Quem de utopia vive de desespero não morre

A primeira questão para se discutir a questão da utopia é a definição do que significa tempo. Em grego há dois conceitos: o primeiro é Chronos, o tempo que pode ser contado, dominado e previsto; o segundo é kairós, que é o tempo da vida, o tempo certo para as coisas acontecerem, o tempo misterioso que ainda não é mais vai chegar. A utopia se realiza no kairós, pois sendo ela um “não-lugar”, indica que não se chega em definitivo, mas se constrói gradualmente.

Uma questão importante é que todas as grandes coisas da humanidade que hoje existem nasceram da utopia, e para citar um exemplo simples podemos falar do telefone celular. Este instrumento quando mostrado em filmes de ficção científica era visto como algo impossível, de fato como “coisa de filme”, hoje, no entanto, estranho seria imaginar a vida sem ele. Para que o celular existisse, o que foi preciso? Primeiro uma pessoa que imaginasse ele e depois o transcorrer da história para a sua realização. Utopia é isto: sonho e transcorrer da história.

Não é diferente quando o assunto é luta social, revolução política, comunidade justa e igualitária. Para muitos, lutar por um mundo diferente é utopia, pois chegamos ao auge do desenvolvimento histórico e sistema nenhum pode substituir o que temos; para mim, isto não passa de uma desculpa esfarrapada, patrocinada pela ideologia burguesa dominante, para deixarmos as coisas como estão e continuar favorecendo os então favorecidos.

A quem interessa que as coisas não mudem? Utopia mudar o mundo? Slavoj Zizek afirma que 'a única utopia de fato é acreditar que as coisas podem seguir indefinidamente seu curso atual'. Claro, se utopia não é o que eu defendo, uma postura de pessoas que sonham e que se colocam à disposição da história para realizar, se utopia é apenas um querer e sonhar sem agir, então nada mais utópico do que acreditar que tudo vai continuar como está. E pior: perigoso. Ou muda ou vamos perecer. Rosa Luxemburgo alerta: “socialismo ou barbárie”. E o Mészáros sentencia: “Socialismo ou, se tivermos sorte, barbárie”.

Utopia não é distância da realidade, mas é o contrário, e por isto não podemos abrir mão dela, pois nela habita as mudanças que queremos para a realidade. Como escreve o teólogo Leonardo Boff “a utopia não se opõe à realidade, antes pertence a ela, porque esta não é feita apenas por aquilo que é dado, mas por aquilo que é potencial e que pode um dia se transformar em dado. A utopia nasce deste transfundo de virtualidades presentes na história e em cada pessoa”.

Desta forma o nosso desafio é tirar os olhos do chronos e abandonarmos a ideia de que a mudança não chegará até tal data ou determinado horário. Devemos viver sob os cuidados do kairós, em atitude de coragem e espírito preparado para a luta.

Ora, no texto do Êxodo temos um ensinamento muito importante para fortalecer o que aqui defendemos, pois passando por muitas dificuldades e vivendo numa realidade cruel, o povo começa a se lamentar e a não ver solução para seus problemas. Então Deus diz para Moisés: Por que clamas a mim? Dize aos filhos de Israel que marchem. (Êxodo 14:15). Não devemos viver em lamúrias e nem com medo das mudanças. Devemos sonhar e agir. E não vamos deixar que a desesperança abata nossos corações, pois sonhamos com dias melhores. Sonhos se realizam na utopia, utopia se realiza no kairós, kairós acontece na coragem do povo.

Encerro com as palavras do líder revolucionário russo, o camarada Lenin:

"É preciso sonhar, mas com a condição de crer em nosso sonho, de observar com atenção a vida real, de confrontar a observação com nosso sonho, de realizar escrupulosamente nossas fantasias. Sonhos? Acredite neles."

E se falarem que você é utópico e vai aí morrer esperando, então diga: é melhor morrer esperando que viver desesperado.