Página por página
A alma de um escritor passa por momentos bastante angustiantes. Muitas vezes o público em geral costuma não entender o tempo que se leva para que algo relevante seja produzido. Não depende apenas de quem escreve, depende do mundo que o cerca, depende de tudo o que ele viveu e o que ele sentiu. Embora a sensação que se tem depois de terminada uma obra é de exaustão, sempre a primeira pergunta que vem a mente é: sobre o que eu escreverei?
Eu escreverei sobre as horas que passei tentando decifrar o que faltava em mim. Os dias, meses e anos que busquei recuperar aquela fagulha que me mantinha viva. Aqueles minutos passados olhando para o vazio, procurando a faísca de entusiasmo que se perdera ao longo dessa jornada. De tantos momentos, de tantas lágrimas, poucas alegrias, muita solidão. Dos nove meses que fiquei deitada em uma cama em todas as tardes, as vezes lendo, as vezes olhando para as paredes, em busca de companhia. Das escolhas que me levaram a caminhos diferentes dos meus planos. Das decepções que causei aos que em mim depositavam tanta confiança. Dos rumos que trilhei, das poucas coisas que fiz, das grandes frustrações e das muitas desistências. Das ilusões perdidas, do coração partido, do consequente medo, da insegurança, da repulsa, da negação.
Depois disso tudo, contarei a respeito de uma dádiva em forma de criança que surgiu em minha vida como uma luz guia na escuridão. Do amor imensurável que sempre senti por ela, desde o primeiro dia que soube da sua existência. Da satisfação em estar na presença daquele ser que me trouxe a alegria de volta. Da companheira sempre presente a me cativar com seu sorriso e sua voz doce. Da esperança renovada a cada olhar e cada palavra de carinho dela para mim. E do sentimento indescritível que transborda no meu coração de mãe.
Falarei, também, da insistência de alguém em me amar, contrariando todas as minhas convicções a respeito das intenções masculinas. Da minha defensiva que aos poucos foi se amolecendo. De um menino homem que conquistou meu afeto e me fez enxergar que ainda havia luz no final do túnel. Da minha entrega, em depositar total confiança em alguém tão mundano e que mudou tanto para me agradar.
Assim, escreverei sobre a minha vida e a cada dia enfrentarei uma página em branco. Por mais que eu saiba que a tinta desta caneta aos poucos se acaba, também sei que posso buscar atalhos e contar apenas o essencial. Nada de supérfluo escreverei a respeito do que vivi. Dessa forma, terei uma vida longa e um livro repleto de páginas, escritas das minhas melhores lembranças.
Espero que não ter meus escritos interpretados como um mero folhetim. O que eu almejo é cumprir o que me foi destinado antes mesmo de chegar a essa Terra. Mas que, por alguma razão, até então, foi impedido de ser realizado por circunstâncias aquém do meu desejo. Por hora, só me resta dizer que estou aqui, como em um livro aberto, a confessar que sou escritora de mim e que cada passo que percorro é idealizado unicamente pela minha própria inspiração.