"E o que há de complexo no mundo complexo?" Niklas Luhmann e a Teoria dos Sistemas Sociais

A Complexidade em Niklas Luhmann

Apresentação de João Bosco, professor.

FONTE: SOCIOLOGIAS, Porto Alegre, ano 8, nº 15, jan/jun 2006, p. 182-207

Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 15, jan/jun 2006, p. 182-207

REVISTA : DOSSIÊ

E o que há de complexo no mundo complexo? Niklas Luhmann e a Teoria dos Sistemas Sociais

Autora: CLARISSA ECKERT BAETA NEVES

Professora do PPG Sociologia/UFRGS. Pesquisadora CNPq. Coordenadora do Grupo de Estudos sobre a Universidade/GEU/UFRGS. Brasil.

FABRÍCIO MONTEIRO NEVES

Doutorando do PPG Sociologia/UFRGS. Bolsista CAPES. Brasil.

Segundo Thomas Mann em Doutor Fausto:

“Pois qual dentre os inventados (idiomas) deveria ela (a natureza) escolher para exprimir-se?” (Mann apud Hochman, 2002: p. 231).

O mundo – conceito paradoxo: a totalidade de todos os acontecimentos – a mais alta unidade de referência. Não é um sistema, porque ele é o espaço- tempo da história para as observações – para ver as diferenciações que sistemas fazem para observar.

Mundo como unidade do passado e do futuro, do observador e do observado, de Ego e de Alter Ego (Corsi et. ali 1996).

O mundo não pode ser superado, não possui fronteiras...

O conceito de complexidade do mundo retrata a última fronteira ou o limite último extremo.

Essa complexidade extrema do mundo não é compreensível pela consciência humana.

A capacidade humana não dá conta de apreensão da complexidade.

Assim, entre a extrema complexidade do mundo e a consciência humana existe uma lacuna.

Esta abordagem dos sistemas sociais como “uno”, como um todo resultado da soma das partes, mas como diferença.

Se, de um lado, os sistemas sociais operam para a redução da complexidade, por outro, eles também constroem sua própria complexidade.

O sistema precisa fechar-se operacionalmente em relação ao entorno, produzindo seus próprios elementos, (autopoiésis) operando, assim, a construção de sua própria complexidade. (processo-a evolução).

O entorno é sempre mais complexo que o sistema: engloba todas as possíveis relações, os possíveis acontecimentos, os possíveis processos.

A diferenciação entre sistema e entorno ocorre quando o sistema passa a atuar seletivamente no plano das estruturas e nos processos em busca de uma ordem e a superação do caos pelos subsistemas e seleção de elementos articuladores entre si.

O sistema tende ignorar, rechaçar, criar indiferenças e fechar-se. Tal processo é o que se chama de redução de complexidade

Mas o que é complexidade?

“A distinção que constitui a complexidade assume a forma de um paradoxo: complexidade é a unidade de uma multiplicidade.” (Luhmann, 1999: p. 136).

Atualmente a observação é muito mais complexa, já que os próprios sistemas observacionais se complexificaram: há o alto grau de auto-referência das operações e da representação de complexidade na forma de comunicação, ou seja, não existe uma última palavra.

Cada comunicação leva a nova comunicação.

A redução de complexidade não é a anulação

de sentido, de valores, mas como um processo recorrente de transformação de potencialidades em atualizações.

Complexidade não pode ser confundida com complicação. Complexidade não é transparente e inteligível.

Como ela pode ser observada?

Quem é o observador que é observado?

O observador está em condições de decompor a unidade de uma multiplicidade em elementos e relações?

Neste contexto, aparecem conceitos tão amplos como “interdisciplinaridade”, “transdisciplinaridade”, multidisciplinaridade”, tentativas de o sistema de lidar com a própria

complexidade interna, com a fragmentação cada vez maior e com a diferenciação de disciplinas que se fecham dentro de seus próprios universos semânticos.

A complexidade é condição, não empecilho, para a construção do conhecimento.

Referências

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Resumo

Este artigo discute a compreensão que Niklas Luhmann tem de complexidade, sua função na teoria e os diferentes modos de sua utilização. Parte-se da mudança paradigmática que ocorreu no campo da Ciência em geral, com a

ruptura do modelo newtoniano. No século XX, o paradigma da ordem, da simetria, da regularidade, da regulação do intelecto às coisas, entra em crise. A partir de novas formulações da Física, da Química, etc. ergue-se um novo universo sobre bases radicalmente opostas às da Ciência moderna. Há a reabilitação do caos, da irreversibilidade processual, do indeterminismo, do observador e da complexidade. Este novo ambiente conceitual serviu de substrato para a reflexão teórica de Niklas Luhmann. Através da Teoria dos Sistemas Sociais, ele propõe a redução da

complexidade do mundo. Sistemas sociais têm como função a redução da complexidade pela sua diferença com relação ao entorno. Ao reduzir complexidade, por outro lado, ele também constrói sua própria complexidade. Luhmann define complexidade quando já não é possível que cada elemento se relacione em qualquer momento com todos os demais. Complexidade obriga a seleção, que significa contingência e risco. Luhmann aprofunda o conceito de complexidade ao introduzir a figura do observador e da distinção complexidade como unidade de uma multiplicidade. Luhmann trata ainda do limite de conexões de relações, do fator tempo, da auto-referência das operações e da representação da complexidade na forma de sentido. Por fim, o artigo trata da complexidade no sistema da ciência, o modo como este reduz complexidade interna e externa, segundo uma base operativa própria.

Palavras-chave:

Complexidade, sistemas sociais, ciência, mundo complexo, sistema e entorno, autopoiéses, observação de segunda ordem, interdisciplinaridade, transdisciplinaridade e multidisciplinaridade.