Modelização e recorte da realidade

Gostaria de comentar algo que me ocorreu, outro dia, durante uma esplicação em sala de aula. Falávamos, então, sobre modelização, gramaticalidade e normatividade. Uma aluna colocou uma questão sobre a aceitabilidade da frase: "Nós vai comer" dentro do contexto rural nordestino. Expliquei a questão dentro da perspectiva linguística, disciplina que trata os aspectos da língua de forma descritiva e explicativa, diferentemente da Gramática, prescritiva e normativa.

Depois, fiquei matutando sobre a função modelizante da linguajem e como as comunidades linguísticas "recortam" a realidade, como significam as suas experiências. Pensei na expressão "Nós vai comer" e procurei entender o que, realmente, expressaria. Confrontei-a com a frase "Nós vamos comer" - registro considerado norma. No primeiro caso - Nós vai comer, o sujeito está no plural (1a pessoa) e o predicado no singular (Ir, 3a pessoa, Presente do Indicativo). Percebendo que "nós" refere-se ao conjunto EU + TU (1a e 2a pessoas do singular), que pede predicado no plural e que "vai" (Ir - 3a pessoa singular, Presente do Indicativo) pede sujeito singular; refleti qual seria a lógica da comunidade linguística que usa aquela forma de registro. Conclui, e me desculpe se viajo na maionese rsrrs, que o predicado nesse caso está concordando com o coletivo "a gente" (conjunto formado por EU+TU+ELE) implícito no inconsciente do homem da zona rural, homem simples, acostumado a dividir não só as agruras da vida, mas as bênçãos. Assim, o "nós" (EU+TU) converte-se em "nós" sinônimo de "a gente" (EU+TU+ELE). "Nós vai comer" reflete a lógica do homem simples: todos somos filhos do mesmo Pai, ou mesma Mãe (Terra), não importando se o outro participa mediatamente da minha fala (TU, com quem se fala), mas sim que existe, implicitamente, mesmo que inconscientemente, no universo discursivo (ELE, de quem se fala).

Puxa vida! Viajei através de galáxias! rsrsrsrs

Grata pela paciência e, se for o caso, pela condescendência, afinal, caro leitor, escrever é isso: ousar e se expor irremediavelmente.