O SIMBOLISMO BÍBLICO- CAIN E ABEL
Em Gênesis, 4: encontramos a estranha e misteriosa história dos dois primeiros filhos de Adão e Eva, Cain e Abel e o relato do primeiro assassinato que a família humana teria presenciado. É misteriosa porque foi escrita numa linguagem carregada de metáforas e descontextualizações, mais própria de um poeta surrelaista do que a de um cronista procurando fazer história. Logo no início se diz que Adão conheceu sua mulher Eva, a qual concebeu e deu à luz Cain, dizendo: “gerei um homem com a ajuda de Deus”. “Conhecer” aqui significa ter relações sexuais. E gerar com a ajuda de Deus significa que o cronista não acreditava que a semente masculina, por si só, nesse momento primário da criação humana, já contivesse o poder de transmitir a vida. Depois, vem a informação que o segundo filho do casal foi Abel.
Logo após a Bíblia informa que Cain se tornou agricultor e Abel pastor de ovelhas. Ambos tentavam agradar a Deus a seu modo. Cain oferecia ao Senhor os frutos da sua roça e Abel a carne e o sangue das crias do seu rebanho.
Até aí tudo bem. Era costume dos povos antigos, que ainda remanesce em algumas regiões da Ásia e entre povos mais ligados à natureza, oferecer á divindade de sua crença os primeiros frutos das suas safras. Em se tratando de povos agricolas, ofereciam-se as primeiras colheitas, se povos pastores, as primeiras crias.
O que ela não explica é porque Deus teria se agradado das oferendas de Abel e desprezado às de Cain. Será que Jeová era carnívoro e odiava os vegetarianos? A impressão é que sim, pois era um sagrado costume esse, o de imolar carneiros, cabras,bodes e pombos no altar dos sacrifícios. O cheiro da gordura queimada, diziam os israelitas, era agradavel às narinas de Jeová.
Mas e quanto às oferendas da terra? Porque Jeová as desprezava? Não seriam elas tão sagradas quanto as crias dos rebanhos?
Talvez a resposta deva ser buscada alguns versículos antes, quando Deus descobre que o casal humano desobedeceu as suas ordens e comeu o fruto proibido. “ A terra será maldita por tua causa; tirarás dela o sustento com trabalhos penosos todos os dias da tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos e tu comerás a erva da terra”. (Gênesis, 1:18)
Essa ojeriza que os cronistas bíblicos parecem ter pela agricultura tem raízes históricas bem fundamentadas. A Bíblia é bastante clara quanto à origem dos israelitas. Eram pastores nômades, que viviam tocandp os seus rebanhos de um lugar para o outro, sempre à procura de melhores pastos. A saga de Abraão e sua família, os problemas por ele enfrentados para se estabelecer na Palestina, as histórias de Jacó e Labão, os conflitos entre Jacó e Esaú, mostram bem essa condição que os primeiros israelitas ostentavam. Era um povo que vivia exclusivamente do produto dos seu rebanhos e não tinham qualquer habilidade agrícola, pois que isso pressupõe a existência de núcleos urbanos e uma civilização já estabelecida de forma gregária.
A história de Cain reflete claramente o conflito entre os primeiros israelitas e seus vizinhos pelo controle das terras férteis do Vale do Jordão. Abel é povo de Israel e Cain os inimigos de Israel. É o conflito entre duas formas de vida, a civilização agrícola dos arameus, jebuzeus, amonitas, moabitas e outros povos que habitavam o Crescente Fértil e os israelitas, que viviam do pastoreio.
Essa metáfora está expressa de forma bastante clara na saga de Cain pelo mundo. Expulso da terra onde a família de Deus crescerá, ele carregará para sempre a marca da maldade e da violência. Matou Abel(o favorito de Deus) mas não poderá ser morto, pois que também é filho de Deus. Sua posteridade foi responsável pelo desenvolvimento de características próprias das civilizações gregárias, tais como a música e a metalurgia, conectadas com os nomes de Jubal e Tubal Cain, descendentes de quarta e quinta geração de Cain.
Abel renasce na pessoa de Set, o “filho que Deus deu a Adão no lugar de Abel, que Cain matou”. Durante muitos séculos Israel será avesso à metalurgia, de tal forma que na construção do Templo de Salomão se proibiu a utilização de instrumentos de ferro na realização dos trabalhos.
Nesse conflito está também patente a diferença entre as crenças de Israel e seus vizinhos. Jeová é Deus de toda a humanidade. Mas ele é como um patriarca tribal. Tem preferência entre seus filhos. Seu primogênito é Israel. Só Israel tem direito à sua herança. A metáfora se repetiria com as filhas de Lot, que praticaram incesto com o próprio pai. Seus descendentes foram os bastardos amonitas e moabitas, inimigos figadais de Israel. E depois com Esaú e Jacó, um gerando o ramo que se tornaria a nação de Israel, outro o povo edonita, que também se tornou um grande inimigo dos israelitas.
Destarte, o Velho Testamento é um conjunto de histórias simbólicas que refletem a luta do povo de Israel para estabelecer sua civilização e fundamentar as crenças que espalhou pelo mundo. Todas elas são fundamentadas em momentos históricos vividos por esse povo nas suas relações com seus vizinhos e na sua própria experiência de vida, desenvolvida num ambiente hostil e cheio de desafios. Talvez essa leitura das histórias bíblicas, que mostra mais o lado político-ideológico da saga do povo de Israel nos ajude mais a compreender os conflitos do nosso mundo atual do que a leitura fundamentalista que a religião nos ensinou a fazer. Seja como for, a especulação sobre o simbolismo das histórias bíblicas será sempre um exercício dos mais instigantes.
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Referências Bibliográficas:
A Bíblia Sagrada: versão Soares,Edições Paulinas.
A Bíblia Não Tinha Razão: Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman- Ed. Girafa
Em Gênesis, 4: encontramos a estranha e misteriosa história dos dois primeiros filhos de Adão e Eva, Cain e Abel e o relato do primeiro assassinato que a família humana teria presenciado. É misteriosa porque foi escrita numa linguagem carregada de metáforas e descontextualizações, mais própria de um poeta surrelaista do que a de um cronista procurando fazer história. Logo no início se diz que Adão conheceu sua mulher Eva, a qual concebeu e deu à luz Cain, dizendo: “gerei um homem com a ajuda de Deus”. “Conhecer” aqui significa ter relações sexuais. E gerar com a ajuda de Deus significa que o cronista não acreditava que a semente masculina, por si só, nesse momento primário da criação humana, já contivesse o poder de transmitir a vida. Depois, vem a informação que o segundo filho do casal foi Abel.
Logo após a Bíblia informa que Cain se tornou agricultor e Abel pastor de ovelhas. Ambos tentavam agradar a Deus a seu modo. Cain oferecia ao Senhor os frutos da sua roça e Abel a carne e o sangue das crias do seu rebanho.
Até aí tudo bem. Era costume dos povos antigos, que ainda remanesce em algumas regiões da Ásia e entre povos mais ligados à natureza, oferecer á divindade de sua crença os primeiros frutos das suas safras. Em se tratando de povos agricolas, ofereciam-se as primeiras colheitas, se povos pastores, as primeiras crias.
O que ela não explica é porque Deus teria se agradado das oferendas de Abel e desprezado às de Cain. Será que Jeová era carnívoro e odiava os vegetarianos? A impressão é que sim, pois era um sagrado costume esse, o de imolar carneiros, cabras,bodes e pombos no altar dos sacrifícios. O cheiro da gordura queimada, diziam os israelitas, era agradavel às narinas de Jeová.
Mas e quanto às oferendas da terra? Porque Jeová as desprezava? Não seriam elas tão sagradas quanto as crias dos rebanhos?
Talvez a resposta deva ser buscada alguns versículos antes, quando Deus descobre que o casal humano desobedeceu as suas ordens e comeu o fruto proibido. “ A terra será maldita por tua causa; tirarás dela o sustento com trabalhos penosos todos os dias da tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos e tu comerás a erva da terra”. (Gênesis, 1:18)
Essa ojeriza que os cronistas bíblicos parecem ter pela agricultura tem raízes históricas bem fundamentadas. A Bíblia é bastante clara quanto à origem dos israelitas. Eram pastores nômades, que viviam tocandp os seus rebanhos de um lugar para o outro, sempre à procura de melhores pastos. A saga de Abraão e sua família, os problemas por ele enfrentados para se estabelecer na Palestina, as histórias de Jacó e Labão, os conflitos entre Jacó e Esaú, mostram bem essa condição que os primeiros israelitas ostentavam. Era um povo que vivia exclusivamente do produto dos seu rebanhos e não tinham qualquer habilidade agrícola, pois que isso pressupõe a existência de núcleos urbanos e uma civilização já estabelecida de forma gregária.
A história de Cain reflete claramente o conflito entre os primeiros israelitas e seus vizinhos pelo controle das terras férteis do Vale do Jordão. Abel é povo de Israel e Cain os inimigos de Israel. É o conflito entre duas formas de vida, a civilização agrícola dos arameus, jebuzeus, amonitas, moabitas e outros povos que habitavam o Crescente Fértil e os israelitas, que viviam do pastoreio.
Essa metáfora está expressa de forma bastante clara na saga de Cain pelo mundo. Expulso da terra onde a família de Deus crescerá, ele carregará para sempre a marca da maldade e da violência. Matou Abel(o favorito de Deus) mas não poderá ser morto, pois que também é filho de Deus. Sua posteridade foi responsável pelo desenvolvimento de características próprias das civilizações gregárias, tais como a música e a metalurgia, conectadas com os nomes de Jubal e Tubal Cain, descendentes de quarta e quinta geração de Cain.
Abel renasce na pessoa de Set, o “filho que Deus deu a Adão no lugar de Abel, que Cain matou”. Durante muitos séculos Israel será avesso à metalurgia, de tal forma que na construção do Templo de Salomão se proibiu a utilização de instrumentos de ferro na realização dos trabalhos.
Nesse conflito está também patente a diferença entre as crenças de Israel e seus vizinhos. Jeová é Deus de toda a humanidade. Mas ele é como um patriarca tribal. Tem preferência entre seus filhos. Seu primogênito é Israel. Só Israel tem direito à sua herança. A metáfora se repetiria com as filhas de Lot, que praticaram incesto com o próprio pai. Seus descendentes foram os bastardos amonitas e moabitas, inimigos figadais de Israel. E depois com Esaú e Jacó, um gerando o ramo que se tornaria a nação de Israel, outro o povo edonita, que também se tornou um grande inimigo dos israelitas.
Destarte, o Velho Testamento é um conjunto de histórias simbólicas que refletem a luta do povo de Israel para estabelecer sua civilização e fundamentar as crenças que espalhou pelo mundo. Todas elas são fundamentadas em momentos históricos vividos por esse povo nas suas relações com seus vizinhos e na sua própria experiência de vida, desenvolvida num ambiente hostil e cheio de desafios. Talvez essa leitura das histórias bíblicas, que mostra mais o lado político-ideológico da saga do povo de Israel nos ajude mais a compreender os conflitos do nosso mundo atual do que a leitura fundamentalista que a religião nos ensinou a fazer. Seja como for, a especulação sobre o simbolismo das histórias bíblicas será sempre um exercício dos mais instigantes.
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Referências Bibliográficas:
A Bíblia Sagrada: versão Soares,Edições Paulinas.
A Bíblia Não Tinha Razão: Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman- Ed. Girafa