Em Cartaz
EM CARTAZ:
UMA SIMPLES IMAGEM
O cartaz como linguagem é o mais simples dos veículos de design gráfico, identifica o que é pela apresentação através de imagem e informa pelo texto conciso: imagem e palavras dando significado de fácil memorização. A história do cartaz reflete o desenvolvimento técnico das sociedades, a economia, relações sociais e culturais, movimentos artísticos e a estética de cada período.O cartaz como comunicação visual é hoje reconhecido como forma vital de arte graças a seu impacto visual e aos artistas que a ele se dedicaram.
PIONEIROS NA FRANÇA
Surge em meados do século dezenove pela integração da produção artística com a evolução industrial, na França como uma das pioneiras, com o nome de affiche, palavra que já exprime o significado: o que pode ser afixado a uma parede ou suporte. A técnica litográfica inventada por Alloys Senefelder em 1796 na Alemanha, é que possibilita por volta de 1870 produções maciças de cartazes, espalhando-se pelas capitais europeias. Na França o pintor e editor Jules Chéret considerado o pai dos cartazes, desenvolve um estilo próprio, o desenho com o que ele chamou de “traços-chave”, um contorno servindo de guia para separar as cores de impressão, resultando força maior da imagem numa paleta de cores vibrantes em relação ao texto curto, de maneira a atingir o publico iletrado. Imprimindo mais de 1000 cartazes em sua existência, sua pequena oficina de litografia aliou arte e publicidade, e pelo sucesso comercial se tornou um ramo da Imprimerie Chaix, com um grupo de artistas privilegiados encabeçado por Henri de Toulouse-Lautrec, seguindo-se Bonnard, Eugène Grasset, Valloton, entre outros. A influência desses artistas atinge os grandes centros, nos USA aliando nomes como Will Bradley, Parrish,Rhead e Penfield, na Inglaterra Dudley, Pryde e Hardy à arte do cartaz.
Na segunda Revolução Industrial o cartaz era o meio ideal para educar o consumidor, por outro lado um maior número de apreciadores de arte da florescente burguesia acompanhava todas as formas de diversão e cultura no Folies-Bérgere, Jardin de Paris, Olympia e Thêatre de l’Opéra. É o período da Belle Époque quando os cartazes alcançam imenso sucesso comercial, Chéret cria então os Maîtres de l’Affiche com cartazes de menores dimensões para serem colecionados, Alphonse Mucha se destacando no Art Nouveau. Assim entre 1890 e 1900 a publicidade cresce com uma nova forma de arte: o cartaz colorido, afixado nos boulevards parisienses, nas vitrines vienenses e nos quiosques londrinos. Não existiam regras para provocar a aceitação da mensagem, os artistas não repudiavam a ideia de criar algo para o comércio, a publicidade se alia à moda, se a estética dominante é o Art Nouveau, o cartaz segue a regra. O apelo estético é a maior preocupação, não interessam as leis da perspectiva, cores uniformes e contornos demarcados como as xilogravuras recém-trazidas do Japão são determinantes, figuras solitárias soltas na superfície ou ocupando apenas parte do espaço dão a tônica. A mulher, o teatro e a dança são os temas dominantes e essa é a razão que imagens como Loïe Fuller, Jane Avril, La Goulue, apelidadas na época como les Chérettes, sejam até hoje tão conhecidas. Se Toulouse-Lautrec é a figura boemia mais lembrada, com suas cores brilhantes e agressivas, primeiros planos audaciosos nos recortes, figuras refletindo por vezes uma triste realidade dos bastidores pelo seu olhar irônico, Alphonse Mucha será o mestre dos cartazes Art Nouveau com figuras etéreas, contornos suaves e cabelos estilizados em cachos enroscados em volutas, de atrizes como Sarah Bernhardt em papéis como Gismonda, Medéa e em tantos outros, Maude Adams no papel de Jeanne d’Arc ou o cartaz La dance de 1898, uma homenagem à arte da dança e a Loïe Fuller, sua maior expressão na época. Irá além: criará letras acompanhando as formas, e numa obra mestra do cartaz, um simples anúncio de papel próprio para enrolar cigarros da marca Job, o desenho forma monograma geométrico que se repetirá no fundo como papel de parede, como imposição da marca.
A VANGUARDA EUROPÉIA
Porém o cartaz francês na história do design quase foi eclipsado por Leonetto Capiello, considerado o pai da publicidade moderna que em Milão criou mais de 3000 cartazes, adotou fundos uniformes e graças aos companheiros Hohenstein, Dudovich e Metlicovitz criou desenhos de traços marcados e cores vivas que eram o oposto de Chéret nos seus coloridos transparentes, diziam diretamente a que vinham pelas metáforas visuais.
Esses foram os tempos heroicos do início da arte do cartaz, não poderemos traçar em detalhe mais de cem anos de sua história, contentando-nos então com algumas breves anotações. O movimento da Secessão em Viena, a Sezession Styl, entre 1898 e 1918 liderados por Gustav Klimt na efervescência do ecletismo cultural vienense, difunde os desenhos ingleses de Aubrey Beardsley, adota os espaços vazios e a verticalidade de seus cartazes, a uniformidade no peso das linhas e assimetria extrema imprimindo dramaticidade. Koloman Moser, Otto Wagner e Adolf Loos desenvolvem nos cartazes uma linguagem gráfica apurada no diálogo entre ilustração, texto e decoração, inclusive com tipos (fontes) de letras próprias, é o conceito de obra de arte total. Após a Primeira Guerra Mundial os designers alemães criam o estilo Sachplakat (cartaz-objeto) em que texto e imagem formam unidade, as letras especialmente criadas remetendo às imagens, algo que só seria retomado como conceito na década de cinquenta nos USA. O início do design gráfico na Europa, tal como projeto de comunicação visual aparece com a Escola de Artes e Ofícios de Weimar, a Bauhaus em 1919 que irá até 1934. Oskar Schlemmer em 1924 introduz os fios de impressão, estereótipo da Escola que permanecem até hoje sem a função inicial, juntamente com os tipos sem serifa e o emprego de tipo único, sem distinção de maiúsculas e minúsculas na comunicação. A Rússia soviética no período 1918-1921 desenvolveu o cartaz como veiculo de comunicação de massas, seus ilustradores integram slogans com ilustrações, os construtivistas através de mudanças de ângulo e contrastes serão pioneiros na fotomontagem e tipografia dinâmica. Na França o estilo Art Déco originado da pintura cubista e do geométrico será predominante entre 1925 e 1940, usando sombreamento gradual em faixas, diagonais, círculos e secções de círculo, com maior peso nas imagens. Nas criações de Cassandre, o mestre dos cartazes franceses dos anos vinte, ao contrário, a palavra era o centro nervoso, em torno da qual as formas plásticas se desenvolviam, a imagem gráfica da palavra correspondendo à ideia.
A DIFUSÃO DA ARTE GRÁFICA
Nos Estados Unidos dos anos trinta o design gráfico utiliza a montagem, colagem, fotografia e desenho como Picasso, Matisse e Miró utilizavam e a serigrafia, apesar da limitação no número de cores, para grandes tiragens; na Segunda Guerra os cartazes tem papel fundamental caindo no pós-guerra em desuso pelos anúncios em revistas. Na Europa, entretanto os cartazes encontram um nicho privilegiado na Neue Graphik da Suiça, com artistas concretistas e pós-construtivistas. O uso frequente de diagonais, desenhos geométricos, fotos em preto e branco em oposição às letras em cor, os cortes e desfoques são o ponto alto criativo antes das imagens por computação. Na França o design comercial se dirige para os livros e revistas, mas alguns artistas resistem com cartazes pintados e justificando: uma única imagem para uma única ideia, sem necessidade de palavras. Outros, com a chegada da fotocomposição e a manipulação de imagens e texto usam em excesso o alto contraste, marca dos anos sessenta. Recortes ditos “americanos”, mundialmente usados por todos, sobre fundos chapados enfatizavam os contornos e formas facilitando o retoque manual.
O cartaz no final dos anos sessenta responde em sua maioria a circunstâncias particulares: movimentos estudantis, o underground californiano, o movimento de 68 em Paris, a cultura em Cuba. Impressos em serigrafia, com fotos em alto contraste, muitas vezes com inversão do preto/branco pela preparação da tela serigráfica em negativo, por ser arte visual era pensado como comunicação de massa. Na década de setenta o outdoors ocupa o lugar dos cartazes na comunicação visual, embora ainda surjam trabalhos sofisticados como os de Uwe Loesch na Alemanha, combinando imagens, texto e reprodução gráfica de sons, e no Japão como nova potência mundial o cartaz com forte tradição desde as xilogravuras do século dezenove, na época chamados Ukiyo-e, retoma o que fora feito por Chéret: o que importa é a imagem ficar distante do enunciado, a ideia gráfica desvinculada do texto.
A partir dos anos oitenta a informação encontra inúmeras maneiras de atingir o público, a comunicação visual se faz pela televisão, ainda pelos outdoors, dia-a-dia se inovando no avanço da computação, Internet, redes sociais, intervenções na forma de projeções gigantescas sobre fachadas de edifícios e projeções holográficas em realidade virtual. O cartaz como divulgação perde seu papel, mas sobrevive como arte.
Hoje, mais uma vez voltamos àquela ideia brilhante de Jules Chéret com as séries Maîtres de l’Affiche antecipando o futuro: são peças de comunicação visual, mas , acima de tudo memorabilia, itens para serem colecionados, de certa maneira um fetichismo por objetos dissociados de suas funções originais, tornando-se lembranças dignas como metáforas visuais, de momentos vividos no resgate da memória.
Walter de Queiroz Guerreiro, Prof. M.A.
Membro da Associação Brasileira e Internacional de Críticos de Arte