ovo de galinha, o ovo de galinha é o ovo que foi posto pela primeira galinha. Podia-se simplesmente argumentar: “mas a galinha veio dele”, mas não importa. Este foi, pois, o ovo que deu origem a primeira galinha, era um ovo com algumas irregularidades em relação aos ancestrais, com padrões suficientes para dar origem à primeira galinha e não era ele mesmo suficientemente um ovo de galinha, pois não veio de uma, mesmo que seja semelhante ao ponto de originar a mesma. Perceba que o problema com a primeira tese era simplesmente conceitual. Outrossim, parece que essa tese evolucionista praticamente desconsiderou a ontologia clássica, como pode haver reprodução de um ato que não existe? Uma potência (como um ovo ou uma semente) não é nada mais que um modo de reproduzir um Ato que já existia. Já a segunda tese, apesar de chegar à mesma conclusão que a minha proposta, ela não deu satisfações para a mutabilidade do ovo e considerou um design inteligente, sem que o tenha antes deduzido, para fundamentar sua tese.

Concluindo, parece que chegamos a uma alternativa razoável que satisfaz a teoria evolucionista e também a conclusão criacionista, mostrando que é possível derivar uma conclusão partida de premissas ontológicas que favorecem ambas as teses de modo que se cruzem em uma só.

Vitor Costa
Enviado por Vitor Costa em 07/02/2013
Reeditado em 08/02/2013
Código do texto: T4128598
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