Da Idade Média até o Marquês de Pombal: a Educação.
Para se esboçar um quadro das transformações ocorridas na Educação das sociedades europeias no período que se estende desde o século V ao século XIX, é preciso tangenciar vários aspectos, inclusive históricos, econômicos políticos, religiosos e administrativos.
Durante os dez séculos, divididos entre Alta e Baixa Idade Média predominou o pensamento intrinsecamente relacionado às concepções de mundo do ponto de vista teocentrista e que se estende até os primórdios da era capitalista no século XV.
O período da história da humanidade que abrange do século V ao século XV tornou-se injustamente conhecido como a “Idade das Trevas” em virtude da propagação de uma ideia que reduz os povos medievais à dura condição de seres obtusos e cegos quanto ao conhecimento. Esquecem-se muitos da riqueza daquele período e da ação das Cruzadas; e se esquecem de que se não houvesse a pedra fundamental, também não haveria a construção do edifício da civilização, não haveria a etapa do renascimento comercial europeu ocorrido no século XI.
Aproximadamente no século XV tem início o processo da mais profunda transformação de um sistema social no qual vai predominar a concepção de mundo antropocentrista. O motor dessa transformação é o Iluminismo, marcado pela valorização do raciocínio, da lógica/razão, do enciclopedismo de Diderot e das ideias de centenas de cabeças pensantes que modificaram a paisagem cultural da Europa, promovendo o desenvolvimento das ciências e das artes.
O Iluminismo assemelha-se a um gigantesco divisor das eras. Ao todo, os poderosos blocos de impacto, a exemplo do Renascimento, da Revolução Francesa, do desenvolvimento do comércio, das revoluções industriais, das grandes invenções foram os modificadores da história da civilização. Portanto, essas duas vertentes temporais da história concorreram fortemente para uma mudança radical no processo educacional.
O ensino que antes era responsabilidade das escolas monacais, dos monastérios, da Igreja e da pedagogia do catecismo passa a ser regido pela curiosidade científica, pela investigação e pela comprovação do homem que pensa e analisa o que, anteriormente, equivalia em sua mente a um amontoado de fenômenos. A diferença maior entre os primeiros séculos do período medieval e a segunda parte da história é, justamente, algo semelhante a um impulso que se proporcionou ao homem no sentido de reconhecer-se um ser pensante, podendo, dessa forma, não se intimidar, mas procurar conhecer o mundo por suas próprias mãos e ação modificadora. O homem precisava se libertar do ensinamento sinônimo de choque em que se pregava todas as coisas serem pecaminosas e ofenderem ao poder de Deus.
O debate Iluminista teve início na França do século XVIII e, irradiando-se por toda a Europa, vai transformar e estabelecer a modernidade na Educação europeia. A partir da instrução o homem estaria apto para a compreensão universal.
Diderot, um pensador ateu e apontado como uma personalidade por vezes contraditória foi o precursor das ideias do materialismo científico, um arauto da liberdade e acreditava que o homem só a alcançaria pelo uso da razão. Helvetius, por sua vez, supervalorizava a educação e o poder transformador da pedagogia, prelecionava que até à morte o homem está se educando continuamente. Nesse quadro está inscrita a obra Emílio ou da Educação, de Rousseau. As ideias rousseaunianas priorizam a formação da criança e do indivíduo, separadamente, de acordo com a idade e em suas relações na sociedade.
Tal veiculação de ideologias iluministas entronizou na sociedade mundial a figura do homem considerado moderno em comparação ao sujeito do passado, o homem das trevas medievais. Chegara a vez do homem que a si próprio reconhece, se pensa, o homem obcecado pela descoberta, pelo novo. Entretanto, esse mesmo homem vem seguindo as trilhas da civilização como um ser fragmentado entre a permanência e a ruptura num eterno fazer e refazer.
Refazendo as rotas das Grandes Navegações, certo é que estas são responsáveis pela travessia da cultura e da educação europeias para a nova terra descoberta, em 1500, e que depois se chamou Brasil. Começa nessa ocasião o processo de colonização e formação do povo brasileiro a partir do encontro de três culturas distintas: a do indígena (habitante natural da terra), a dos colonizadores (o europeu) e a dos negros que para aqui foram forçados a vir na condição de escravos.
A primeira pedagogia instalada entre os habitantes naturais do território descoberto foi a veiculada pela Companhia de Jesus, os professores eram os jesuítas. Os padres ensinavam a cultura europeia e as bases do cristianismo. Muitos séculos haviam transcorrido e é voz geral que o Brasil não tem Idade Média. Ouso afirmar que, cronologicamente, não tem mesmo, mas, ideologicamente e educacionalmente, sim. A educação jesuítica é a nossa Idade Média do pensamento, quando fomos ensinados a temer, a não questionar, a ter na voz da Igreja a voz do próprio Deus.
Entrementes os jesuítas desenvolviam sua ação educativa basilar em terras brasileiras, o português Sebastião José de Carvalho e Melo, diplomata em Londres, se encantava com as luzes do período Iluminista. Inteligência privilegiada, tratou de, na volta ao seu país, empreender uma mudança que foi denominada Reformas Pombalinas. Através das ações previstas no texto do documento, aquele que depois seria o Marquês de Pombal, estabeleceu a pedra fundamental da mudança válida para Portugal e todo o Império português, isto é, a abrangência das colônias. Entre elas o Brasil. No bojo das reformas se aninhava o pensamento iluminista que incidia principalmente no processo educativo.Tanto prova que o pensamento medieval estava entranhado por toda parte que o próprio Pombal, em virtude de seus atos entre politicamente e impoliticamente corretos, teve um desfecho quase infeliz: “Suas maiores honras lhe foram conferidas já no final da vida: em 1769, recebeu o título de marquês de Pombal. Mas com a morte de D. José I em 1777, a rainha D. Maria I, aliando-se aos seus muitos inimigos, expulsou-o do poder. Exilado em Pombal, viveu ali seus melancólicos últimos anos morrendo em 1782” (Falcon, 2008). Disponível em <http://www.revistadehistoria.com.br/secao/retrato/irresistivel-pombal>>.
Portugal vivia um conflito com a França e o Imperador Napoleão Bonaparte marchava na direção da conquista da Coroa Portuguesa. A Inglaterra entra na questão e resolve ajudar o monarca Dom João VI a atravessar o Atlântico com a família real em direção à colônia _ o Brasil.
A chegada de parte da frota em Salvador, em 1808, trouxe a imediata decretação da abertura dos portos às nações amigas; e, depois, fixada a família real no Rio de Janeiro, ocorre um período de grandes mudanças culturais e educacionais, além da criação de outras importantes instituições. Tem início, dessa forma, uma nova fase da história da educação brasileira com a fundação do Colégio Pedro II. Os reflexos contidos no bojo das reformas pombalinas se irradiavam em terreno e ambiente educacional brasileiros.