O português são, dois, três, quatro

“Já esqueci a língua em que comia,

em que pedia para ir lá fora,

em que levava e dava pontapé,

a língua, breve língua entrecortada

do namoro com a prima.

O português são dois; o outro, mistério.”

Uma leitura atenta de alguns versos do poema de Drummond nos remete a uma questão fundamental concernente ao ensino do português: a variação linguística.

William Labov, o pai da Sociolinguística Variacionista, entendia a variação como constitutiva das línguas humanas e como sendo motivada por fatores linguísticos e sociais. Deste modo, a variação ocorre no âmbito dos sons, das palavras, das frases e em vários níveis, como o social, o regional, o situacional e o temporal.

As pesquisas sociolinguísticas revolucionaram o ensino da nossa língua materna, sobretudo por proporcionarem a revisão dos conceitos de “certo” e “errado”.

Essa visão já foi, inclusive, incorporada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, Língua Portuguesa, publicados pelo Ministério da Educação e do Desporto em 1998, 29:

“A variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos os níveis. Ela sempre existiu e sempre existirá, independentemente de qualquer ação normativa. Assim, quando se fala em ‘Língua Portuguesa’ está se falando de uma unidade que se constitui de muitas variedades. (...) A imagem de uma língua única, mais próxima da modalidade escrita da linguagem, subjacente às prescrições normativas da gramática escolar, dos manuais e mesmo dos programas de difusão da mídia sobre ‘o que se deve e o que não se deve falar e escrever’ não se sustenta na análise empírica dos usos da língua.”

Atualmente, trabalha-se com a noção de “adequado” e “inadequado”, tendo por base, sobretudo, os usos da língua. Adaptamos a nossa linguagem, de acordo com as ocasiões. Costuma-se citar, a fim de ilustrar esse raciocínio, a metáfora do guarda-roupa. Não comparecemos a uma formatura com trajes de banho. De modo semelhante, não usamos em um discurso de paraninfo uma variante popular da nossa língua.

Dessa forma, os professores apresentam aos estudantes não apenas a norma culta, que eles devem passar a dominar com destreza, mas também as outras variantes da língua portuguesa, pois os alunos precisam ser “poliglotas na sua própria língua”.

Contudo, a verdade é que persiste, em nosso país, uma visão equivocada da nossa língua, apoiada por uma profusão de consultórios gramaticais que perpetuam a intolerância e alimentam o preconceito linguístico. Com essa postura intransigente, esquecem-se de que “conviver é viver com, sobretudo em matéria de linguagem.”

A escola deve respeitar a integridade linguística de seus alunos, desvendando os “mistérios” do português, que são vários...

Kate Lúcia Portela
Enviado por Kate Lúcia Portela em 26/09/2012
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