O QUE DE FATO SOMOS??
Somos a imagem do que pensamos ser. Réplicas grotescas das figuras que criamos, que esculpimos com nossas emoções, atos, intenções. E quem nos olha não nos vê de fato: a figura vista nada mais é do que uma cópia malfeita do que tencionamos ser. Uma cópia canhestra, manca, pobre, vazia. A verdade do nosso ser, aquilo que podemos chamar de essência própria, está trancafiada para sempre nas masmorras dos nossos medos, nas vértebras das nossas ansiedades, nos alçapões irados da nossa fé. A verdade do nosso ser vai caminhando, bêbada e eternamente febril, no viés inquieto das palavras nunca proferidas, nos tamancos encardidos que nos batiam na infância. Esse âmago materno, que gargalha quando nos afogamos nas fronhas babadas que a vida nos impregnar, é a nossa tábua de salvação para não cairmos num ridículo sem volta, sem perdão. Somos zumbis boquiabertos dessa lânguida sinfonia, a mesma sinfonia que um dia fizemos toda questão de arranhar sua partitura, desafinando do começo ao fim. O que de fato somos não tem sumo para preencher um mísera folha de papel em branco. Mesmo que teimarmos em nos debruçar nos peitos secos, outrora mamados, pedindo a nossa alforria, mesmo que teimarmos em renascer, desista: será voto vencido, uma voz sarnenta pedindo desculpas, se esvaindo de tanto gargalhar pelos nossos passos tortos, encardidos, tão distantes e tão próximos de Deus. Dirão os incrédulos que somos doidos de pedra, falarão os vivos que essa é a nossa sina, dane-se a gente. Mas não. Nada disso. Dentro dessa massa amorfa de carne e ossos, bate um coração. Rouco por algumas vezes, falido por outras vezes, mas um coração. Coração farto de gás, farto de fauna, farto de flora. Coração que mesmo gemendo de dor não esquece das suas raízes, do seus frutos, do seu ninho. Quem teimar em dilacerá-lo, fazê-lo minguar até depois do sim, fazer dele um nada qualquer, servil e estéril, surpresas tantas terá. Porque dentro desse coração pulsa o sangue da vingança, da volta por cima, da desforra. Todos os tardios carinhos, todos os longínquos sorrisos, tudo isso, volta. Volta para resgatar o que é seu, o que sempre foi seu. Então o mundo não precisará mais vaiar, aplaudir ou dormir em cena aberta. Porque as trancas da alma desistirão dessa fanfarra mambembe e, por certo, virão à tona para respirar, para olhar, para viver. Para sempre, para sempre, para sempre.
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