DIVIDINDO PERPLEXIDADES EM POÉTICA

"Como INVADIRÍAMOS esse âmago sem adulterá-lo? Para que invadiríamos e por quê?... "Mas, afinal, sem invasão não há interlocução, não é verdade?" Vânia Viana, de Maceió/AL.

(reflexão no âmbito da Comunidade UNI-VERSO DOS POETAS, no Orkut)

Em Poética não existe essa interlocução direta com o leitor/receptor, porque é discurso fruto do subjetivismo do criador do poema, que é a peça lavrada – a materialidade da Poesia – enquanto que esta é intangível, imaterial, gênero literário individuado, diferenciado da prosa e suas espécies: conto, crônica, etc. Na Poesia, o monólogo dá-se no falante ALTER EGO, que alguns afirmam ser o Eu poético. Fernando Pessoa, o gênio da lusitanidade, mestre universal em nosso idioma, percebeu a alteridade psíquica, e criou – desde a nominação do vocábulo – os HETERÔNIMOS. Alberto Caieiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Bernardo Soares (semi-heterônimo), a guisa de exemplificação, são egos poéticos nominativos. Veja-se, no entanto, como Pessoa percebe com clarividência o alter ego. Além dos heterônimos criados e biografados, e os semi-heterônimos não biografados, a um dos mais autobiográficos ele denominou FERNANDO PESSOA-ELE MESMO-O OUTRO. Fica claro que nunca é ele mesmo – o sofrente solto no rol dos vivos – porque a este está destinado o mundo das relações pessoais e não o da linguagem para além do tempo de viver. E é este o vivente que morre de cirrose hepática, em 1935. Nessa linha de pensamento, a linguagem poética não invade o âmago do outro, é o poeta-leitor, o receptor que se apossa dela como se fosse de sua propriedade. Há um apossamento do que não é seu. Neste momento mágico de escolha e de consequente “estranhamento”, a interlocução psíquica se estabelece entre o texto (o signo, o simbólico) e o seu eventual destinatário. No entanto, a proposta de reflexão não se destina especificamente a este, e sim a todos os que por ela transitam e lhe dão o devido abrigo emocional e estético. A emocionalidade lhe dá guarida e a proposta textual passa a viver – densa e enigmática, por vezes – no sentir de quem a absorveu. Vivifica-se a relação literária nessa conjunção de dois polos: o emissor e o receptor, que podem acabar sendo os mesmos por interpenetração e a consequente identidade adquirida...

– Do livro OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 02; 2012/17.

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