A CIÊNCIA, A CABALA E A LETRA G DOS MAÇONS.
                                      
Os antigos estudantes da natureza, que ficaram conhecidos como alquimistas, ou discípulos de Hermes, neles incluídos os filósofos gnósticos, sabiam que a grande tradição da Cabala não era resultado de um delírio metafísico que os sábios rabinos de Israel tinham desenvolvido somente para mistificar as origens e os fundamentos da sua religião, no sentido de fazer acreditar que ela, como diziam amiúde os seus iniciados, tinha tido a sua origem no próprio céu e seus primeiros praticantes a própria população angélica.
Eles sabiam também que a Cabala não era, na verdade, uma filosofia, ou uma doutrina, mas sim uma forma de linguagem, cuja estrutura se apoiava em símbolos, comparações e metáforas, e não em caracteres gráficos, como faz a maioria das linguagens, para comunicar as suas visões da realidade divina e de como esta se reflete no mundo físico, gerando o mundo em que vivemos.
Sempre se soube que a mente humana é um espelho do universo, e que ela reflete a totalidade do que existe nele. Mas que ela só consegue comunicar aquilo que consegue organizar de forma consciente. E essa organização é feita através da linguagem que o ser humano desenvolveu para comunicar a si mesmo e a seus próximos o que o seu organismo capta em suas relações com o mundo.  
É na parte inconsciente do nosso cérebro que se registram todas as relações que nós mantemos com o universo. Elas são refletidas ali como informações primárias, cujo conteúdo não se apresenta de forma organizada, e por isso mesmo, geralmente não fazem sentido. Sonhos, alucinações, profecias antecipatórias, inspirações premonitórias, insigths, são, no mais das vezes, produtos dessas informações que algumas vezes, “vazam” para a mente consciente, sem o necessário crivo da razão.
Os sábios rabinos judeus que desenvolveram a grande tradição da Cabala sabiam que o cérebro humano é um poderoso receptor dessas informações. E que dentro dele há um mecanismo que permite a comunicação do homem com a divindade, onde ele recebe, daqueles que o criaram e o dirige, as informações que fazem dele o “obreiro do edifício universal”, ou seja, aquele que organiza, pelo esforço do seu intelecto, a aparente desordem que se instalou no cosmo desde o momento em que as forças que o constroem foram liberadas.[1]
A linguagem, como toda criação do homem, é um processo que evolui e vai ganhando mais efetividade á medida que amplia o mapa do território em que se inscreve. Assim, o que no tempo dos antigos filósofos gnósticos e alquimistas parecia ser mero delírio metafísico, nos dias atuais, em que a ciência codifica e organiza as informações contidas nos símbolos e metáforas que eles usavam para registrar para a posteridade as formidáveis inspirações que vazavam dos seus inconscientes, tornam-se verdades científicas e pouco a pouco começam a integrar o grande catálogo do conhecimento humano.  
 
Antigamente, quem se propusesse a ler uma obra hermética, uma dissertação filosófica de um pensador gnóstico, ou qualquer obra cabalística de um verdadeiro iniciado nessa arte, dificilmente entenderia, em termos lógicos, o que ele queria dizer com seus símbolos, metáforas, visões e construções lingüísticas incompreensíveis. Para os defensores do positivismo científico, tais obras nunca passaram de uma algaravia sem sentido, fruto de delírios provocados pela necessidade de justificar uma fé sem medida ou pela alucinação causada pela manipulação amadora de produtos químicos desconhecidos.  
  Mas sabe-se hoje que por trás de complexos conceitos como pleroma, eons, Demiurgo, Sofia, Panspermia, etc. termos que os gnósticos usavam para figurar suas sensibilidades acerca das relações cósmicas que se estabelecem no ínfimo e no imenso das realidades universais, existem verdades científicas que somente hoje, no segredo dos laboratórios mais avançados, começam a ser desvendados. Da mesma forma, atrás dos símbolos usados pelos antigos alquimistas se ocultavam algumas das informações mais importantes sobre a intimidade do universo material, informações essas que possibilitaram aos cientistas modernos o notável progresso que a química e a física hoje desfrutam.
Desde algum que um grupo de cientistas vem cuidando de revitalizar o pensamento gnóstico e interpretar as visões cabalísticas em termos de possibilidades científicas. Esse grupo, onde pontificam especialmente físicos, astrônomos, psicólogos e teólogos, trabalha com esses antigos conceitos, uma vez tidos como esotéricos, associando-os aos modernos conhecimentos científicos. Assim, os eons passaram a ser holons, grandes subunidades, domínios totalizantes, etc, ; os dramas cósmicos, como o de Sofia, os embates entre luz e trevas das antigas religiões solares, são interpretados como jogos cósmicos, teia de relações, etc, que são simulados nos computadores e revelam novas e estranhas verdades científicas. Uma delas foi a recente descoberta da intrigante “partícula de Deus”, que seria uma espécie de DNA do universo, ou seja, a primeira e substancial partícula de energia a surgir no universo e que seria o núcleo de sua origem.[2]  
  
Uma idéia inovadora que vem desses esses novos gnósticos é a que Deus não está presente na história dos povos. Essa é uma nova maneira de desenvolver a mesma visão dos filósofos panteístas e principalmente da religião dos Vedas. Para estes, Deus está em todos os seres e objetos, isto é, Deus é o próprio universo, mas o universo não é Deus. É o que diz os versos da Baghavad Guita, por exemplo, resumidos na bela canção de Raul Seixas, onde ele diz “ mas saiba que eu estou em você, mas você não está em mim.” Isto significa que Deus é o universo. Ele é feito da sua essência e se organiza pela ação da sua Vontade, mas nós não devemos cultuá-lo como divindade, pois ele não é Deus, mas apenas resultado das suas manifestações.
Com esse conceito passamos a entender melhor as idéias expressas pelos cabalistas na estranha simbolização que eles fazem do nascimento e construção do universo através da Árvore da Vida.[3]   
   É evidente que não tem muito sentido hoje pensar que Deus interfere nas ações humanas na forma pensada pelos antigos hebreus, por exemplo, para quem o próprio Senhor lutava suas batalhas, ás vezes abrindo mares para que seus “eleitos” passassem, enquanto seus inimigos se afogavam. Pensar assim é particularizar Deus, apossar-se dele como se ele fosse o Senhor de uma única parcela da humanidade e não dela toda. Imaginar um Deus capaz de preferências pessoais é humanizá-lo demais e esse erro os gnósticos e os cabalistas, de ontem e de hoje, jamais cometeriam.
   No fundo, tanto os antigos pensadores dessa escola, que acreditavam poder encontrar essas verdades na observação dos astros, nos movimentos e na estrutura dos elementos naturais e nas profundezas do espírito humano, submetido a um processo de iniciação, quanto os modernos cientistas que as procuram na intimidade da matéria, devassando o universo na sua imensidade cósmica e na sua mais extrema pequenez, querem mesmo é provar que história humana é a crônica das ações do homem em busca da felicidade, ou o que ele pensa ser a felicidade. E que essas ações são motivadas pela informação que todos os seres portam em seus núcleos primordiais e que desenvolvem por interação. Isso é o mesmo que dizer que todo homem tem em si “a partícula de Deus”, ou seja, retém uma centelha divina, como diziam os antigos gnósticos e acreditavam os praticantes da alquimia.[4]
Daí poder-se dizer que cada ser, em sua constituição, constitui um holom que se movimenta em grandes subunidades, buscando a realização de um domínio totalizante. E é essa intensa movimentação do ser que cria uma teia de relações, assemelhada a um grande jogo cósmico, que vai formatando o universo em sua estrutura física e em seu estofo espiritual. Saber como tudo isso se processa, para poder orientar esse jogo, é a função do espírito humano. 
   Assume-se, dessa maneira, a especulação filosófica e científica simplesmente como uma necessidade de saber sem limitar o conhecimento a um domínio restrito á esperança de salvação, isto é, o domínio da religião. Dessa forma a Gnose, aqui definida como Iluminação, Sabedoria, Verdade, a letra G dos maçons e centelha primordial da energia que deu nascimento a todas as realidades universais, passa a ser um questionamento que busca a resposta para a pergunta que sempre ecoou na mente do homem desde o momento em que foi capaz de refletir: o que é  o universo,  de onde veio, para onde vai e qual o nosso papel nele?
  



[1] Ou seja, leis naturais, tais como a relatividade, a gravidade, da aceleração, do magnetismo, etc.
[2] Na visão cabalística essa partícula é descrita como sendo o Aleph, primeira letra do alfabeto hebraico, que retrata a primeira manifestação da divindade no mundo real.
[3] A Árvore da Vida, também conhecida como Árvore Sefirótica, é um desenho mágico- filosófico, onde se procura demonstrar como a potência criadora atua na construção do universo físico e espiritual e no desenvolvimento das leis naturais que regem esse processo. Para maiores detalhes sobre essa formidável intuição cabalista veja-se nesse site o nosso ensaio A Árvore da Vida. Vejam-se também a nossa obra “ Mestres do Universo”, publicada pela Ed. Biblioteca 24x7.
[4]  A Gnose trabalha com a idéia de que a luz primordial de Deus(uma centelha dela) ficou presa na matéria (humana e física) no momento em que Deus(ou o Demiurgo) produziu a primeira manifestação que deu origem ao universo. A procura da Gnose, ou seja, o Conhecimento, a Iluminação, era o corolário de um processo iniciatório que consistia na liberação dessa centelha luminosa que ficara presa na matéria. Essa era a intenção dos filósofos gnósticos com suas estranhas práticas iniciáticas, e também dos alquimistas com suas manipulações laboratoriais. Essa também foi a razão de a Igreja Católica procurar abolir todas essas práticas, taxando-as de heréticas, pois a Igreja pretendia possuir o único caminho para a obtenção desse resultado.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 30/12/2012
Reeditado em 03/01/2013
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