AS DIMENSÕES DO AMOR, segundo Ivan R. Capelatto (2012), síntese de J B Pereira

Tendo ouvido a fala de Ivan R. Capelatto, psicólogo e psicoterapeuta, na Escola de Pais do Brasil no contexto do XVII Seminário regional centrado na Afetividade como base da saúde mental e A Família administrando seus desafios, como tema, em Piracicaba, no dia 23 de agosto de 2012, percebeu-se o valor do afeto à luz da neurobiologia da emoção.

Capelatto, que apresenta o Café filosófico na TVCultura, abordou interessantes estudos e reflexões sobre a questão da perda, da ansiedade e do medo, em suma, situações ligadas à educação na sua Palestra intitulada Pais, “a família” e a equação da afetividade, à luz de Freud, Gazaniga (2004), Mol, Dr. Lente, Pitágoras, J. Krishnamurti, Lacan (1970), dentre outros.

Chamou-me a atenção o fato de que o medo vem movendo a humanidade por séculos com a condição de que a vida humana exige cuidado, afeto, dedicação e investimento afetivo ou libidinal. Amamos quando tememos perder alguém. O medo tem um propósito sadio dentro de certas condições existenciais e educacionais.

A falta de investimento no outro implica sua anulação e negação, o que representa deixá-lo à margem de nossos cuidados e atenção.

É preocupando o status em que nos vimos quando a taxa de suicídios aumentou em torno de 45 por dia; quando a atual geração tem baixa resistência à frustração ao não; quando a violência está no transito de nossas cidades e quando a infância e adolescência estão sendo deslocadas à cuidados na escola e a família não consegue dar conta de seus filhos...

Merece igualmente nossa compaixão tanto as crianças e os adolescentes de classe AA (ricos) como Z (camadas pobres) à medida que os sintomas são sintomáticos e gritantes: a carência de cuidados mínimos, a falta de limites, a formação de gangues, a indiferenças de pais.

Ainda não conseguimos a meta de Pitágoras (568-470 a.C): “Eduquem os meninos e não será preciso castigar os adultos...” Não se pode confundir pedagogismo com os processos exigentes da Educação (ex+ducere). Educar é deixar-se revelar no que temos mais básico e fundante em nosso interior para que alguém nos acolha como dignos de sua atenção... Não basta sabermos como funcionam as coisas: é necessário que sejamos mais que as coisas que fazemos... como dádiva à humanidade. Não é o conjunto de títulos que nos tornam mais humanos; a compaixão e a aceitação de si nos amadurece frente a dor de existir e saber-se que morrerá. Não podemos resumir a vida à lógica porque viver é ilógico... O sentido é nos que damos ao vivido...

Depois, Capelatto nos apresentou o corte lateral do cérebro humano para nos mostrar a anatomia do mesmo e seu funcionamento, evidenciando a presença da amígdala cerebral (cf. NETTER, 2000).

Em F. H. Netter, no Atlas de anatomia humana, Editora Artmed, 2000, há uma representação em desenho desta amígdala cerebral que já aparece no feto a partir de 45 dias na vida uterina. É uma espécie de asinha em que podem estar relacionados nossos primitivos impulsos de ansiedade, medo, motivação e raiva.

A resposta da amígdala cerebral é o medo, segundo Gazaginga (2004).

A partir dos estudos desse autor e outros como Freud em Além do princípio do prazer: Eros e Tanatus) Mol e Dr. Lente, Capelatto (2012), focaliza suas análises sobre o afeto humano como apego (presença, amor, cuidado) ou ausência desse afeto (medo, raiva...).

Nesse contexto, amor é a condição humanizada das pulsões psíquicas primitivas da perda (“Quanto mais perto, maior é a percepção das diferenças pessoas...”).Amor implica afetividade, elaboração das perdas e indiferença.

Quando à angústia, o ser humano experiencia um vazio como o fim das coisas ou fim do dia ou uma sensação máxima de medo de perder “algo” que não se sabe bem o quê.

Como o medo implica perda de algo ou de alguém, implica a raiva – pulsão de agressividade indefinida ante a vida em vários momentos e situações... A pessoa adia o que precisa fazer para não ter que se deparar com o fim das coisas...

E isso se torna um processo complexo de angustiar-se. Ou ela fala de si mesma diante de alguém e extravaga essa sensação (a) ou se submete às alienações ou substâncias que anestesiam ou aliviam sua ansiedade de modo momentâneo e ineficaz. A cultura nos canaliza a drogas ou a bebidas como procrastinação ou adiamento de nossa angústia. Há uma “legião de gente bêbada” sem amigos. Sabe-se que o álcool é um depressor do sistema central e alivia a angústia. A timidez é um disfarce do medo e tem nas drogas ou maconha outros ingredientes químicos que alteram o humor ou o comportamento humano, atuando no hipocampo e amortizando a raiva, a angústia e o medo.

Se a vida está monotoma, a adrenalina neutraliza a angústia, enquanto não se canaliza a necessidade de encontrar amigos, pais, educadores e cuidadores que possam nos ouvir.

Outra situação que vem condicionando 16 mil pessoas de 08 a 70 anos é a virtualidade decorrente da internet. O poder de sedução é enorme. A imagem representa o desejo à medida que condiciona a atratividade dos meios de comunicação, em especial a internet. Há uma perda da socialidade, perda da noção de realidade (tempo e espaço conexos) e apelo à fantasia; despersonalização (a pessoa perde a sensibilidade do corpo, porque a “vida virtual sobrepõe à vida corporal.”).

J. Krishnamurti nos alerta quanto ao “não ser sinal de saúde estar bem ajustado à sociedade profundamente doente”.

Já Lacan (1970) nos responde sobre qual é o desejo fundamental do ser humano. É o de não ser desejado pelo outro, pelo afeto do outro, de não ser objeto do medo de perda do outro.

Se não há como explicar o medo e o desejo, há de se questionar o desejo paradoxal. Trata-se de uma etiologia estranha entre o medo de perder e o desejo de perder-se no desejo do outro: o desejo de ser desejado sempre, o tempo todo. Essa onipotência do desejo é patológica à medida que nos vemos limitados e que o outro não nos satisfaz totalmente e não há como ter o monopólio do outro, reduzido à nossa radical necessidade de ser objeto do desejo do outro, única e soberanamente. Isso ocorre nos casos mais paradoxais como alguém sofre acidente depois de ver que o pai o alertou e em vão; a partir disso, fica-se na condição de dependência do outro totalmente...

Capelatto focaliza logo a seguir sobre a pessoa lúcida que consegue:

• Tolerar o outro e as sua frustrações: suportar-se... nas diferenças, sem ser indiferente às pessoas...

• Cuidar do outro como oferta de si...

• Aceitar-se como impotente e limitado em várias situações...

• Respeito por si e pelo outro...

• Prazer nas pequenas coisas do cotidiano...

• Manter-se ético ou não se aproveitar do outro...

• Sentir-se responsável pelo outro e pelo planeta...

• Aceitar-se como projeto em aberto ao futuro...

• Cuidar-se quando deseja e ao ser desejado... amor/afeto/cuidado/autoestima...

Quando for desejado, cuidar e ser cuidado: isso produz autoestima, que produz autonomia, que produz consciência de limites para poder se cuidar (CAPELATTO, 2008).

Cuidar de nossa condição interior, nossa impulsão animal é condição de bem-viver...

Perder-se para poder cuidar melhor... Não há controle total sobre o cuidar.

Precisamos saber ouvir: somos rede de cuidados.

Não adianta informação sem crítica; nem diálogo sem crítica... é preciso ter gente que ouça os jovens e as crianças... que lhes compreenda no silêncio e não sofra com o não que proferem... quando a vida já lhes diz tanto não. Se não somos amados, procuramos nos narcisar de um investimento libidinal... Temos necessidade de ser desejado pelo outro... Quando um animal não recebe afeto, ele morde a cauda. Uma mãe gorila desvela-se em cuidados constantes ao frágil filhote para que se senta confortável na vida e se torne saudável para o grupo... Quanto tempo você se dedica aos seus? Quanto recebe de carinho? “É dando que se recebe...”

“Ninguém é tão grande e rico que não possa aprender; nem tão pequeno que não possa ensinar algo...”

É de nossa condição humana o desejo de ser reconhecido e ainda temos que aprender que temos necessidade de expressar nossa ansiedade e nossos medos diante do outro, outro eu como nós...