Os quatro mundos da Cabala

Os temas cabalísticos entraram na Maçonaria por força da aproximação simbólica que eles têm com as visões do universo projetado pela Arte Real. A Cabala nos ensina que o Cosmo é construído em quatro etapas de emanação da potência divina. Essas etapas são os chamados quatro mundos primordiais, nos quais o edifício cósmico é construído. Daí a grande atração que a forma quádrupla exerce sobre a sabedoria arcana, que vê no quaternário um símbolo de grande poder místico.(1)
Na Cabala, esses mundos são conhecidos pelos nomes hebraicos de Atziloth, Briah, Yetzirah e Assiah.
Em Atziloth, chamado mundo da origem, esse é o momento em que a luz é tirada das trevas. É quando o Criador “pensa” o universo material e o concebe como um plano de criação, uma manifestação da sua potência criadora. Por isso, na tradição cabalística esse momento é chamado de Kether, a Coroa da Criação, a Potência que se manifesta em sua forma positiva. Ele é EHIEH, Eu Sou.  Em termos maçônicos esse seria o momento em que o Grande Arquiteto do Universo concebe os planos de construção do edifício cósmico.(2)
Em Briah, o mundo da criação, a energia criadora se converte em Luz. É o momento em que o Grande Arquiteto do Universo esquematiza e organiza a manifestação criativa. Surgem as grandes leis universais, segundo as quais o cosmo se materializa. Essas leis também são quatro: relatividade, gravidade, aceleração e movimento.(3)
Em Yetzirah, o mundo da formação, as leis físicas atuam e dão forma e movimento à energia, fazendo surgir os quatro elementos (ar, fogo, água e terra), que são a base de toda matéria universal. Esses elementos são produzidos a partir da trans-formação da energia (luz), em massa, por ação das leis da relatividade e da gravidade, uma forçando a dispersão da matéria universal no vazio cósmico, outra atuando no sentido de agrupá-los em sistemas.  
Em Assiah, o mundo da matéria, a interação entre os quatro elementos fazem surgir as diversas formas de matéria física, a qual evolui até desembocar na vida orgânica; e esta, por sua vez, como resultado dessa evolução, dá nascimento a espécie humana, fase final de evolução do edifício cósmico pensado pelo Grande Arquiteto do Universo. A partir daí o mundo passa a ser construído pelos seus “mestres- pedreiros” universais, que são os anjos − no plano espiritual− e os seus aprendizes- homens, no plano material. 
Segundo a tradição da Cabala, a estrutura cósmica é dividida em sete esferas de manifestação energética, que são os mundos, Originário, Celestial, Elemental, Astral, Infernal, Inteligível e Temporal. Nós vivemos no mundo Temporal, limitados pelas linhas do espaço e do tempo, que formam a esfera do Inteligível. As demais esferas são espaços de manifestação divina (Originária), angélica (Celestial e Infernal) e espiritual (Elemental e Astral). Essas esferas de manifestação da energia criadora são etapas da construção universal, nas quais essas diferentes entidades interagem, dando origem ao universo físico em suas manifestações físicas e espirituais. Dessa forma, anjos e homens são os construtores do universo, pois uns traçam os planos de construção (anjos inspiram as ações) e os outros as executam (construindo ou destruíndo).(4)
São Tomás de Aquino também usava a alegoria cabalística dos “anjos construtores” do universo para ilustrar seus pensamentos. Em sua obra mais conhecida, “A Cidade de Deus”, ele se refere a Deus como a “primeira causa do universo, aos anjos como “a causa secundária visível” e aos homens a sua “causa final”. Basilides, sábio gnóstico do segundo século, ensinava "que os anjos de categoria inferior são os construtores do universo material e os homens os seus aprendizes”. Todas essas manifestações refletem a intuição universal de considerar Deus como o Grande Arquiteto do Universo e os anjos e os homens como seus mestres e pedreiros.
Essa visão tem um paralelo na tradição vedanta, onde encontramos, igualmente meios originários de Criação que são o desejo (Rig Veda X.129 e X.81); as austeridades (tapas) (Rig Veda X.129 e X.190); a procriação; o sacrifício (Rig Veda X.90, X.81, X.82 e X.130); e um derivado que é a fala (Rig Veda X.125 e X.71). A reconstituição ritual desses Cinco princípios de Criação constituem o conteúdo iniciático dos Mistérios de Indra, praticados pelos brâmanes desde épocas imemoriais.

A Cosmogonia cabalística


                            
A criação do mundo, conforme aparece na Bíblia, não é uma matéria que pode ser interpretada literalmente. Se assim o fizermos acabaremos concluindo que ali está dissseminado um conjunto de mitos e crenças sem qualquer apoio na pesquisa histórica e científica. Todavia, por trás dos fatos ali narrados, muitas vezes de forma alegórica, encontra-se uma sabedoria muitas vezes milenária, que tem sido transmitida de forma oral aos sábios de Israel, sábios estes reunidos em uma mítica Assembléia de rabinos, a qual, através dos tempos e da História, a tem compilado e interpretado, reunindo-a em vários livros paralelos á Biblia, que somente são entendidos pelos estudiosos do Judaísmo.
O termo Torah, (que quer dizer Ensinamento, Lei ), aplica-se aos cinco primeiros livros do Tanach, a Bíblia judaica. Ela é chamada de Pentateuco, ou Sefer Torah, o livro da Torah. Esses são os cinco livros atribuídos à Moisés, mas sabe-se hoje que eles não foram concluídos, em sua versão atual, pelo menos até o período do domínio persa, ou seja antes de 332 antes da era cristã.Há historiadores que acreditam que tais livros começaram a ser escritos por volta do século VII a.C. no reinado do rei Josias e foram concluídos na época de Esdras, logo após a volta dos judeus do Cativeiro. (5)
Mas é nos textos posteriores, escritos pelos profetas e pelos intérpretes da Bíblia literal que se encontra aquilo que nós chamamos de sabedoria arcana. Destes interessam principalmente os textos constantes do Talmud e da Mishnah, onde encontramos a interessante estrutura da cosmogonia judaica, arquétipo inspirador da mística adotada pela Maçonaria.

Os Arquitetos da Criação

No livro da Criação, chamado Bereshit, diz-se que “No princípio”Deus criou o céu e a terra. A terra estava vazia e vaga, e as trevas cobriam o abismo, e um vento pairava sobre as águas. E Deus disse: ‘Haja luz’ e houve luz. Deus viu que a luz era boa e separou a luz e as trevas. Deus chamou à luz ‘dia’ e às trevas ‘noite’. Houve uma tarde e uma manhã, fazendo o primeiro dia”  (Genesis, 1:1-5).
Poesia? Mito? Alegoria? Fato da história cosmológica que está sendo descrito de forma simbólica por falta de uma linguagem apropriada?
Em nossa opinião é tudo isso. A sabedoria cabalística diz que o mundo foi feito pelo Poder da Palavra de Deus. A Palavra do Verbo. EU SOU, disse Deus a Moisés no Monte Horeb. E o gnóstico evangelista João também usa essa concepção: No início era o Verbo, O Verbo era Deus e um Deus era o Verbo”. (6)
Essa noção também é contemplada pelos Vedas. Para os Sábios hindús o poder criador e identificador da palavra também é entendido como fundamental para o exercício da Criação. Em ambas as tradições é através da palavra denominadora que o universo e a Criação tornam-se manifestos. Corroborando esse fato vemos que depois de criar o homem, Deus o conduz pelo paraíso, onde ordena que ele nomeie todas as criaturas vivas, “cada qual devia levar o nome que o homem lhe desse” (Genesis, 2:18). E pela palavra o homem reproduz o Ato Criador, dando identidade à todos os elementos da Criação e a todas as coisas do universo, dando nascimento ao chamado principio da identidade, segundo qual o caos na terra foi organizado.
Na antropologia cabalística esse momento de Criação é definido pelo termo Chokmah, a Sabedoria, segunda Séfira da Árvore da Vida. Esse conceito aparece, pela primeira vez no Livro dos Provérbios: “Deus me criou, primícias de sua obra, de seus feitos mais antigos; desde a eternidade fui estabelecida, desde o princípio, antes da origem da terra. Quando os abismos não existiam, eu fui gerada, quando não existiam os mananciais de água” (Provérbios, 8: 22-23) .
É aqui que entra o interesse maçônico nesse estranho conceito da antropologia cabalística. Pois no verso 30 temos um nome Agur “ o que congrega e espalha verdades”.  Esta palavra, que também se traduz por Amom tem sido traduzida como artífice, mestre-de-obras. Na.Septuaginta ele é traduzido pelo termo harmozousa,   que significa a antítese dos anjos rebeldes. Por analogia eeles são os Elhoins, os anjos construtores da Cabala.(7)
A Vulgata o define como componens, os que compõem, os que edificam. Outras interpretações dão-nos amon como amun,que significa  nutrir, mas a tradução mais consensual parece ser a que consta de Provérbios 8:30-31): “Eu [a Sabedoria] estava junto com Ele [Deus] como o mestre-de-obras, eu era o seu encanto todos os dias, todo o tempo brincava em sua presença: brincava na superfície da terra, e me alegrava com os homens."
Eis aí a intuição cabalística como inspiração do arquétipo mais importante da Maçonaria, que é a alegoria da construção do edifício cósmico pelo Grande Arquiteto do Universo, através dos Anjos Construtores (Elohins), secundados pelos seus aprendizes (os homens). Essa visão cosmológica do universo maçônico é conhecida nas tradição judaicas como a “Sabedoria Mestre de Obras”   

“1. Daí termos quatro estações no ano, quatro faces na lua, quatro eras geológicas, quatro evangelhos, quatro cavaleiros da Apocalipse etc. 
 2. EHIEH é fórmula cabalística de escrever Jeová (IHVH) na Cabala.  
  3. Nebulosas, constelações, sistemas planetários são exemplos da atuação dessas leis na organização do universo. Nos sistemas ambientais formam os biomas, e nos organismos vivos, as estruturas que sustentam a vida.
 4. Daí a escolha da alegoria do Templo de Jerusalém como arquétipo fundamental da construção maçônica. Esse é um edifício que tem sido construído e reconstruído ao longo do tempo, tal qual o espírito humano. 
  5. Israel Finkelsen e Neil Asher “A Bíblia não Tinha Razão”, publicada pela Ed. Girafa, São Paulo, 2003
  6. João, 1: 2 a 5
 7.  Esse termo é usado na literatura rabínica como antítese dos anjos rebeldes. Por analogia são os Elhoins, os anjos construtores.
 8.  Que na Maçonaria é representado pela letra G.
 9. R N. Whybray The Making of the Pentateuch: A Methodological Study", JSOT Press, Sheffield, 1987
  10. A Palavra Perdida é uma das mais significativas alegorias maçônicas. Está conectado com outra alegoria de extraordinário sentido simbólico que o Inefável Nome de Deus. No Rito Escocês  esse tema aparece no grau 18 e em vários outros graus filosóficos. Esse tema foi desenvolvido em nossa obra “Conhecendo a Arte Real” e Mestres do Universo, ambas já citadas.
 11.  A palavra Aterzata aqui é usada com o significado de líder. Aterzata era o título aplicado ao governador das províncias persas. Zorobabel, após ter liderado a reconstrução de Jerusalém, por analogia, recebeu esse título, que hoje é aplicado ao administrador da chamada Loja de Perfeição, na Maçonaria do Rito Escocês.  
12. George W. E. Nickelsburg- Philadelphia: Fortress Press, 1981
   Idem,
  13. A Teosofia igualmente se vale dessas analogias para justificar suas visões cosmogônicas.  Na mitologia grega também é visível o sentido metafórico dessas tradições, uma vez que cada um desses heróis, ou deuses, simbolizam forças da natureza.  




João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 21/06/2012
Reeditado em 23/06/2012
Código do texto: T3737032
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