No meio do fim.
Num desses dias em que a madrugada nos rouba, como quem não quer nada, tudo é silêncio, ela quer existir em nós. Um segundo livre, e já corro para um poema. Leio como se bebesse água. Já dizia Pessoa, "navegar é preciso, viver não é preciso".
E é num desses encontros de gênios que tudo desconcerta. Depois de Pessoa, foi a vez de Manoel de Barros vislumbrar minha visão "as coisas muito claras, me noturnam". Mas que madrugada essa insônia me proporcionou. Brotou de leve entre meus dedos que agarrados estavam no copo, palavras...
Estou a navegar na luz que
escurece uma parte do dia
ansioso para saber o que
num fio, o fim nos guarda.
Lembro que viver não é
preciso e venho a lembrar
que não vivo e sim existo
criação, tudo crio, fui criado.
Noite sempre é que puxa
seus olhos de gato preto
captam uma luz e reflete
sombrio minha sombra.