Hálito covarde.
Hoje acordei para não viver. Embora tivesse que fazer isso nos próximos minutos que o relógio me destinava. Tentei até mudar a rotina, deixei de escovar os dentes, talvez isso afastaria o maior número de pessoas que perto de mim chegassem. Se eu não estava para viver, muito menos estaria para suportar os seres que dão ânimo a esse espaço. Eis que ao sair de casa não mudei a rotina, fiz o de sempre, abri minha bíblia drummondiana e enfiei-lhe a cara para nem perceber o mau humor matinal que rodeava as ruas dessa cidade. Aleatoriamente numa escolha de páginas, dei de cara com o poema "Instante", assim como o significado, dei-lhe um instante de observação e só após uns dez minutos discorri na leitura. Pensei em ser uma pegadinha do gênio, e de fato não estava errada. Ele já começara ironicamente "perdia amor seu hálito covarde", pô Drummond, há tantos anos tu redigisse esse escrito e já o preparava para hoje, sabendo exatamente que no dia que ele fosse lido tão profundamente, o leitor estaria tão fiel as suas linhas que até exalou o covarde mau hálito, e sentiu-se culpado por exalar um cheiro tão ruim numa folha tão cheia de vida. Fui passando pelos próximos versos, chorando dores em silêncio, evitando soluços, e como tu disseste em mais uma linha "num feliz entregar-se, entre soluços", ainda com pontadas d'alma estava entregando-me a uns segundos de felicidade, era a reciprocidade vindo de um pensamento teu. Naquela manhã, meu eu retorcia em dores, não por o amor ter esfriado, mas pela incerteza de não saber se um dia ele voltaria para si, e se meu eu retorcido poderia voltar a sonhar. Antes que eu pensasse em qualquer resposta, tu já ia interrompendo:
"O que desatou num só momento
não cabe no infinito, e é fuga e vento."
Seguir! Ventos não voltam, infinito não combina com instantes. Embora instante combine com desatar.
Desatou, e passou.