Como se o mundo fosse acabar amanhã

Quando nós somos jovens usar a flexibilidade de nosso corpo é algo muito natural, assim como achamos naturalíssimo sermos fortes e cheios de vigor...

No entanto, quando entramos na seara do pensar, do planejar, já não vemos com tanta naturalidade assim quando estamos plenos de viço e sonhos, lá pelos nossos dourados vinte ou trinta anos de vida. Pensar, diria um jovem habitante dessa faixa etária, é coisa para velhos.

A Roda da Fortuna gira e aquele jovem que transbordava de energia atinge a agourenta casa dos quarenta, cinquenta anos de idade, casa em que pensar se torna muito mais natural do que gastar energia perdulariamente, já que o nosso antigo militante de alguma juventude transviada tão em voga em nossos momentos mais vistosos, não dispõe de tanto crédito assim no quesito vigor físico, visto que ostenta, como um adorno indesejado, uma próspera barriguinha (no mais das vezes mais próspera do que “inha”...) e pouca ou nenhuma disposição para os folguedos de outrora.

O conjunto humano perfeito seria composto de um jovem que se utilizasse mais da capacidade de pensar, de ponderar, já que força e disposição ele tem às pencas, ou de um homem amadurecido, experiente, e que conseguiu ao longo da vida preservar (e até renovar) o seu cabedal de energia, algo perfeitamente possível nesse Admirável Mundo Novo em que tantos recursos materiais, e também filosóficos, nos são colocados para usufruir.

Pessoalmente eu acho muito bonito um jovem casal, macho e fêmea da espécie humana, planejando a sua vida, projetando trilhos seguros para encaminhar seus sonhos...

Mas, vejo como imbatível esse mesmo casal formado de homem e mulher maduros, os dois capazes de tecer intricados exercícios retóricos, de discutir sobre a perfeição ou não de uma determinada estrofe de Camões escolhida ao acaso, e, ao mesmo tempo, de se amarem apaixonadamente, nus e belos como vieram ao mundo.

E enquanto a chuva torrencial salpica de respingos a janela desse casal singular, os dois tocando-se com a inocente incredulidade dos ébrios, dissolvem-se antropofagicamente um no outro, como se o mundo fosse acabar amanhã.

Terra dos Sonhos, manhã de Terça-Feira, Lua Decrescente de Início de Fevereiro de 2013.

João Bosco

Aprendiz de Poeta
Enviado por Aprendiz de Poeta em 05/02/2013
Reeditado em 20/01/2021
Código do texto: T4124583
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