A lenda de Démeter e Perséfone
Deméter (Δημήτηρ), na Grécia era o nome da deusa da agricultura. Na rica simbologia da cultura grega, ela representava os poderes regenerativos e reprodutores da terra, poderes esses que eram responsáveis pela geração dos seus frutos.
Por isso ela era considerada a deusa da fertilidade, pois a terra cultivada devia a ela a sua capacidade de produzir. Daí a sua caracterização como deusa da agricultura, que aparece nos mais antigos textos gregos como sendo uma divindade ligada diretamente ás colheitas, representada sempre com um feixe de trigo entre os braços.
Segundo a lenda ela era filha dos titãs Crono e Réia, tendo como irmãos os deuses Zeus, Hera, Posídon e Hades. Da mesma forma que na cultura egípcia, os relacionamentos amorosos entre irmãos, na complexa teogonia grega, eram comuns. Assim Démeter manteve um romance com seu irmão Zeus, do qual nasceu uma linda menina chamada Perséfone (Περσεφόνη).
Hades, seu outro irmão, apaixonou pela jovem e bela sobrinha e tentou seduzi-la. Não o conseguindo, raptou-a e levou-a para seu reino subterrâneo. Tendo tomado conhecimento do desaparecimento da filha, Démeter começou a procurá-la por todo o mundo, com um archote aceso em cada mão. Após vários dias de busca encontrou o deus Hécate, que ouvira os gritos de Perséfone, mas não conseguiu ver quem fora o seu raptor. Indicou, porém, a direção onde ela deveria ser procurada. Foi o deus Hélio, o Sol, que revelou a identidade do raptor...
Enfurecida, Deméter pediu a ajuda de seu irmão e amante Zeus. Mas este se recusou a brigar com seu irmão Hades para libertar a filha. Perséfone então resolveu não voltar para o Olimpo. Em vez disso foi para Elêusis, uma cidade santuário próxima a Atenas, na forma de uma velha ama, e assumiu a guarda e a educação do filho do rei daquela cidade.
Durante o tempo em que permaneceu em Elêusis ela ensinou aos homens o segredo do cultivo do trigo.
Mas a ausência de Démeter no Olimpo fez com que a terra se tornasse estéril, forçando Zeus a procurar sua irmã e amante e suplicar que ela voltasse para a montanha sagrada. Ela consentiu a voltar desde que sua filha Perséfone fosse libertada e também voltasse ao Olimpo. Todavia, Perséfone já havia se acostumado ao reino das sombras e tornara-se esposa do seu tio Hades. Reverenciada como rainha dos mortos, ela não queria deixar o seu reino para ser apenas mais uma deusa do Olimpo. Foi então que para resolver o impasse, Zeus e Hades (símbolos do céu e do inferno) fizeram um acordo. Perséfone passaria seis meses no Hades e seis meses no Olimpo.
É com base nesse mito que os gregos desenvolveram os seus Mistérios, conhecidos como Mistérios de Elêusis.
Os Mistérios de Elêusis
Os Mistérios de Elêusis eram cerimônias rituais praticadas no santuário que leva esse nome. Era um santuário próximo á cidade de Atenas, dedicado à deusa-mãe Démeter, protetora da agricultura.
.Os Mistérios de Elêusis tinham como ponto central o psico-drama de Démeter, cuja filha tinha sido raptada pelo deus dos infernos, Hades e levada para o mundo das sombras, onde se tornou sua esposa. Por conta disso Démeter amaldiçoou a terra, que se tornou estéril e não produziu mais nada. Tal calamidade provocou a ira dos homens, que começaram a amaldiçoar os deuses. Estes, não suportando a situação, pediram a intervenção de Zeus, que então suplicou a Démeter que voltasse para novamente a abençoar a terra, devolvendo a ela o poder de frutificar. Démeter concordou, desde que Hades libertasse a sua filha.
O ritos eleusinos foram desenvolvidos a partir dessa simbologia. Tratava-se de agradar a deusa imitando o processo que ela, como deusa-mãe, usava para dar vida à semente depositada no solo, gerando o novo fruto. A semente era como a jovem Perséfone, que passava um tempo no seio da terra, e depois brotava para a vida. Dessa forma, repetindo os ciclos da natureza, o homem poderia obter também a sua própria regeneração como semente viva posta na terra pelos deuses.
Com base nesse mito, os gregos desenvolveram as cerimônias iniciáticas dos seus Mistérios, nas quais se praticavam rituais destinados a despertar Perséfone, ou seja, a semente que foi enterrada e renascia, dando nova vida à terra. Assim, esses rituais tinham uma dupla finalidade: de um lado tratava-se de agradar a deusa para que ela abençoasse a terra e proporcionasse boas colheitas; de outro promovia um renascimento psicológico nas pessoas que eram iniciados nesses Mistérios.
Esse mito tinha representações variadas entre todos os povos de cultura grega, mas os festivais do santuário de Elêusis se tornaram uma verdadeira tradição iniciática para o povo grego e um legado da sua cultura para os povos que eles influenciaram. Assim é que iremos encontrar rituais semelhantes entre os trácios, os macedônios e principalmente os povos da Itália. Com o tempo os Mistérios de Elêusis se tornaram uma instituição cultural de tal respeito que todas as pessoas importantes no mundo helênico, e depois no mundo romano, faziam questão de ser iniciados nesses Mistérios. Era uma rara distinção pela qual se pagava importantes somas de dinheiro.
Entre os romanos, principalmente, essa tradição se tornou tão comum que as festas dedicadas a Démeter (Ceres na língua latina), eram realizadas no mês de abril e se prolongavam durante uma semana. Nessas ocasiões os romanos de origem nobre e aqueles que se destacavam nas artes e nas ciências eram iniciados.
A função iniciática dos Mistérios
Tanto nos Mistérios Egipcios quanto nos Mistérios Gregos, a complicada ritualística desses fes-tivais se destinava a homenagear a deusa da terra para que ela promovesse a regeneração da semente plantada, de forma que ela se tornasse cereal. Era, portanto, um culto de origem panteísta, que tinha por único objetivo obter a benevolência da deusa para que ela proporcionasse ao povo boas colheitas. Por um processo de imitação, essa manifestação cultural assumiu contornos espiritualistas e começou a ser aplicada também á própria vida humana. Pois se isso podia ocorrer em relação á semente do cereal, também poderia ser aplicado ao ser humano, enquanto semente da vida espiritual cósmica. Dessa forma, porque o mesmo processo não poderia ser utilizado para promover a regeneração psíquica do homem?
Assim o mito evoluiu da tradição para a religião e desta para a metafísica. Daí para a política e a sociologia, se tornando um dos mais influentes arquétipos da cultura humana. Todos os povos anti-gos, de alguma forma, praticavam seus Mistérios. Até os cristãos, embora seus líderes condenassem publicamente essas práticas, não foram infensos à influência desses arquétipos. Há quem sustente, por exemplo, que a Paixão e Morte de Jesus Cristo nada mais é que uma encenação escatológica desses Mistérios, onde Jesus é comparado à Osires, ou a Perséfone, como semente que é depositada na terra para simbolizar a vitória da vida sobre a morte. Assim todo o drama representado por Jesus na cruz e a sua ressurreição no terceiro dia não seria um evento real, mas sim uma simbologia que teria sido convenientemente apropriada pelos lideres cristãos para alavancar a nova religião entre os habitantes do império romano, que já conheciam e adotavam essas crenças como verdadeiras. Verdadeira ou não essa tese, o fato é que não se pode negar a estreita relação de semelhança que existe entre essas tradições, corroborando a nossa crença de que na base delas está assente o mesmo arqué-tipo.
A ritualística dos Mistérios
Da mesma forma que seu congênere egípcio, os Mistérios de Elêusis eram divididos em duas etapas. Havia os Grandes e os Pequenos Mistérios. O primeiro era representado em março, correspondente ao equinócio de primavera e o segundo em setembro, correspondente ao equinócio de inverno. Representavam, conjuntamente, os ciclos da terra em seus processos de morte e ressurreição, expressos pelas estações do ano.
Nos Pequenos Mistérios o iniciando se preparava para receber os Grandes Mistérios. Nessa pri-meira parte do cerimonial ele era purificado, interrogado, fazia diversas promessas e juramentos, aprendia os sinais e passos do iniciado. Após jurar guardar estrito segredo sobre o que viu e ouviu, ele recebia o titulo de Mystos, que significava ser ele um “iniciado”, porém ainda incapaz de contemplar a Grande Luz da deusa. Somente após o interstício de um ano estaria pronto para penetrar nos Grandes Mistérios.
Os rituais referentes a estes últimos prolongavam-−se por nove dias e comportavam ritos que eram desenvolvidos dentro e fora do templo. Na última fase da cerimônia o iniciado se vestia com uma pele de carneiro, significando que ele seria o sacrificado, a ”oferenda” ofertada à deusa, para que sobre ela fosse executado o trabalho de regeneração.
O iniciado então era levado a uma caverna escura onde permanescia por alguns dias em completa escuridão, como se fosse a própria semente depositada na terra. Depois era submetido a uma série de provas onde sua fidelidade, sua bravura, seu respeito aos deuses era provado. Por fim era submetido aos rituais de purificação, nos quais se integrava aos quatro elementos primários – ar, terra, fogo e água − composto esse que segundo as crenças da época eram os elementos básicos que compunham todas as coisas existentes na terra.
A influência na Maçonaria
Eis porque tanto os Antigos Mistérios egípcios quanto os Mistérios de Elêusis são constantemente invocados nos ritos maçônicos, pois ambos evocam a necessidade de uma morte ritual e uma regeneração do recipiendário, como condição essencial á sua passagem de um estado de consciência profana para uma consciência superior de iniciado.
A cerimônia de iniciação na Maçonaria tem sido comparada á iniciação do iniciado nos Pequenos Mistérios e a cerimônia de elevação ao grau de mestre na Maçonaria simbólica é, para muitos autores maçônicos, uma corruptela da iniciação nos Grandes Mistérios. Há inclusive autores que acreditam que a Lenda de Hiram tenha sido diretamente adaptada dessa fonte, pois que o arquiteto do Templo de Salomão, assassinado por três companheiros traidores, cumpre idêntico papel ao de Osiris nos Mistérios Egípcios e de Perséfone nos Mistérios Eleusinos.
Essas comparações e analogias são, a nosso ver, um tanto licenciosas. Todavia, a instituição que existia por trás dessas práticas iniciáticas se assemelha bastante ao que hoje praticamos como moderna Maçonaria. Para começar não era qualquer pessoa que podia ser iniciada nos Mistérios de Elêusis, da mesma forma que hoje se faz na Irmandade maçônica. Somente homens de reconhecida idoneidade e excelente reputação eram cooptados para fazer parte do fechado círculo de iniciados.
A escolha e o processo de cooptação de recipiendários eram rigorosos, sendo patrocinada pelo próprio estado ateniense. A legislação que Sólon redigiu para Atenas continha punições para aqueles que transgredissem as regras de silêncio exigidas em relação aos rituais e ensinamentos comunicados aos iniciados. Plutarco conta que até o grande general Alcebíades, herói ateniense das Guerras Pérsicas, foi punido com a extradição por ter violado tais regras. Fulcanelli diz que a revelação dos segredos dos Mistérios de Elêusis aos profanos era punida com a morte e mesmo aqueles que os ouviam eram considerados criminosos.
Outra analogia que se pode fazer é que a prática dos Mistérios de Elêusis era o elo que unia as grandes personalidades do povo grego. Alcebíades, o famoso general ateniense, bem como Sólon, o grande legislador, Demóstenes, o magnífico orador e a grande maioria dos filósofos eram iniciados. Sócrates, Pitágoras e Aristóteles confessaram a influência que receberam dessas práticas iniciáticas. Sófocles, o laureado poeta, dizia que “somente aqueles que contemplaram os Mistérios entrarão na posse da verdadeira vida”.
Nos Mistérios de Elêusis os iniciados aprendiam o verdadeiro significado dos mitos helênicos. Descobriam, finalmente, que tais mitos não eram apenas explicações fantásticas das origens e dos acontecimentos históricos relativos ao povo grego, mas sim alegorias que continham ensinamentos morais, históricos e psicológicos da mais profunda relevância. Era nesses mitos e lendas que estava hospedada a verdadeira sabedoria iniciática e somente "os eleitos" podiam adquiri-la. Platão, nos diálogos de Fédon, reconhece que “os homens que estabeleceram os Mistérios, eram iluminados” e “somente aqueles que fossem iniciados morariam com os deuses”.
Não é, portanto, sem razão, a analogia que se faz entre a Maçonaria, enquanto instituição, e os Mistérios de Elêusis e os seus congêneres egípcios, persas e hindús. Não só em relação ao domínio do esotérico, presente em todas essas tradições, mas também pelo seu objetivo disciplinador, por assim dizer, elas podem ser consideradas como “escolas de treinamento espiritual”, onde a mente do homem é preparada para o exercício de uma consciência superior, que o torna capaz de exercer na sociedade um papel diferenciado. Graças a esse “treinamento espiritual”, mais até do que as preocupações com o físico, os gregos superaram as limitações geográficas de um território tão pobre em recursos naturais como é a Grécia, fundando um império comercial e cultural que inaugurou uma nova era na civilização humana.
Se a Maçonaria, enquanto filosofia e prática de vida fosse devidamente entendida pelos que nela se iniciam, e realmente levada a sério, certamente se poderia obter um resultado semelhante aos que os gregos conseguiram com a prática dos Mistérios de Elêusis, ou seja, a geração de uma plêiade de homens realmente virtuosos.
Note-se que o declínio da cultura grega, bem como da cultura egípcia e dos demais povos antigos coincide com a popularização dessas cerimônias. Nesse sentido, é bom observar que nem sempre um aumento de quadros significa uma melhoria de qualidade. Aliás, no caso, o resultado é exatamente o contrário. A quantidade geralmente faz declinar a qualidade. Assim, se a Maçonaria quiser sobreviver como verdadeiro “centro de treinamento de conscientização superior”, talvez fosse inte-ressante seguir o conselho do iniciado Jâmblico, o filósofo grego que deu características de ciência experimental à alquimia: ele disse que a popularização do conhecimento iniciático, ao invés de democratizá-lo, o abastarda. E que só homens verdadeiramente aptos para recebê-los devem ser iniciados. Não nos custa reconhecer que ele tinha razão.
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NOTAS:
1.. Os seis meses no Olimpo simbolizam a primavera e o verão, época em que a terra germina seus frutos, e os seis meses no Hades simbolizam o outono e o inverno, época em que a terra fica estéril.
2. Em Roma Démeter se chamava Ceres ou Minerva, Perséfone era conhecida como Prosérpina e Hades era o infernal Plutão. Nomes famosos da história romana foram iniciados nos Mistérios Eleusinos, tais como os imperadores Otávio Augusto e Nero.
3.Fulcanelli- O Mistério das Catedrais-Ed Esfinge, Lisboa, 1956.
Deméter (Δημήτηρ), na Grécia era o nome da deusa da agricultura. Na rica simbologia da cultura grega, ela representava os poderes regenerativos e reprodutores da terra, poderes esses que eram responsáveis pela geração dos seus frutos.
Por isso ela era considerada a deusa da fertilidade, pois a terra cultivada devia a ela a sua capacidade de produzir. Daí a sua caracterização como deusa da agricultura, que aparece nos mais antigos textos gregos como sendo uma divindade ligada diretamente ás colheitas, representada sempre com um feixe de trigo entre os braços.
Segundo a lenda ela era filha dos titãs Crono e Réia, tendo como irmãos os deuses Zeus, Hera, Posídon e Hades. Da mesma forma que na cultura egípcia, os relacionamentos amorosos entre irmãos, na complexa teogonia grega, eram comuns. Assim Démeter manteve um romance com seu irmão Zeus, do qual nasceu uma linda menina chamada Perséfone (Περσεφόνη).
Hades, seu outro irmão, apaixonou pela jovem e bela sobrinha e tentou seduzi-la. Não o conseguindo, raptou-a e levou-a para seu reino subterrâneo. Tendo tomado conhecimento do desaparecimento da filha, Démeter começou a procurá-la por todo o mundo, com um archote aceso em cada mão. Após vários dias de busca encontrou o deus Hécate, que ouvira os gritos de Perséfone, mas não conseguiu ver quem fora o seu raptor. Indicou, porém, a direção onde ela deveria ser procurada. Foi o deus Hélio, o Sol, que revelou a identidade do raptor...
Enfurecida, Deméter pediu a ajuda de seu irmão e amante Zeus. Mas este se recusou a brigar com seu irmão Hades para libertar a filha. Perséfone então resolveu não voltar para o Olimpo. Em vez disso foi para Elêusis, uma cidade santuário próxima a Atenas, na forma de uma velha ama, e assumiu a guarda e a educação do filho do rei daquela cidade.
Durante o tempo em que permaneceu em Elêusis ela ensinou aos homens o segredo do cultivo do trigo.
Mas a ausência de Démeter no Olimpo fez com que a terra se tornasse estéril, forçando Zeus a procurar sua irmã e amante e suplicar que ela voltasse para a montanha sagrada. Ela consentiu a voltar desde que sua filha Perséfone fosse libertada e também voltasse ao Olimpo. Todavia, Perséfone já havia se acostumado ao reino das sombras e tornara-se esposa do seu tio Hades. Reverenciada como rainha dos mortos, ela não queria deixar o seu reino para ser apenas mais uma deusa do Olimpo. Foi então que para resolver o impasse, Zeus e Hades (símbolos do céu e do inferno) fizeram um acordo. Perséfone passaria seis meses no Hades e seis meses no Olimpo.
É com base nesse mito que os gregos desenvolveram os seus Mistérios, conhecidos como Mistérios de Elêusis.
Os Mistérios de Elêusis
Os Mistérios de Elêusis eram cerimônias rituais praticadas no santuário que leva esse nome. Era um santuário próximo á cidade de Atenas, dedicado à deusa-mãe Démeter, protetora da agricultura.
.Os Mistérios de Elêusis tinham como ponto central o psico-drama de Démeter, cuja filha tinha sido raptada pelo deus dos infernos, Hades e levada para o mundo das sombras, onde se tornou sua esposa. Por conta disso Démeter amaldiçoou a terra, que se tornou estéril e não produziu mais nada. Tal calamidade provocou a ira dos homens, que começaram a amaldiçoar os deuses. Estes, não suportando a situação, pediram a intervenção de Zeus, que então suplicou a Démeter que voltasse para novamente a abençoar a terra, devolvendo a ela o poder de frutificar. Démeter concordou, desde que Hades libertasse a sua filha.
O ritos eleusinos foram desenvolvidos a partir dessa simbologia. Tratava-se de agradar a deusa imitando o processo que ela, como deusa-mãe, usava para dar vida à semente depositada no solo, gerando o novo fruto. A semente era como a jovem Perséfone, que passava um tempo no seio da terra, e depois brotava para a vida. Dessa forma, repetindo os ciclos da natureza, o homem poderia obter também a sua própria regeneração como semente viva posta na terra pelos deuses.
Com base nesse mito, os gregos desenvolveram as cerimônias iniciáticas dos seus Mistérios, nas quais se praticavam rituais destinados a despertar Perséfone, ou seja, a semente que foi enterrada e renascia, dando nova vida à terra. Assim, esses rituais tinham uma dupla finalidade: de um lado tratava-se de agradar a deusa para que ela abençoasse a terra e proporcionasse boas colheitas; de outro promovia um renascimento psicológico nas pessoas que eram iniciados nesses Mistérios.
Esse mito tinha representações variadas entre todos os povos de cultura grega, mas os festivais do santuário de Elêusis se tornaram uma verdadeira tradição iniciática para o povo grego e um legado da sua cultura para os povos que eles influenciaram. Assim é que iremos encontrar rituais semelhantes entre os trácios, os macedônios e principalmente os povos da Itália. Com o tempo os Mistérios de Elêusis se tornaram uma instituição cultural de tal respeito que todas as pessoas importantes no mundo helênico, e depois no mundo romano, faziam questão de ser iniciados nesses Mistérios. Era uma rara distinção pela qual se pagava importantes somas de dinheiro.
Entre os romanos, principalmente, essa tradição se tornou tão comum que as festas dedicadas a Démeter (Ceres na língua latina), eram realizadas no mês de abril e se prolongavam durante uma semana. Nessas ocasiões os romanos de origem nobre e aqueles que se destacavam nas artes e nas ciências eram iniciados.
A função iniciática dos Mistérios
Tanto nos Mistérios Egipcios quanto nos Mistérios Gregos, a complicada ritualística desses fes-tivais se destinava a homenagear a deusa da terra para que ela promovesse a regeneração da semente plantada, de forma que ela se tornasse cereal. Era, portanto, um culto de origem panteísta, que tinha por único objetivo obter a benevolência da deusa para que ela proporcionasse ao povo boas colheitas. Por um processo de imitação, essa manifestação cultural assumiu contornos espiritualistas e começou a ser aplicada também á própria vida humana. Pois se isso podia ocorrer em relação á semente do cereal, também poderia ser aplicado ao ser humano, enquanto semente da vida espiritual cósmica. Dessa forma, porque o mesmo processo não poderia ser utilizado para promover a regeneração psíquica do homem?
Assim o mito evoluiu da tradição para a religião e desta para a metafísica. Daí para a política e a sociologia, se tornando um dos mais influentes arquétipos da cultura humana. Todos os povos anti-gos, de alguma forma, praticavam seus Mistérios. Até os cristãos, embora seus líderes condenassem publicamente essas práticas, não foram infensos à influência desses arquétipos. Há quem sustente, por exemplo, que a Paixão e Morte de Jesus Cristo nada mais é que uma encenação escatológica desses Mistérios, onde Jesus é comparado à Osires, ou a Perséfone, como semente que é depositada na terra para simbolizar a vitória da vida sobre a morte. Assim todo o drama representado por Jesus na cruz e a sua ressurreição no terceiro dia não seria um evento real, mas sim uma simbologia que teria sido convenientemente apropriada pelos lideres cristãos para alavancar a nova religião entre os habitantes do império romano, que já conheciam e adotavam essas crenças como verdadeiras. Verdadeira ou não essa tese, o fato é que não se pode negar a estreita relação de semelhança que existe entre essas tradições, corroborando a nossa crença de que na base delas está assente o mesmo arqué-tipo.
A ritualística dos Mistérios
Da mesma forma que seu congênere egípcio, os Mistérios de Elêusis eram divididos em duas etapas. Havia os Grandes e os Pequenos Mistérios. O primeiro era representado em março, correspondente ao equinócio de primavera e o segundo em setembro, correspondente ao equinócio de inverno. Representavam, conjuntamente, os ciclos da terra em seus processos de morte e ressurreição, expressos pelas estações do ano.
Nos Pequenos Mistérios o iniciando se preparava para receber os Grandes Mistérios. Nessa pri-meira parte do cerimonial ele era purificado, interrogado, fazia diversas promessas e juramentos, aprendia os sinais e passos do iniciado. Após jurar guardar estrito segredo sobre o que viu e ouviu, ele recebia o titulo de Mystos, que significava ser ele um “iniciado”, porém ainda incapaz de contemplar a Grande Luz da deusa. Somente após o interstício de um ano estaria pronto para penetrar nos Grandes Mistérios.
Os rituais referentes a estes últimos prolongavam-−se por nove dias e comportavam ritos que eram desenvolvidos dentro e fora do templo. Na última fase da cerimônia o iniciado se vestia com uma pele de carneiro, significando que ele seria o sacrificado, a ”oferenda” ofertada à deusa, para que sobre ela fosse executado o trabalho de regeneração.
O iniciado então era levado a uma caverna escura onde permanescia por alguns dias em completa escuridão, como se fosse a própria semente depositada na terra. Depois era submetido a uma série de provas onde sua fidelidade, sua bravura, seu respeito aos deuses era provado. Por fim era submetido aos rituais de purificação, nos quais se integrava aos quatro elementos primários – ar, terra, fogo e água − composto esse que segundo as crenças da época eram os elementos básicos que compunham todas as coisas existentes na terra.
A influência na Maçonaria
Eis porque tanto os Antigos Mistérios egípcios quanto os Mistérios de Elêusis são constantemente invocados nos ritos maçônicos, pois ambos evocam a necessidade de uma morte ritual e uma regeneração do recipiendário, como condição essencial á sua passagem de um estado de consciência profana para uma consciência superior de iniciado.
A cerimônia de iniciação na Maçonaria tem sido comparada á iniciação do iniciado nos Pequenos Mistérios e a cerimônia de elevação ao grau de mestre na Maçonaria simbólica é, para muitos autores maçônicos, uma corruptela da iniciação nos Grandes Mistérios. Há inclusive autores que acreditam que a Lenda de Hiram tenha sido diretamente adaptada dessa fonte, pois que o arquiteto do Templo de Salomão, assassinado por três companheiros traidores, cumpre idêntico papel ao de Osiris nos Mistérios Egípcios e de Perséfone nos Mistérios Eleusinos.
Essas comparações e analogias são, a nosso ver, um tanto licenciosas. Todavia, a instituição que existia por trás dessas práticas iniciáticas se assemelha bastante ao que hoje praticamos como moderna Maçonaria. Para começar não era qualquer pessoa que podia ser iniciada nos Mistérios de Elêusis, da mesma forma que hoje se faz na Irmandade maçônica. Somente homens de reconhecida idoneidade e excelente reputação eram cooptados para fazer parte do fechado círculo de iniciados.
A escolha e o processo de cooptação de recipiendários eram rigorosos, sendo patrocinada pelo próprio estado ateniense. A legislação que Sólon redigiu para Atenas continha punições para aqueles que transgredissem as regras de silêncio exigidas em relação aos rituais e ensinamentos comunicados aos iniciados. Plutarco conta que até o grande general Alcebíades, herói ateniense das Guerras Pérsicas, foi punido com a extradição por ter violado tais regras. Fulcanelli diz que a revelação dos segredos dos Mistérios de Elêusis aos profanos era punida com a morte e mesmo aqueles que os ouviam eram considerados criminosos.
Outra analogia que se pode fazer é que a prática dos Mistérios de Elêusis era o elo que unia as grandes personalidades do povo grego. Alcebíades, o famoso general ateniense, bem como Sólon, o grande legislador, Demóstenes, o magnífico orador e a grande maioria dos filósofos eram iniciados. Sócrates, Pitágoras e Aristóteles confessaram a influência que receberam dessas práticas iniciáticas. Sófocles, o laureado poeta, dizia que “somente aqueles que contemplaram os Mistérios entrarão na posse da verdadeira vida”.
Nos Mistérios de Elêusis os iniciados aprendiam o verdadeiro significado dos mitos helênicos. Descobriam, finalmente, que tais mitos não eram apenas explicações fantásticas das origens e dos acontecimentos históricos relativos ao povo grego, mas sim alegorias que continham ensinamentos morais, históricos e psicológicos da mais profunda relevância. Era nesses mitos e lendas que estava hospedada a verdadeira sabedoria iniciática e somente "os eleitos" podiam adquiri-la. Platão, nos diálogos de Fédon, reconhece que “os homens que estabeleceram os Mistérios, eram iluminados” e “somente aqueles que fossem iniciados morariam com os deuses”.
Não é, portanto, sem razão, a analogia que se faz entre a Maçonaria, enquanto instituição, e os Mistérios de Elêusis e os seus congêneres egípcios, persas e hindús. Não só em relação ao domínio do esotérico, presente em todas essas tradições, mas também pelo seu objetivo disciplinador, por assim dizer, elas podem ser consideradas como “escolas de treinamento espiritual”, onde a mente do homem é preparada para o exercício de uma consciência superior, que o torna capaz de exercer na sociedade um papel diferenciado. Graças a esse “treinamento espiritual”, mais até do que as preocupações com o físico, os gregos superaram as limitações geográficas de um território tão pobre em recursos naturais como é a Grécia, fundando um império comercial e cultural que inaugurou uma nova era na civilização humana.
Se a Maçonaria, enquanto filosofia e prática de vida fosse devidamente entendida pelos que nela se iniciam, e realmente levada a sério, certamente se poderia obter um resultado semelhante aos que os gregos conseguiram com a prática dos Mistérios de Elêusis, ou seja, a geração de uma plêiade de homens realmente virtuosos.
Note-se que o declínio da cultura grega, bem como da cultura egípcia e dos demais povos antigos coincide com a popularização dessas cerimônias. Nesse sentido, é bom observar que nem sempre um aumento de quadros significa uma melhoria de qualidade. Aliás, no caso, o resultado é exatamente o contrário. A quantidade geralmente faz declinar a qualidade. Assim, se a Maçonaria quiser sobreviver como verdadeiro “centro de treinamento de conscientização superior”, talvez fosse inte-ressante seguir o conselho do iniciado Jâmblico, o filósofo grego que deu características de ciência experimental à alquimia: ele disse que a popularização do conhecimento iniciático, ao invés de democratizá-lo, o abastarda. E que só homens verdadeiramente aptos para recebê-los devem ser iniciados. Não nos custa reconhecer que ele tinha razão.
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NOTAS:
1.. Os seis meses no Olimpo simbolizam a primavera e o verão, época em que a terra germina seus frutos, e os seis meses no Hades simbolizam o outono e o inverno, época em que a terra fica estéril.
2. Em Roma Démeter se chamava Ceres ou Minerva, Perséfone era conhecida como Prosérpina e Hades era o infernal Plutão. Nomes famosos da história romana foram iniciados nos Mistérios Eleusinos, tais como os imperadores Otávio Augusto e Nero.
3.Fulcanelli- O Mistério das Catedrais-Ed Esfinge, Lisboa, 1956.