A vida é feita de retalhos,
pequenos recortes da história.
alguns tocados pelo vento voam,
outros, povoam os anéis da memória...



 
 
Concluíra o terceiro grau por insistência do pai. Não exatamente, por força do pátrio poder, mas, por insinuação. Ele dizia que era preciso ler cem livros para escrever um, e, enchia o peito de orgulho ao declarar-se cônscio de que cumprira a meta por ele mesmo estabelecida. Um curso superior — dizia ele — dará mais credibilidade àquilo que se escreve ou faz. Não vês o Presidente? É um homem sábio, um grande negociador, mas o povo cobra o diploma que ele não tem. Tudo balela, ele lê   muito...  conhece a história e vida de seu povo, conhece palmo a palmo o chão que pisa, tem os dados estatísticos na palma da mão e atrás da orelha cabana! Leu com o machado e a foice nos ombros, adquiriu conhecimento de mundo, ou aprendeu tudo com Marília de Dirceu? Luís tem a língua presa, isso é sua marca; outros, tem o rabo preso, isso também é marca. E o Gonzaga, quanta sabedoria sem alisar banco de escola! Exilado no Rio de Janeiro, o filho de Januário cantou com maestria as dores do sertão, conquistou Glórias, Dorotéias e Maria Joaquina, ou não!?
 Contar história é uma arte que nasceu antes da história e tem na oralidade seu passado mais distante. A literatura surge como arte de recriar realidades e fantasias da  memória popular.Era bobice julgar que estava muito nova para escrever um livro! As biografias não mentem: muita gente famosa publicou antes dos quinze. Ela tinha mais de vinte, mas de vinte capítulos guardados, há anos, na escrivaninha.
 Em alguns momentos, deparava-se rindo sozinha, imaginando-se a matar os vermes que roeram os livros de Machado e nada deles sabiam, nada se lembravam, ou eram de Betinho os livros?...ou de Casmurro? Ela leu, roeu e remoeu cem livros, e era capaz de regurgitar frase, por frase, mesmo que lidas há muitos anos...