02/12/2012 09:42 - Ana Flor do Lácio
«Já gastamos as palavras meu amor (...) E no entanto, antes das palavras gastas, tenho a certeza de que todas as coisas estremeciam só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração. Não temos já nada para dar. Dentro de ti não há nada que me peça água. O passado é inútil como um trapo. E já te disse: as palavras estão gastas. Adeus.» Eugénio de Andrade. Sua obra poética, essencialmente lírica, é única e de uma simplicidade quase palpável. Foi considerada por José Saramago como «uma poesia do corpo a que se chega mediante uma depuração contínua.» Estes versos, transcritos do poema «Adeus», um dos mais belos e realistas que meus olhos já leram, falam de um amor gasto, corrompido pelo tempo e, agora, estéril. Podemos sentir a intensidade das palavras, a grandeza das frases e as imagens fabulosas usadas pelo poeta. «Antes todas as coisas eram possíveis...» Antes o amor era imbatível e de tudo capaz. Não havia barreiras, nem impossíveis, e bastava apenas murmurar o nome da pessoa amada para que todas as coisas estremecessem. Vivia, certamente, no auge da paixão, quando os corações se encontram descobertos e sem defesas, quando o sentimento abre o espírito e arranca o orgulho, as vaidades do ego, as certezas e as reivindicações, pois o mais importante é amar, amar inteiramente, amar incondicionalmente. Mas tudo tem um fim. Isso era «no tempo dos segredos», um tempo que não volta mais. Agora esse «fogo» extinguiu-se, agora o «passado é inútil» e «as palavras estão gastas», agora amor acabou, a paixão dissipou-se. Talvez por se usar e abusar tanto das palavras ao ponto de se gastarem ou, simplesmente, porque quase tudo tem um fim... Quiçá o amor, os afetos, os realacionamentos sejam fugazes e passem por nós sem darmos conta, quase num sussurro e vão ainda mais depressa do que chegam; quiçá tenham um tempo limitado quando, no nosso íntimo, queremos e desejamos intensamente que sejam eternos. O adeus é e será sempre triste. No final das contas, o adeus nunca é fácil.