Arquivo-me
Já roí duas unhas. Três. Quatro. Todas. Acabaram-se as unhas, ficaram os dedos disformes e doloridos. Queria também me beliscar. Mas dói isto. E fica roxo. O que há de excesso em mim? Não tenho mais a idade da petulância. Por que ainda me rôo? Onde foi que arrumei esta rouquidão que não me permite gritar? Tenho tantos sons abafados. Coloco a cabeça dentro de um armário e após berrar, fecho a porta?
E quando abrir, será que o berro não sairá me empurrando contra a parede? Me deixará surda? Ou será que me devolverá a lucidez? São perguntas e perguntas sem respostas. São pensamentos corrosivos. Ficam destruíndo os neurônios como se fosse normal tal atitude. Cansei da ponta da faca. Aliás, cansei de muita coisa. Quero um holofote, um palco e um microfone. Quero por alguns momentos falar a qualquer ouvinte. Dizer da mediocridade, da falsidade, da ideologia, da utopia. Dizer da verdade; a minha verdade. E o que é verdadeiro? Verdadeira é a dor, é a incerteza, é a solidão de mim mesma. Resolvi esvaziar o meu conteúdo. Engavetei todos os sonhos, todas as amarguras, todos os risos. Agora, busco atrás do espelho a minha alma que se esconde. Por que não consigo parar de pensar? Ah! queria os azuis miosótis, os cantos dos pássaros das ilhas de Nirvana. Queria pernas longas, longitudinais horizontes e crespas ondas. Queria parar de pensar. E recolher os cacos pontiagudos da memória tátil. E lançá-los além da risca azul do horizonte.
Faço nada disto. Arquivo-me.