Jean Paul SARTRE - Filósofos Modernos e Contemporâneos

SARTRE, Jean Paul e o Existencialismo (recorte), a Náusea (resenha).

1905 – 1980

A Existência precede a Essência.

O Homem Inautêntico. O Homem Contingente.

“Quando olhei para a bandeira da França, eu vi apenas um pedaço de pano” – Paul Nizan.

Se fosse pedido um rosto para a Filosofia na atualidade, esse semblante seria o de SARTRE. Com efeito, cabe ao francês a missão e o privilégio de representar o “Pensamento Superior”, que desde a aurora da humanidade proporciona ao Homem a oportunidade de fugir da mediocridade cotidiana e ter acesso às questões mais profundas sobre o Mundo, sobre a vida e, principalmente, sobre ele próprio.

Pensador formado nos terríveis anos que precederam, viram realizar-se e sucederam os horrores da 2ª Guerra Mundial, SARTRE trouxe para sua escrita toda a angústia, toda a incerteza que permearam a insanidade de um Mundo que não hesitou em matar-se cruelmente, torturar-se barbaramente e enterrar seus melhores anseios e suas melhores realizações artísticas, culturais e humanas em um conflito que representou à perfeição toda a bestialidade do “Ser” que mata sem motivo, talvez por existir sem motivo.

Tempos em que a falta de razão para existir e de um propósito para sobreviver, saltaram das Teorias para a crua Realidade. Tempos em que o “Existencialismo” ganhou corpo, solidez e popularidade.

Afinal, era preciso estudar a “alma”, a “essência” da “falta de essência”. Era preciso estudar o “Ser sem alma, sem essência” que vive por acaso e que, intuindo que a sua morte lhe é o fim definitivo, vive para o “Nada”.

Era preciso estudar o Homem. E, como poucos, SARTRE o fez.

Nascido em Paris, tornou-se órfão de pai já aos quinze meses de vida. Foi criado pela mãe e pelo avô e desde a tenra infância mostrou-se um aluno brilhante.

Com relativa facilidade ingressou na prestigiada École Normale Supériure e ali conheceu Simone de Beauvoir (a quem chamava de Castor) que foi sua companheira por toda vida.

Filósofo e romancista como ele foi Simone a sua base mais sólida e o esteio que lhe permitiu galgar ao posto de “o mais célebre Filósofo do Existencialismo” e um dos raríssimos Pensadores que teve a capacidade de levar a Filosofia ao encontro do público leigo.

Após a graduação, SARTRE trabalhou como Professor e foi nomeado para a cátedra de Filosofia da Universidade de Le Havre, em 1931.

Durante a Guerra, serviu no Exército e foi feito prisioneiro por um curto período. Após readquirir a liberdade, em 1941, ingressou no Movimento de Resistência (que usando táticas de Guerrilha combatia os invasores alemães) e ali combateu até 1945 quando houve a vitória definitiva dos Aliados.

Após o conflito, sua escrita se tornou progressivamente mais politizada e para fazer frente à sua caudalosa produção, bem como a de seus seguidores e amigos, fundou a Revista Político-Literária “Les Temps Moderns”.

Além do trabalho que ali desenvolvia, SARTRE escreveu vários livros, dentre os quais, citamos na sequência aqueles que são consideras “Obras-Chave”. E foram os livros que lhe renderam, além de outros inúmeros admiradores, o Prêmio Nobel de Literatura, de 1964, que ele recusou por discordar do caráter “mercantilista e burguês” do mesmo.

Contudo, apesar de sua recusa, várias outras homenagens sempre lhe foram dedicadas até que em 1980 mais de cinquenta mil pessoas acompanharam seu enterro, em derradeira consagração.

Obras-Chave

1. *A Náusea, de 1938.

2. O Ser e o Nada, de 1943.

3. O Existencialismo é um Humanismo, de 1945.

4. Critica da Razão Dialética, de 1960.

*NOTA do AUTOR – a titulo de complementação, acrescentamos no final do presente Ensaio um Recorte sobre o Existencialismo, que apesar de sua brevidade, apresenta ao (a) leitor (a) os pontos essenciais da doutrina.

*NOTA do AUTOR – devido à importância de “A Náusea” no contexto de seu Ideário e pela sua capacidade de demonstrar quase integralmente o Pensamento do Filósofo, faremos brevíssima resenha da obra no final desse Ensaio.

Desde a Antiguidade que a questão sobre o que “É” ser um Homem – um Ser Humano – e sobre as diferenças que temos em relação aos outros Seres, ocupa a Mente dos principais Filósofos.

Quando se reflete sobre a questão, supõe-se, geralmente, que exista uma “Natureza Humana”, ou uma “Essência” que define a condição de ser, de existir, como Humano.

O passo seguinte é pensar que essa “Essência” ou “Natureza (ie, a forma de ser que é típica dos Seres Humanos)” seja imutável, fixa e idêntica para todos os Homens em todas as épocas e em todos os lugares, independentemente das condições em que vivem e da Cultura que os rege. Todos possuiriam as mesmas características fundamentais e se guiariam pelos mesmos valores básicos.

NOTA do AUTOR – por analogia, seria algo como a “Ideia” de Platão que serve como modelo para a “fabricação” dos indivíduos. As diferenças entre os indivíduos (os magros, os gordos, os baixos, os altos, os negros, os asiáticos etc.), ou entre os Grupos Sociais que formam, seriam superficiais e ocasionadas apenas e principalmente pelas condições climáticas (africanos, por exemplo, tem a pele negra porque a abundância de Sol em sua Terra dispensa seus corpos de ofereceram áreas brancas que facilitam a absorção dos raios solares. Os europeus tem a pele branca pelo motivo inverso etc.).

E são essas imposições do clima, que além dos aspectos corporais, moldam também seus hábitos, suas necessidades (europeus necessitam de casa aquecidas e brasileiros de casas refrigeradas), suas vontades, suas habilidades artísticas, industriais, artesanais etc. Moldam, enfim, a sua Cultura.

Essa visão, que foi fortemente influenciada pela Teologia e pela Mitologia (através de Mitos como o da “Geração ou Criação Divina”, do “Pai Divino” e de todos os “Homens serem Irmãos”) vigorou por milênios, até que um grupo de Pensadores sistematizou as dúvidas e oposições que já existiam desde o principio da Filosofia.

SARTRE, seguindo o eco de seus antecessores, negou categoricamente a presença, ou a existência, de tal “Essência Humana”. Didaticamente ofereceu o seguinte exemplo sobre a problemática:

Imaginemos um abridor de cartas. Essa lâmina nasceu das mãos de um artesão que em algum momento teve a ideia de criar a ferramenta e o claro entendimento sobre a finalidade do objeto, pois seria inconcebível um “abridor de carta” existir sem que o seu fabricante soubesse qual seria a sua finalidade.

Portanto, a Essência do Abridor veio antes de sua Existência.

É claro que os Humanos não são tão simples quanto um “abridor de cartas”, mas para SARTRE isso não altera o fato de que NÃO HÁ um plano determinado para o que os Homens são, porque Não existe nenhum “Artesão”, um Deus demiurgo, que os tenha planejado e fabricado.

NOTA do AUTOR – Essa condição, aliás, pode ser comprovada pela própria liberdade de ação que cada indivíduo usufrui, exceto, é óbvio, pelas limitações da Natureza e pelas imposições sociais.

Mas nem essas imposições e/ou limitações são suficientes para obrigar um indivíduo a ser Padeiro, por exemplo, se a sua vocação ou vontade o levar para o trabalho com eletricidade.

Nem mesmo os Sistemas Totalitários, ou o antigo Sistema Hindu de Castas conseguiu que esse direcionamento fosse voluntário, tampouco completamente acatado.

NÃO HOUVE um plano para que fulano tivesse a “finalidade padeiro”. E mesmo que alguns argumentem que as vocações, as habilidades, são amostras do “Plano Divino”, percebe-se que isso é uma falácia, pois o que dirige o sujeito para esta ou aquela área são as condições da sociedade em que vive, exceto as exceções de praxe.

No atual estágio que o Brasil atravessa, por exemplo, onde o acesso à Universidade foi relativamente facilitado, isso fica bem claro.

Dessa sorte, o “hipotético padeiro por desígnio divino” aproveita a condição favorável para estudar e buscar uma profissão que lhe dê maiores recompensas. Contrariou a “finalidade a que teria sido destinado (sic)” e foi buscar sua realização onde presume encontrá-la.

Assim, inexiste a dita “Finalidade ou Essência Humana”, ao contrário, pois, de um “abridor de cartas”.

Nota-se no parágrafo anterior o quão explicita é a conexão entre a concepção de que “A Existência precede a Essência” e o Ateísmo dos Existencialistas em geral e de SARTRE em particular.

E, com efeito, grande parte dos esforços de SARTRE foi canalizada para demonstrar que as abordagens Religiosas sobre o Homem funcionam apenas através da analogia com os trabalhos artesanais que o próprio Homem realiza: o que é o Ser Humano, ie a “Natureza Humana” seria análoga, pois, ao “abridor de cartas” na Mente de Deus (Sic).

SARTRE também considerava que muitas teorias Não Religiosas ainda conservam as suas raízes no modo de Pensar Religioso, o que as invalida justamente por não terem base lógica e racional.

Assim, o Filósofo defendeu a posição que julgava mais consistente com o seu Ateísmo. Afinal, já que Não Existe Deus, não seria possível que Ele tivesse dado um “objetivo, uma finalidade, uma Essência” a qualquer coisa. Inclusive ao Ser Humano. Que Ele estabelecesse uma “Natureza Humana”.

Até esse ponto é importante observar a associação direta que SARTRE, a exemplo de outros, faz entre “Essência e Finalidade”.

Conceito que apesar de sua origem Mística e Religiosa, teve um tratamento filosófico ao ser estudado dentro da Corrente Teleológica (Teleíos = do grego, final, causas), que, como se sabe, considera o Mundo um Sistema de relações entre meios e fins. É o Estudo dos Fins, ou das Finalidades Humanas e se tornou uma concepção tão introjetada em nosso modo de pensar que é vista por muitos como uma “Verdade Absoluta”.

Todavia, para SARTRE outra “Natureza Humana” é possível. É possível que ele construa a sua “Essência” ao estabelecer seus objetivos, ou uma finalidade para si mesmo.

E como essa “Essência” não foi dada por nenhum “Ser Divino” compete ao Homem definir a si próprio. Qual é, ao cabo, a sua Essência. Por isso, a sua máxima “Definir a nós mesmos”, da qual se originaram os conceitos:

“Primeiramente o Homem existe (nasce), surge no Mundo (descobre-se separado da mãe, atravessa a infância, a adolescência) e só depois se Define (em termos de caráter, personalidade)”.

“Quanto aos Homens, não é o que eles são que me interessam, mas o que eles podem se tornar”.

SARTRE coloca que “definir a nós mesmos” Não é apenas uma questão de ter a capacidade de dizer “somos Seres humanos”. Não é enumerar as características pessoais.

Em verdade, é assumirmos a forma do tipo de SER que escolhemos nos tornar (não obstante as circunstâncias que influem nessa escolha).

Isso é, na verdade, o que nos faz diferentes de todos os outros Seres. Só nós podemos nos tornar aquilo que escolhermos fazer de nós mesmos.

Uma pedra será sempre uma pedra. Idem com um cão, uma árvore etc. Já o Homem tem o poder de formar a si próprio.

NOTA do AUTOR – a ideia sartreana de que somos livres para moldar as próprias vidas foi um dos conceitos chave da ideologia do Movimento Estudantil francês no célebre Maio de 1968, em contraponto à antiga ideia da predestinação, da “habilidade herdada”, do “dom divino” etc.

Porém, a Filosofia sartreana que nos libera do predeterminismo e passa a ser chamada de “Filosofia da Liberdade”, não é completamente favorável aos anseios do Homem, pois há a contrapartida da responsabilidade que acarreta, pela Liberdade que concede.

Somos livres para nos tornarmos o que quisermos, mesmo que as limitações materiais impeçam o exercício absoluto dessa autonomia (desejar ter asas e voar como um pássaro é inútil, por exemplo). E mesmo que no âmbito das Escolhas possíveis, frequentemente sejamos coagidos a decidir com base em antigos hábitos, ou vestutas regras e normas de conduta que nos são introduzidas desde o nascimento (e que para serem eliminadas exigem que tenhamos a coragem de nos rebelarmo-nos continuamente e assumirmos que vivemos num Mundo em que nada é predeterminado. Que descartemos qualquer ação, ou pensamento mecânico, pesando cada atitude, cada concepção na balança precisa da Racionalidade).

Mas, a verdade é que muitos poucos lutam pela liberdade e o motivo para tal comportamento vai além de um simples comodismo. A razão, de fato, é o medo que a liberdade acarreta.

Afinal, se eu escolho viver de certa maneira tenho que arcar com a responsabilidade dessa decisão, enquanto se eu optar em apenas seguir os padrões estabelecidos ficarei na confortável situação de poder debitar a tais padrões os meus fracassos e as iniquidades do Mundo.

Ao fazermos escolhas criamos um “Modelo” para a vida que julgamos ser a correta. Se, por exemplo, eu decido ser um Filósofo não estarei escolhendo apenas por mim, pois implicitamente estou afirmando que ser Filósofo é uma atividade que vale à pena.

Não somos, portanto, responsáveis apenas pelo impacto das escolhas em nossas vidas, mas também pelo seu impacto sobre os demais. E, como dissemos, sem regras alheias, não teremos desculpas que nos eximam pelas consequências oriundas das escolhas feitas.

NOTA do AUTOR – pedirei licença ao leitor (a) para propor, neste trecho, uma alteração no célebre aforismo de SARTRE que diz que “estamos condenados a ser livres”. Diria que “estamos condenados POR sermos livres”.

Por essa razão, a “Filosofia da Liberdade” também foi classificada como “Pessimista”, justamente por acarretar a responsabilidade pelas nossas decisões. Tal adjetivo o Filósofo rejeitava com veemência, pois no seu entendimento a sua forma de Pensar seria a mais “Otimista” possível, precisamente por permitir que exerçamos um controle efetivo sobre o tipo de Personalidade que queremos ter e sobre o modo como agiremos. Ainda que isto custe o preço de se arcar com as consequências pelas nossas opções.

De todo modo, o Ideário de SARTRE influenciou uma vasta gama de eruditos (e em especial a sua companheira Simone de Beauvoir) além da juventude que tomou as ruas no Maio de 1968 para combater o bom combate de derrubar as antigas ideias Predeterministas, Tradicionalistas e Autoritárias que dominaram o Mundo até as décadas de 1950, 1960.

E sua influência não ficou restrita ao plano teórico, pois a militância e o ativismo pelas Causas Sociais e Humanistas foi uma parte importante em sua vida.

Suas constantes mudanças de afiliações Partidárias, sua presença assídua nas grandes Manifestações e a sua voz ativa em defesa da Liberdade, sempre estiveram juntas de sua atuação no campo da Filosofia, da Política e da Literatura.

E foi seguramente esse conjunto de contribuições ao progresso do Homem, a sua grandeza intelectual e a sua alta estatura ética que o tornaram “o rosto da Filosofia”.

RECORTE – O EXISTENCIALISMO

Dizem os compêndios que o “Existencialismo” é uma Escola Filosófica criada por Soren Kierkegaard (Dinamarca, 1813 – 1855). Porém, a ideia por trás de tal Sistema sempre esteve entre as reflexões do Homem e exemplos desse fato já podem ser vistos no século IV aC. quando Aristóteles se perguntava “como devemos viver?”.

Destarte, quando Soren escreveu “Ou isto, ou Aquilo” em que investiga o papel desempenhado pelas “Escolhas” que fazemos na formação das nossas vidas, todo um rio caudaloso já havia passado, carreando essa questão.

Desse modo, pode-se pensar que diante do horror causado pela ascensão do Totalitarismo e pela deflagração do Conflito Mundial, fatos que por si expuseram ostensivamente a falta de Sentido da Existência e, principalmente, a falta de Sentido dos Valores Burgueses (como Pátria, Honra Nacional, Etnia, Deus, Religião etc.), nada mais natural que as cabeças geniais de Heidegger, JASPERS, Simone de Beauvoir e Jean Paul SARTRE entre outros, atualizassem a estrutura daquele antigo Pensar no formato do Existencialismo atual e o utilizassem para denunciar a hipocrisia daqueles falsos valores e daquele tipo de Existir.

E nesse formato atual, tem-se como tese central do Ideário a concepção de que não há uma “Essência” antes da “Existência”, sobre a qual falamos no corpo do Ensaio. Diretamente oriundas dessa tese central, surgem as concepções de Contingência e da Inautenticidade, que veremos a seguir.

Por negar peremptoriamente toda Metafísica e toda noção de Deus, o Existencialismo também nega a validade daqueles supostos valores que foram embasados pela divindade e/ou pela natureza. Nega, pois, a validade de todos os valores burgueses, os quais, ao cabo, seriam apenas instrumentos de opressão e de controle de uns sobre os outros.

A partir da Ideia de negação sistemática de Deus, pode-se resumir a “Contingência Humana” (ou seja, o fato de “existir por acaso”, sem propósito, sem finalidade, sem objetivo, sem sentido) da seguinte maneira:

1. O Homem é um “Ser” que existe efetivamente.

2. Quando esse Homem se propõe a fazer algo, primeiro ele estabelece um objetivo, um sentido para aquilo que tenciona fazer.

3. Esse propósito, esse Sentido, essa Essência, vem antes da Existência daquilo que será feito.

Porém,

1. Como Deus não existe.

2. O Homem não foi Criado por “Ele (seja lá o nome que se dê a tal Ser, ou Energia, ou Força)”.

3. Logo, não existe Essência, ou Propósito, ou Finalidade, ou Sentido que tenha antecedido a Existência Humana.

4. Portanto, o Homem existe por um mero acaso, por uma simples Contingência. Sem qualquer sentido.

5. Sendo assim, a EXISTÊNCIA, o Ato de Existir, vem antes de qualquer Essência no Homem.

Como, pois, Não há um propósito, um objetivo para o Homem existir (por mais que as Religiões digam o contrário, quando o colocam como o “ápice da Criação” e o principal elemento no “Comando” do Mundo), ele passa a ser considerado um “Ser Contingente”, ie, ele existe por um mero acaso. Tanto pode existir, como inexistir, que em nada alterará o Universo.

E por não ter uma “Essência”, tampouco nenhuma “atribuição especial”, nem um “Sentido maior, mais sublime” dados por um eventual “Criador”, surge uma outra condição além da Contingência. Ele é “condenado a ser livre”, o que lhe acarreta a total responsabilidade por seus atos, já que não pode se escusar por seus dolos e erros alegando “ter sido programado pela Natureza ou por Deus para isso”, “por ter sido feito dessa maneira” etc.

A partir dessa falta de Essência, de Sentido para a Vida e da problemática de “Ser condenado à Liberdade” é que resulta a Inautenticidade.

O Homem para se esquecer da falta de Sentido e da Liberdade que não deseja, apega-se exclusivamente às questões cotidianas (trabalhar, juntar dinheiro, colecionar parceiros (as) sexuais, obter honrarias, títulos, glórias etc.) e vive apenas em função das mesmas, esforçando-se ao máximo para não refletir sobre suas questões mais profundas e, ao cabo, Autênticas. Ele opta, então, por viver de forma Inautêntica.

Da conjunção de todos esses fatores é que surge a Angústia Existencial por saber que caminha para o Nada, pois se nada o antecedeu, também nada lhe sucederá. Caminha, pois para a morte definitiva, para o Nada absoluto.

Na sequência veremos uma brevíssima resenha de uma obra-prima do Filósofo, a Náusea, onde ele expõe essa angústia como se ela fosse uma sensação de náusea orgânica que sempre recorda ao Homem a sua mísera condição.

A NÁUSEA - RESENHA

Essa obra é um exemplo perfeito das imensas possibilidades da Literatura, haja vista ser tão valorosa como “Tratado Filosófico”, quando “Romance”.

Nela, toda a genialidade de SARTRE fica patente e não deixa dúvidas sobre o merecimento do Prêmio Nobel que lhe foi outorgado (e recusado) em 1964.

Alguns a classificam como um “Romance Filosófico” e, com efeito, é tão bem concebido que não se consegue diferenciar os gêneros literários neste texto que conta a história de Antonio Roquetin.

O protagonista é um pesquisador, já entrado na casa dos trinta anos, que se muda para a cidade portuária francesa de Bouville (uma mal disfarçada referência ao porto holandês de Haia) após longas viagens.

Vai para a localidade com a intenção de escrever a biografia de uma personagem histórica, mas no desenrolar do trabalho o sedentarismo lhe produz estranhas sensações e enquanto ele se dedica à sua atividade, passa a ver o Mundo, e o lugar que ocupa no mesmo, de maneira totalmente diferente.

Num crescente empolgante de dúvidas e emoções, ele percebe que a sólida lógica racional que acreditava constituir a Realidade simplesmente não existe. Que os hábitos, valores, crenças etc. não passam de uma fina camada superficial sem qualquer lastro mais profundo.

Abalado pela conscientização, passa a ser acometido pela “Náusea da Existência”, ou seja, pela horrível sensação de sermos Contingentes, de não termos um Sentido e de que caminhamos para o Nada.

Pasmado pela indiferença das Coisas, dos Objetos inanimados e pela Inautenticidade dos Seres Humanos com quem convive, sente-se cada vez mais sufocado pela consciência de que cada situação que vive é o seu próprio ser, existir. Descobre, assim, que a sua Existência é desprovida de qualquer significado maior.

Através das reflexões que se originam dessas descobertas e circunstâncias que atingem a sua personagem, SARTRE analisa as questões relativas à Liberdade, à Responsabilidade, à Consciência e ao Tempo.

Influenciada pela Filosofia de Husserl e pelo estilo de Dostoiévski e de Kafka a obra apresentou o Existencialismo (enquanto Sistema de Pensamentos), ao Mundo, que não demorou a elegê-lo como um dos principais do século XX.

O conceito de que “A Existência precede a Essência” aparece nela pela primeira vez, antecipando, aliás, o conjunto de Ideias, do qual faz parte, e que só veio ao público em 1943, quando SARTRE publicou sua outra obra-prima “O Ser e o Nada”.

É uma obra monumental e indispensável para todos os interessados em adentrar o Universo de SARTRE e resgatar o direito de criar suas próprias convicções sobre o mistério que é existir.

Resenha elaborada a partir do original “La Náusea” de 1938 – Editora Gallimard, Paris.

São Paulo, 07 de Agosto de 2012.

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