O Existencialismo em Leonardo Van Acker (1981)* Por J B Pereira

O Existencialismo em Leonardo Van Acker (1981)*

Por J B Pereira

O termo existência é muito antigo e se confunde com a essência. Segundo Demócrito, “nada pode provir do nada nem vir-a-ser nada.” Para Platão, o não-ser é a matéria. E o Deus de Aristóteles é a causa do movimento, “no primeiro motor”. O cristianismo concebe a ideia de um Deus criador ou causa do mundo como gérmen da filosofia da existência. A escolástica concebia Deus como a causa essendi ou a causa da existência dos entes ou das coisas. Para Spinoza, Deus é a única substância (infinita ou divina), pela qual entendemos “as coisas produzidas por Deus” Para Max Scheler, a distinção essência e existência em Deus não é real, apenas nos entes criados. Para Hegel, essência é ideia do ser como processo dialético entre tese, antítese e síntese. O ser e o nada (não tem conteúdo) se combinam ou conciliam no vir-a-ser (o ser que não é, mas vem-a-ser); o resultado é o Dasein (o ser presente, com qualidade limitada). A existência é um momento exterior do ser como conceito ou atualidade ou efetividade, enquanto o interior é a essência.

Para Kierkegaard, a existência é a consciência de que o homem em si como humano, diferente dos outros seres e do divino. O homem é a existência no sentido pleno! O homem é o centro do mundo-existência. Esse é o conceito que inspirou o existencialismo contemporâneo. Essência e existência são conceitos diferentes para designar o real ou realidade.

Para Martin Heidegger, em o Ser e Tempo (1926), partindo do texto Sofista de Platão, Heidegger examina o ser como plenitude. O ser só é possível no homem como Dasein. A essência do homem é a sua existência; não como Deus, ser perfeito, eterno, infinito. O ser implica temporalidade e finitude. O homem é tempo concreto (tridimensional) e duração qualitativa. Esse sentido, só o homem tem consciência de ser um ser-no-mundo, capaz de interessar-se por si, pelos outros e pelo mundo (êxtases ou extra-posições: o homem pode sair de si mesmo e ir ao encontro dos outros; no futuro o homem ultrapassa e transcende-se! Para Bergson, coincidente com o pensamento de Heidegger, na intuição, o homem ultrapassa a si mesmo e entra em comunicação com o surto vital que anima a humanidade, p. 133: a vida biológica, cósmica, divina; ele pode exceder o próprio corpo como a orquestra excede a batuta do regente; o espírito sobrevive às possibilidades do corpo.).

Para Heidegger, a solidão absoluta e o nada tornam a vida terrivelmente angustiosa. Para aliviar essa pressão existencial, o homem mergalha-se na arte, na música, na religião, no cotidiano, na poesia, na filosofia, no mundo e na ação presente, muitos vivem esquecidos do seu passado e futuro,; outros ignoram a vida e vivem uma vida banal como uma inautenticidade. Perder-se na vida cotidiana, esquecer-se nas coisas, é vida inautêntica. O homem é que empresta às coisas certa noção de memória, consciência. Cabe aos homens ordenar as coisas do mundo, dando-lhes sentido, quando parecem não os ter por si mesmas. As coisas constituem instrumentos de ação e podem mudar de essência mudar de essência. Assim, as coisas não tem existência. Só os homens existem. Porque, pensam e se comunicam, buscam o outro, ultrapassa sua condição de isolamento... O homem tem consciência de sua temporalidade e finitude, tem o limite da morte: é um ser para a morte. Cabe ao homem cuidar de si; mas sem perder-se nas coisas. Pode o homem ter um projeto para seu futuro (um plano pessoal de vida e bem-viver e viver bem.).Vida autêntica implica consciência de si, do mundo e de relacionar com os outros; preocupar-se com os outros. Dar sentido ao que faz à medida que percebe o peso da vida e do viver em sociedade. É preciso edificar uma sociedade justa, fraterna, solidária.

A existência como contingência aparece em Hans Reiner como uma questão do homem como ser-no-mundo como confiança na existência e superação do desespero.

Para Alberto Wagner de Reina, o ser-para-a-morte é outra fase do ser-para-a-eternidade. Porque, na morte, o homem completa seu ciclo vital; é um ato bem pessoal ou é um momento último de vida. Abre-se a esperança de alcançar o objeto da busca além do mundo.

Para Karl Jaspers (médico e filósofo), a visão de mundo é complexa em imagens e sensações, valores e concepções. Tudo é relativo, múltiplo em sentidos variáveis: deve o homem escolher entre os valores em conflitos – destruindo o que não é bom para ele. Tudo é relativo, só Deus é absoluto. As crises e angústias são inerentes ao viver e viver em coletividade e para o mundo em transformações. Deve-se procurar o equilíbrio, evitando-se o desespero dos ceticismos, as indiferenças nihilistas, o autoritarismo e o liberalismo (como se tudo é proibido ou tudo é permitido), nem o absolutismo (se houvesse o poder absoluto acima a que tudo rege no mundo finito). Graças a fé e a experiência, sem excluir a ciência, o homem pode libertar-se de si e buscar sentido em si e nos outros, e em Deus, o totalmente outro. Nesse sentido, o homem pode dizer “eu sou”; sou diferente de todas as coisas... Como Dasein é ele mesmo, ou reflexo das consciências (das culturas). Ele pode tomar decisões e opções que direcionam seu sentido de viver. Mas, a vida é contingência e histórica!

Grabriel Marcel, o metafísico, dramaturgo e convertido ao cristianismo, assume uma posição diferente dos demais filósofos, quando admite que a existência é a relação do sujeito com o objeto já não como problema em si, mas como relação de conhecimento mútuo e nunca separados. É um “mysterion” como união secreta, fechada: a vida é a união indissolúvel entre o sujeito (Dasein) e o objeto (a existência). “Eu” está ligado ao “existo”, onde pensamento e existência se assumem reciprocamente. Existir é um ato de vontade; é um existir agora inapelavelmente. A vida inclui o outro, a realidade concreta exterior a si mesmo(a). O homem não se pensa sem pensar o outro como ser/identidade e relação do outro/ alteridade; porque duvidar do outro pode ser duvidar de si. O homem é um ser-para-o-outro, um ser-para-Deus. O homem é um ser engajado na história como relação com o outro. Ele tem compromisso com o outro (compaixão). Ele assume seu viver como fidelidade como característica da mortalidade, da humildade do homem – aberto ao outro. Fidelidade é resposta ou entrega ao ser, aos outros e a Deus. O que nos cativa (prende ao mundo) não é o conhecer, mas o amor. Amor ao outro, ao projeto de construção de sentido da vida, de esperança como amor e fidelidade à vida contra o desespero. A esperança não se reduz ao desejar e consumir, dominar ou projetar só para si... ainda que tudo parece bom e útil no momento do desejo/prazer/satisfação. Cabe ao homem exorcizar o medo, o desespero, o consumismo, diante do mundo de show e ofertas e de morte e fome, de injustiças (vale de lágrimas). A morte pode ser um convite ao desespero (ruptura de tudo e com todos) ou o trampolim para além de si – no ato de coragem e de fé, de transcender-se ao mundo e ao corpo.A técnica e a longevidade podem adiar a morte, mas não eliminá-la. Pode acontecer que a ciência e a tecnologia nos iludam com a ideia de felicidade e superação da morte. Mas, não podem e deixam-nos a sensação de desespero ou imediatismo ou vazio. O controle da ciência nunca é total. (filme: controle remoto). Esperar é próprio de seres desarmados; inermes, dos que acreditam em um mundo melhor ou quando tudo fracassou e agora só pode ser um milagre. É preciso humanizar o homem; Deus é o aliado do verdadeiro amor. Fé é para quem aprendeu a acreditar!

Para Sartre e Simone de Beauvoir, a vida é náusea e sem sentido. Não há liberdade total; a consciência humana angustia-se com a morte. Deus é uma quimera inventada para consolar os que não veem ser absurdo viver. Há um vácuo intransponível entre o em-si (no francês: em soi)e a consciência de si (no francês: pour soi). Cabe ao homem aceitar-se na vida absurda.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.

*VAN ACKER, Leonardo. A filosofia contemporânea. Convívio, 1981, p. 126-150.