Eu conhecia um menino de pernas tortas
Eu conhecia um menino de pernas tortas. Um menino de pernas tortas que só fingia. Fingia ser o que não era e deixava com que os outros pensassem que ele sabia de um tudo. Que ele fazia tudo certo, que ele agia sempre certo.
Ele sabia de tudo. Ele falava com o olhar; tinha tudo na ponta da língua sempre. Sabia se expressar, mas fingia não saber para se gabar.
Fazia convites bons, andava por lugares bons. Falava que toda a sua infância fora sofrida. Dizia que dele todo mundo se escondia. Era um mártir em viva vida ainda.
Era alto, olhos castanhos e um jeito até que bem normal. Falava fino, não cantava, não dançava, só te olhava e tocava. E assim achava que era o melhor, que sabia tudo, que falava tudo, que não se escondia.
Fazia de conta que era envergonhado e que tudo o que lhe contavam era a novidade mais sublime. Dizia obrigado a toda hora. Pedia desculpas a todo momento. Igualzinho a um botão de deletar sem fim.
Rezava a vários deuses, pedia por muitas coisas. Agradecia.
Preocupava-se com tudo o que era dito a ele. Fingia ser supremo, onisciente, onipotente. Incorporava a fênix: surgia e desaparecia sem que houvesse por quê.
Voltava como ele só, com a certeza de que ninguém dele havia se esquecido. Contava que quase fez, mas ainda bem que não; quase tirou, mas ainda bem que não; quase, quase, quase. Arrependeu-se.
Era uma vez um menino de cabeça torta.