Considerando os cem anos
Viverei até a idade de cem anos. estou condenado a viver este tempo.
Não gostaria de viver tanto assim. Não vejo grandes acontecimentos que irão me encantar. Mas o que posso fazer?
Sair voluntariamente não saio. Irei me acomodando até findar a minha peregrinação. Verei como me portar!
Considerando esta lógica irreversivel, passo a planejar como viver razoavelmente tanto tempo:
Tenho medo de perder os meus cabelos, os meus dentes, e o pênis ficar enfraquecido sem a generosidade da ejaculação, sem contar que a demência senil pode embriagar o meu espirito e me tornar alguma coisa parecida com uma vida cheia de névoas, se eu não me cuidar, bem entendido!
Os meus cabelos estão no lugar, dilacerados pela tinta, mas eu tenho que disfarçar, visto ter horror a cabelos brancos, e eu os tenho em grande quantidade.
A mistura do cabelo branco com o castanho, é como estaria, me causa até transtorno psicológico. Minha cabeça ficaria parecida com a cabeça destes ministros do supremo tribunal, que não usam a tintura: Não sei porque não usam!
O fato é que os ministros por usarem terno e gravata e bem alinhados, conseguem uma aparencia humana, enquanto eu, em trajes comuns estou mais para um bode anarquista.
Por isso eu preservo a minha cabeça das perplexidades de mim mesmo. Sou perplexidade pura!
Mas estou indo para a metade dos meus cem anos. eles irão caindo. Aos sessenta terei menos e assim por diante.
Imagino o seguinte:
Existe a possibilidade do implante capilar seguro. Até lá já estarão bem aperfeiçoados e poderei manter os meus cabelos.
Outra hipótese é a hipnose. Acredito plenamente que uma boa sugestão hipnótica, ou um trabalho com base nesta ciência ainda desconhecida, cura tudo, de unha encravada até o renascimento capilar e pasmem, uma terceira dentição.
Se alguem estudasse a hipnose com seriedade, o resultado abalaria o mundo, pois quebraria a industria de remédio. Não quero tanto, só os meus cabelos.
Os dentes é o que mais me preocupam. O bruxismo, ou a "boca nervosa" me incomoda.
Tenho receio de gastar os meus dentes de frente e ficar com a boca caída, ou o "sorriso do dançarino de pagode".
Tambem tenho medo da ferrugem. Aos setenta começam a enferrujar e a única virtude é que não se precisa usar o "boticão". Eles caem ou são retirados como se fossem acerolas maduras. Parecem descartaveis.
Caem até mesmo quando a gente está sorrindo, fazendo aniversario ou gritando a pleno pulmões, um gol do flamengo no maracanã numa decisão de fla x flu.
Até o queijo tem que ser comido com a maior delicadeza e paciencia franciscana.
Tenho trauma de dentadura, mesmo as mais modernas me assustam. tenho um amigo protético, passo a observa-las. Sofro por antecipação!
O implante! mas como estará o osso que ha de sustentar o implante? E a perda óssea?
Se eu perder os meus dentes até os setenta, não me livrarei da dentadura aos oitenta, a menos que haja uma uma grande evolução na medicina oral.
O pênis acho que posso manter, pelo fato dele estar nas minhas mãos.
Minha namorada me ensinou um método oriental que não falha nunca, está cada dia melhor. Mas, e se o cérebro não ajudar? se as arteríolas forem atrofiando e as mensagens forem mal conduzidas?
Eis um grande problema, tenho que imaginar!
Sempre que vou a Araxá, Lambarí e Caxambú, observo as pessoas que vivem lá. Converso com elas, as mais idosas, e todas estão lúcidas.
É dificil ver gente desmemoriada naquelas cidades.
Deve ser por suas águas minerais. Aí pode estar a solução para o meu problema: As poderosas aguas de Minas Gerais!
Daquí a alguns anos vou comprar uma casinha lá em Lambarí, ou Araxá. Quem sabe em Poços de Caldas.
Aquelas águas minerais maravilhosas, fruta pão, aipim, queijo cabacinha e o feijão tropeiro, e aquela gente boa de Caxambú,
Vai ser razoável ir até os cem anos, na paz e na alegria!