PERCEPÇÃO DO UNIVERSO

“ O Eterno Feminino (Mãe Caos, Mãe Noite) nos envolve mais e mais”, nos diz o Fausto de Goethe. Sim, este caos primevo que não desejamos ver, de um universo em expansão que escapa à nossa compreensão, vasto, quiçá ordenado, porém que não poderemos jamais aquilatar, intuímos como grãos de areia na abstração de uma pintura que um dia foi dita lírica, à falta de melhor entendimento. Toda pintura é uma expressão semiótica, um objeto material significante que expressa um significado, pensamento e matéria, um significado na gênese da arte. A abstração seria um monólogo, que se na aparência renega a mimese, em sua verdade intrínseca pela linguagem reproduz uma experiência de mundo, como expressão é a consciência do ser no mundo. Esse é o caso de Myriam Medeiros, cuja obra embora expressa sob três vertentes, paisagens na forma de marinhas, interiores como um interregno e abstrações criando estilo que é seu registro, espelham de forma indelével uma percepção da totalidade que reside não no inconsciente, mas em processo fenomenológico de reconhecer e compreender a natureza, em sentido holístico. Não quero aqui colocar um rótulo, datar uma obra implicando em misticismo ou engajamento doutrinário, porém a análise do conjunto aponta para relações filosóficas remontando a Goethe até chegar aos movimentos gnósticos da Era de Aquário.

Analisando brevemente a linguagem visual expressa em suas obras, notamos as formas abertas em que o fundo participa não como vazio espacial, mas a possibilidade de vir a ser ocupado pela forma que se desloca, há uma tensão latente entre figura-fundo, o espaço constituindo uma extensão ativa da forma em diálogo. Mas que forma é essa? O conteúdo numa pintura “abstrata” tem sempre um caráter subjetivo, porém a insistência em uma estrutura cristalina,facetada,dotada de reflexos e nuances de cor induz a um padrão que poderia ser universal,cósmico, refletindo uma ordem universal.Essa constante universal, formas que a física quântica teoriza como formações da matéria,matéria-energia em seu estado mais elementar, hoje se revela nas fractais,ordenação imanente no universo. A matéria formada como núcleo cristalino freqüentemente é posicionada próxima ao centro geométrico da composição atraindo o olhar do observador, cristalização de cores em gama diversa, azuis profundos, verdes vessiê, amarelos solares, brancos cristal de rocha, sempre respingados, interpostos de vermelhos sanguíneos qual carbúnculos pulsantes da vida que se afirma, pontos do não-ser para o ser, local de contradições no equilíbrio da harmonia. Existe algo mais, essa matéria tem textura, é táctil, não é rocha e como tal terrena, é cristal, que como diz Bachelard, na imaginação “une a pedra preciosa à estrela,” ou como registra o alquimista Crollius em 1624: são estrelas elementares...destinadas a representar em ponto menor o brilho dos astros... Centros ativos condensando a pureza e na mística a energia concentra as forças cósmicas da imaginação, para eles todas as imagens e metáforas são criadas.

Na complementaridade do diálogo ocorre o espaço, que não é simplesmente um fundo liso, mas onde irão aparecer secções de curvas e círculos, distintos da arte surreal ou fantástica e que ali são mera sugestão de planetas, porém como profissão de fé leia nas palavras de Myriam: “ Partindo do princípio do círculo: que tudo é nada e nada é tudo” como conceber o inimaginável, a vastidão do espaço? as curvas são a meu ver buscas de orientação, coordenadas de orientação, portas de acesso entre o criado e o por criar, a redondeza plana do círculo em oposição à esfera a constituição da vida interior da artista,contudo poderia ser como forma envolvente símbolo de proteção, por outra leitura signo da Unidade,aí então com caráter transcendente.O encontro da escuridão nas formas em azul,violeta e índigo com a luz do espaço traduzida em amarelo e laranja, como fenômeno limítrofe foi comprovado por Seamon na Física Óptica, convergência entre arte e ciência.

Voltando a Goethe e à abertura da consciência por ele proposta, o Ur-Phenomenon, ou seja, ir de encontro à essência (wesen), o momento de tornar-se um com o Universo reconhecendo que tudo está interligado não apenas pela crença, porém pela experiência, o insight do fenômeno como abertura idêntica ao proposto por Wilber, ao afirmar que quando as superfícies e os exteriores podem ser vistos, os interiores podem ser interpretados, em suma o Cosmo como unidade indivisível.

Inevitavelmente me vêm à memória os versos de William Blake, aplicáveis aqui e a cada momento da criação artística através do tempo:

Ver o mundo em um grão de areia

e o céu numa flor selvagem,

segurar o Infinito na palma de sua mão

e a Eternidade em uma hora.

Walter de Queiroz Guerreiro

Associação Brasileira e Internacional de Críticos de Arte

Walter de Queiroz Guerreiro
Enviado por Walter de Queiroz Guerreiro em 30/08/2012
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